Tráfico de Drogas e Restritiva de Direitos

Por Gustavo Sirena | 01/06/2007 | Direito

Tráfico de drogas e restritiva de direitos.

Tem gerado assaz polêmica a possibilidade ou não de se substituir pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em caso de crime de tráfico de drogas. É evidente a queda de braço travada não só pela doutrina, mas também pelos Tribunais pátrios. Tendo em vista a magnitude do assunto faz-se oportuno tecer alguns comentários a respeito da matéria.

Vale recordar, a propósito, que se destacam duas correntes juridicamente defensáveis. De um lado estão aqueles que não admitem a substituição considerando que tal benefício é inaplicável aos delitos de tráfico de entorpecentes, tendo em vista o óbice imposto pela Lei dos Crimes Hediondos, objetivando, assim, afastar esses criminosos do meio social.

Por outro viés, destaca-se uma segunda corrente que acena à possibilidade de se aceitar a substituição. Com a devida vênia aos que pensam de forma diversa, esse último entendimento é o de nossa preferência. A nosso ver o benefício só se tornou possível depois que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º, do artigo 2º da Lei 8.072/90, que fixava o regime integralmente fechado para o cumprimento de pena em caso de crimes considerados hediondos e a ele equiparados.

E ainda, com o advento da Lei 11.464/07, que alterou alguns dispositivos da Lei 8.072/90, passou-se a admitir a substituição de privativa de liberdade por restritiva de direitos para os etiquetados crimes hediondos e assemelhados, como é o caso do tráfico, já que o regime para o princípio do cumprimento da reprimenda passou a ser o inicial fechado.

Assim, não há de se negar que o óbice anteriormente imposto pela Lei 8.072/90 não deve ser ponderado quando da análise da possibilidade de se substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Ainda que o crime tenha sido praticado na vigência do obstáculo legal - §1º, art.2º, Lei 8.072/90 - ele não deve ser levado em consideração, pois é lição comezinha a de que a lei nova que beneficia o réu deve retroagir.

Ultrapassada essa discussão, pauto-me a analisar outros elementos indispensáveis para a substituição. Registra-se que para se alcançar o benefício é preciso que o réu preencha os pressupostos do artigo 44 do Código Penal. São eles: "Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente."

Também aqui não se logram sufrágios unânimes, mesmo diante da alteração do regime inicial para o cumprimento da pena em caso de crimes hediondos e assemelhados. A aparente pacificidade do tema ora objeto de estudo não tem caminhado de forma serena nos Tribunais pátrios. No que interessa para a discussão, entendemos que o assunto merece ser visto sobre duas óticas, ou seja, deve-se analisar se a traficância foi exercitada antes ou depois da entrada em vigor da nova Lei de Drogas – Lei 11.343/06 – que se deu no dia 08 de outubro de 2006.

Como se sabe, o artigo 33 da Lei 11.343/06 estendeu os patamares mínimo e máximo do preceito secundário referente ao crime de tráfico. Hoje, aquele que se enquadrar no dispositivo legal sancionador da traficância, pode ser condenado a uma pena que varia de 05 a 15 anos de reclusão. Ademais, o novo Diploma Legal em seu artigo 44 veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Logo, a nova Lei afasta qualquer discussão sobre a possibilidade de substituição, já que além de majorar a pena mínima para os crimes de tráfico, o que afasta a possibilidade da substituição – art. 44, I, CP - dispõe em seu texto de forma expressa sobre a vedação do benefício. Superada essa questão, cabe analisar os crimes perpetrados antes da entrada em vigor da Lei 11.343/06. Nota-se que a antiga Lei 6.368/76 castigava o traficante de forma menos rigorosa do que a nova Lei, ou seja, a pena para quem infringia o dispositivo repressor da traficância variava de 03 a 15 anos de reclusão.

Vê-se, pois, que a pena mínima era mais benévola do que a estipulada no novo Diploma. Observe-se, ainda, que os crimes praticados na vigência da Lei 6.368/76 devem ser por ela punidos, tendo em vista a proibição da retroatividade "in malam partem". Pois bem. No caso de réu condenado à pena de 03 anos de reclusão por crime de tráfico e desde que preenchidos os pressupostos do artigo 44 da Lei Penal, cremos que a substituição é possível.

Provocado a se manifestar a respeito, o Supremo Tribunal Federal tem seguido por esse mesmo viés. Eis o teor da Ementa: "PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS PRESENTES. SUPERAÇÃO DO ART. 2º, § 1º, LEI 8.072/90, QUANTO AO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. ORDEM CONCEDIDA.

I - A regra do art. 44 do Código Penal é aplicável ao crime de tráfico de entorpecentes, observados os seus pressupostos de incidência.

II - A regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.071/90, pode ser superada quando inexistir impedimento à substituição.

III - Ordem concedida." – Grifo Nosso - (Habeas Corpus n. 88.879 / RJ. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 06 de fevereiro de 2007. Publicação em 02 de março de 2007, p. 00038).

Aliás, nesse sentido também se manifestou a Segunda Turma, HC 84.715, bem como o Pleno, ao julgar o Habeas Corpus n. 85.894, oriundo do Estado do Rio de Janeiro. Vê-se, pois, que a matéria resta pacificada perante o Supremo. Nota-se, também, que apesar de a nova Lei proibir expressamente a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a remota Lei 6.368/76 não tratou do assunto.

Assim, salvo melhor juízo, é forçoso concluir que não cabe ao intérprete vedar o benefício, já que o legislador não o fez. Logo, é plenamente possível a substituição no caso de crime de tráfico de drogas praticado antes da entrada em vigor da Lei 11.343/06 – 08 de outubro de 2006 - e desde que preenchidos os pressupostos do artigo 44 do Código Penal.


Biografia do autor: Juiz de Direito do Estado do Acre , graduado pela Universidade de Cuiabá – UNIC – campus Cuiabá, Especialista em Direito Processual Penal e Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC – campus Curitiba, Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG e Especialização em Direito Público (em andamento) pelo Instituto de Direito Público – IDP -, campus Cuiabá, MT.