Trabalho, cultura e escola

Por Felisberto Vasco Goncalves | 26/01/2012 | Educação

TRABALHO, CULTURA E ESCOLA

 

Felisberto Vasco Gonçalves[1]

 

         Os textos de GILES, FORQUIM e MELLO  abordam  questões relacionadas ao início do processo educativo do homem até os dias atuais, bem como os avanços e  contradições  do processo educativo. Totalmente informal e oral, esse processo educativo, a princípio, era voltado para a sobrevivência do indivíduo, com base nas experiências diárias em sua comunidade, evoluindo até  a educação das massas.

         Para GILES o processo educativo primitivo fundamenta-se na endoculturação: a transmissão de conhecimento serve para introduzir e assimilar o indivíduo em determinada cultura, a fim de torná-lo participante da ordem social estabelecida.  Através da endoculturação  o indivíduo assimila os padrões cognitivos, afetivos e comportamentais do grupo. Nesse processo educativo o aprendiz é exposto a um raio de influências  limitado. A escola formal não existe, uma vez que é a própria experiência de vida que desempenha o papel de escola e os membros da sociedade o papel de educadores.

         Nessa sociedade o valor mais importante é a segurança; a obediência absoluta é de rigor. Todo o processo educativo tende a aniquilar o não-conformismo. A subordinação é fundamental à vida em grupo e o jovem é moldado conforme padrões pré-determinados, para garantia do “status quo”. Surge então o processo educativo que conhecemos hoje como método tradicional.

         No texto de FORQUIM a educação é observada desde o final do feudalismo e da revolução industrial-urbana, sob a visão de BANTOCK, que critica as questões do alfabetismo de massa na era da imprensa, quando a velha cultura oral dá lugar ao alfabetismo com a tarefa de generalização do acesso a uma cultura que era até então reservada a uma minoria de clérigos e letrados que possuíam condições financeiras.

       Relata BANTOCK que o projeto democrático de alfabetização de massa, não levou em conta que a prática constante da leitura e da escrita supõe extraordinária evolução cognitiva que poderia não estar acessível para a maioria dos indivíduos, podendo por esta razão tornar-se insuportável, principalmente por não estabelecer uma relação direta com os seres e as coisas que se encontram em total oposição com aquilo que constitui a orientação cognitiva espontânea desta maioria, tornando-se assim a alfabetização numa grave ameaça à individualidade e à identidade.

       Pontua BANTOCK que a adoção da cultura escrita não podia efetuar-se de modo massivo, profundo e durável. Uma vez adquiridas à custa de tantas dificuldades,  as competências mínimas em leitura e  escrita tornam os alunos incapazes de responder às solicitações e exigências profundas da cultura alfabética. Tudo isso e muito mais é o resultado de uma educação com base no tradicionalismo que mantém o aluno  alienado e submisso, atendendo às exigências do mercado industrial, tendo como forte aliada a imprensa escrita, que transforma o homem em um ser   consumista.

Todo avanço tecnológico da época contribui em grande escala para a divulgação cotidiana de ofertas baratas a milhões de seres alienados, com o simples objetivo de satisfazer necessidades imediatas e identificação igualitária, propiciando o aparecimento da  instabilidade emocional nos consumidores da cultura de massa.Como afirma BANTOCK, a cultura veiculada pelo meio de comunicação dessa época é irremediavelmente antieducativa, uma vez que privilegia a informação do superficial, do fortuito, do efêmero, e encoraja a dispersão da atenção, o que é totalmente contrário às necessidades da vida escolar. Percebe-se ainda nesse período, conforme relatos de FORQUIM, uma educação com tendências doutrinárias que traz como conseqüência a crise cultural em que nos encontramos mergulhados até os dias de hoje. Fruto de uma cultura alfabética, erudita e pressupostamente igualitária e racionalista, emerge daí o ascetismo do espírito acadêmico que é incompatível com as solicitações  demagógicas do que conhecemos como cultura de massa.

       Não se pode negar que a revolução industrial-urbana trouxe benefícios para a humanidade. Teve início um processo de mudanças relacionadas à educação, ainda que os reais objetivos das mudanças e investimentos nas áreas da educação estivessem camuflados. A indústria e o comércio necessitavam de mão-de-obra mais qualificada, as publicações eram mascaradas e alimentavam, com  propaganda e ênfase no sonho de consumo, uma cultura igualitária que nunca existiu.

      MELLO, ao concluir seu estudo em “Cidadania e Competitividade” (pp.46-54), mostra que as políticas de expansão quantitativa e a extensão da escolaridade obrigatória ampliaram o acesso à escola com base em princípios democráticos, mas não foi empreendido esforço para responder às questões de qualidade do ensino em nosso país.  As conseqüências continuam sendo o péssimo desempenho dos alunos e o emprego do álibi segundo o qual o fracasso dos alunos estava relacionado à situação financeira de suas famílias, que por não haverem freqüentado a escola não a valorizam.

      Aponta também como conseqüência do crescimento quantitativo desqualificando o inchaço do ensino fundamental com  índice altíssimo de repetência de alunos que já deveriam ter concluído ou estar concluindo o ensino fundamental e iniciado o ensino médio.  A educação, como bem afirma o autor citado, se não vencer a barreira do mal crônico que afeta nossos sistemas de ensino (e aí inclusos estão os objetivos educacionais, a autonomia, a criatividade, a capacidade de fazer escolhas) pode acabar se tornando uma brincadeira de gosto muito duvidoso.

      MELLO frisa ainda que o acesso ao ensino fundamental no Brasil encontra-se universalizado e que o inchaço desta fase do ensino é referente ao alto número de repetentes, o que também justifica as desistências. Quanto ao ensino médio, afirma que é a baixa produtividade do ensino fundamental a causa da queda de participação no nível médio e conseqüentemente na graduação, onde as estatísticas apontam números bem  inferiores ao mínimo desejado.

       Concluindo, o grande problema a ser enfrentado para a melhoria da educação em nosso país encontra-se na qualificação do profissional da educação e na falta de atuação do poder político nacional e regional como indutor de políticas e compensador de desigualdades. Tudo isso  enfraquece ainda hoje as ações de planejamento em um sistema gigante que abrigou de forma acelerada a massa extremamente heterogênea.

       Como vimos, o processo educacional no Brasil centra  seu avanço na industrialização e na urbanização. Seus grandes problemas parecem se iniciar com a alfabetização de massa desestruturada e mal planejada, uma vez que as condições dos profissionais da educação e a sua qualificação para tal eram mínimas.

 

Referências Bibliográficas:

  1. GILES,T.R. História da Educação, São Paulo: E.P.U, 1987.
  2. FORQUIM, S.C. Escola e Cultura, Porto Alegre:Armed, 1994.
  3. MELLO, G.N. Cidadania e Competitividade, São Paulo:Cortez, 2000.

 



[1] Licenciado em Normal Superior/Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação (ISED-Porto Seguro); Pós-Graduado em Língua Portuguesa e Literatura (ISED).