Transação penal: linhas gerais e legitimidade para propositura

Por Josiane Rosalha Rodrigues Botelho | 31/05/2012 | Direito

RESUMO

 

Este trabalho se presta a delinear alguns pontos acerca da Transação Penal oferecida em audiência preliminar ao procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais. Analisaremos alguns pontos do instituto bem como verificaremos quem é o sujeito legítimo para oferecer a Transação Penal.

 

 

PALAVRAS-CHAVE

 

Transação penal – juizado especial criminal – jecrim

 

 

  1. 1.      INTRODUÇÃO

 

Os juizados especiais foram criados no Brasil através da lei 9099/95 sob o manto da celeridade e descarcerização (e não despenalização ou descriminalização), sendo o Juizado Especial Criminal, o qual interessa ao nosso estudo, o “competente para conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência”, conforme disposto no artigo 60 da supracitada lei.

 

Temos o objetivo esclarecer, porém não exaurir, sobre o instituto da Transação Penal nos crimes cuja ação se dá por inciativa privada, analisando se o seu oferecimento seria direito subjetivo da vítima/querelante ou do autor do fato, ou obrigação exclusiva e indelegável do Ministério Público.

 

 

1.2.                      A TRANSAÇÃO PENAL NO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO

 

Dentre as diversas novidades trazidas pela lei 9099/95 no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, encontra-se a possibilidade de Transação Penal, que pode acontecer antes do início do procedimento Sumaríssimo, conforme previsto no caput do artigo 76 da supracitada lei:

 

 

Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.(BRASIL, 2012).

 

 

Apesar de a lei não mencionar a aplicação deste instituto às ações que se procedam por iniciativa privada, o entendimento do cabimento de sua aplicação nestes casos é majoritário na doutrina e pacífico na jurisprudência. Neste sentido:

 

 

62. Crimes de ação privada: não vemos nenhum sentido em terem eles sido excluídos do contexto da transação(...)

(...)Por isso concordamos plenamente com a postura sugerida por Grinover, Magalhães, Scarance e Gomes, no sentido de ser admitida a transação, por analogia in bonam partem (é favorável ao autor do fato), também na órbita da ação penal privada (Juizado Especial Criminal, p 150).  Leis Penais e Processuais penais Comentadas Editora revista dos Tribunais. Guilherme de Souza Nucci. P. 836.62.

 

 

Na ação penal privada é garantido ao querelante o direito de movimentar a jurisdição, para que esta, através dos órgãos do judiciário, se pronuncie acerca do caso concreto que invadiu a seara da intimidade da vítima, tratando se de excepcionalidade, tendo em vista a regra ser da Ação penal pública condicionada ou não à representação. Na ação privada o direito de ação pertence ao querelante ou ao seu representante legal (art. 30 CPP), que apresenta o fato típico à autoridade judicial através da queixa-crime, frisando-se que a legitimidade para propositura é do querelante, seguindo o poder punitivo à cargo do Estado.

 

O procedimento prévio no juizado especial será iniciado com a audiência preliminar que contará com a presença do Juiz, do autuado, vítima e seus respectivos advogados e o MP. Nesta fase o juiz tentará direcionar uma composição dos danos civis, o que poderá ser feito através de indenização ou retratação feita pelo autor do fato. Havendo acordo, lavra-se o acordo e este será homologado por sentença irrecorrível, nos termos do artigo 74 da lei 9099/95. Vale lembrar que o acordo homologado incorre em renúncia ao direito de queixa.

 

Porém, não havendo composição dos danos civis, poderá ser oferecida a queixa crime oralmente na própria audiência, sendo reduzida a termo. Se assim ocorrer será designada nova audiência, quando haverá a possibilidade de se oferecer a transação penal, ou pelo MP ou pelo próprio querelante, desde que antes do recebimento da queixa-crime.

 

 

1.3.                      APALICAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL EM AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

 

Apesar de silente a lei acerca da possibilidade de transação penal em ação penal de iniciativa privada, há quem sustente que sua propositura é possível, porém só poderia ser oferecida pelo querelante ou aplicada quando oferecida pelo MP mediante consentimento da vítima. Assim, não caberia transação penal caso o querelante não a oferecesse ou não convergisse com o Parquet quanto à sua propositura.

 

Justificaremos nossa discordância de parte da doutrina que compreende o Instituto da Transação Penal como direito exclusivo do querelante/vítima conforme se segue.

 

Os juizados especiais existem, mormente, pela tentativa de não deixar que os chamados “crimes de massa” sejam atingidos pela prescrição, pois nota-se que o procedimento tem poucas formalidades, e suas fases preliminares dão ênfase à conciliação e à resolução do litígio sem fixação de pena privativa de liberdade, tendo um caráter pedagógico. Falamos em caráter pedagógico tendo em vista que caso o autor do fato aceite a transação (ele não é obrigado a aceitá-la) isto não implicará em maiores complicação na continuidade de sua vida, conforme expõe Távora:

 

 

O autor do fato não é obrigado a aceitar a proposta de transação penal, podendo recusá-la, ou até mesmo fazer contraproposta. Todavia, será ele informado de que a transação penal não implica reconhecimento de culpa (diferentemente do que ocorre com o instituto do guilty plea norte americano, onde a transação está condicionada à confissão da culpa) ou reincidência, nem deixa antecedentes criminais. A única restrição para quem aceita a TP é a consistente em não poder aceitar outra transação penal por outro crime pelo prazo de cinco anos. (TAVORA, Nestor, 2012, Pag. 805).

 

 

Diante do exposto reafirmamos o caráter pedagógico da medida, visto que a transação penal se mostra como uma forma de o Estado mostrar sua existência e autoridade para que as infrações e crimes não se tornem hábito para o autor do fato, frisemos: por mais que as medidas aplicáveis não intervenham tão incisivamente na vida do autor do fato. Fácil compreender que o sujeito que não tem a personalidade voltada para o crime se sentirá intimamente incomodado com a situação de estar em vias de ser processado, não querendo, com certeza, viver jamais nem tal iminência nem a concretude de um processo penal algum dia.

 

Sustentamos a favor da Transação Penal na Ação Privada é que a impossibilidade de seu oferecimento implicaria inobservância ao Princípio constitucional da Isonomia, visto que o mesmo instituto encontra-se presente nos casos de Ação Publica. Trataria de verdadeira restrição à igualdade e razoabilidade (no que tange ao tratamento ao autor do fato na Ação penal Pública e na Privada) na aplicação dos atos procedimentais.

 

 

1.4.                      lEGITIMIDADE PARA O OFERECIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL

 

Entendemos que na ação penal privada ao querelante somente é dada a legitimidade do oferecimento da queixa-crime, sendo o Estado o titular e detentor legítimo da pretensão punitiva, assim legitimado é o MP para propor a Transação Penal, ouvir a proposta de transação da vítima e contra-proposta do autor do fato, se este a fizer.

 

O processo penal, em nenhum de seus procedimentos poderá se prestar a meio de vingança privada, assim a vítima que procura a atuação do estado deverá ter o dano reparado (quando possível) e não o poder de escolher se o autor terá ou não uma condenação específica a seu gosto, visto que para isso temos o Ministério Público tanto quando é parte no processo ou quando atua como fiscal da lei. Imaginemos que fosse o instituto da transação penal direito subjetivo do autor: Com certeza, teríamos sérios problemas levando praticamente à inaplicabilidade da transação penal em Ação Privada.

 

 

  1. 2.     CONCLUSÃO

 

No que tange ao silêncio da lei 9099/95 acerca do cabimento da Transação Penal na Ação penal de iniciativa Privada entendemos ser perfeitamente possível, conforme fundamentos expostos acima.

 

Assim, diante dos esclarecimentos passados, que não tiveram a pretensão de exaurir o tema da Transação Penal que é vasto e admite muitas discussões, concluímos que este instituto atende aos fins para os quais foi criado. Além da celeridade, verificamos que a pretensão de não se oferecer/receber a denúncia e por consequência ter iniciada a Ação Penal Privada, se presta como uma segunda chance que o Estado dá ao autor do fato de não ser processado e não ter anotações para fins de reincidência referente ao crime cometido, impedindo-o, em contrapartida de ter o mesmo benefício concedido dentro do prazo de cinco anos a contar da homologação da Transação Penal.

 

Verificamos por fim, ser legítimo o Ministério Público para a propositura da Transação Penal, podendo este ratificar proposta feita pela vítima, mas nunca deixar de fazê-la porque esta não queira transacionar, visto se tratar verdadeiro direito subjetivo do autor do fato a Transação Penal, quando preenchidos por ele os requisitos mínimos, e ainda ser sua obrigação exclusiva, tratando-se de vício sua não propositura.

 

 

3.     REFERÊNCIAS

 

ARAUJO, Marcelo Cunha de. Só é preso quem quer! Impunidade e ineficiência do sistema criminal brasileiro. Rio de Janeiro. Brasport. 2012.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão – Causas e Alternativas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

BRASIL, Lei 9.099 de 26 de Setembro de 1995 - Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 21 de maio de 2012.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais comentadas.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

 

TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodium, 2012.