Trabalhando conceitos de química, biologia, história e cultura no fabrico do pão

Por Lúcio Candido da Silva | 23/07/2012 | Educação

INTRODUÇÃO

Química é a ciência ligada à transformação da matéria em sua intimidade. Apesar de sua importância na vida cotidiana, traz dificuldades para o aprendizado do aluno, o que obriga os professores a buscar instrumentos criativos para aperfeiçoar o processo ensino-aprendizagem.

O presente escrito é resultado de uma sequencia de procedimentos para trabalhar estudo de reações, cinética química e termodinâmica, de uma forma mais atraente aos alunos, com objetivo de trazer melhores resultados didáticos e pedagógicos.

Pão é um dos alimentos que acompanham o homem desde tempos antigos (Sánchez, 2004). Acompanha a humanidade há mais de 9000, havendo registros na Ásia, África e Europa que confirmam tais informações conforme Sanchez (2004) e Gonçalves (2007).

As primeiras padarias, tal como conhecemos hoje em dia, foram criadas quase que simultaneamente em Jerusalém e na Grécia, tendo se espalhado em boa parte do mundo pelos romanos. Os judeus aprenderam a fazer pão no Egito antigo, onde era oferecido como parte sustento dos escravos. Por essa época, o pão já era fabricado seguindo o processo de fermentação pela adição de um fungo extraído da cerveja, conforme Gonçalvez (2007).

Basicamente, o pão nasceu como uma mistura de água e farinha tendo outros elementos acrescidos à massa com o tempo. Entre estes acréscimos temos as frutas, fermento, gordura e açúcar.

No passado, era costume entre os que viajavam levar um pão sobressalente para dividir com os demais viajantes, ou oferecer como moeda de troca. É possível que nas estalagens, ou lugares de pouso, houvesse padarias para abastecer os viajantes.

Alguns relatos bíblicos nos levam a crer que por conta do pão guerras foram travadas[1]. A crença no Deus cristão foi reforçada (Jesus se compara ao pão descido dos céus, numa alusão ao comido pelo povo na fuga do Egito e na última ceia entre os discípulos, Jesus afirmou que o pão simbolizava seu próprio corpo, partido em favor de muitos). O denário era a moeda suficiente para pagar um pão, alimento que deveria suprir as necessidades alimentares de um dia de trabalho.

No Brasil, o consumo de beiju e de broa de milho cedeu lugar ao consumo de pão a partir do século 19, quando este ainda era produzido com farinha de mandioca e de milho. Com a chegada dos italianos iniciou-se o processo de panificação industrial e o desenvolvimento das padarias. É nesse momento que o pão brasileiro deixa de ser um produto essencialmente doméstico e passa a ser industrial (Silva et all, 2008).

Aqui pelas terras tupiniquins, o pão mais consumido, chamado de pão francês, não é conhecido nem tem origem na França. Foram os portugueses que nos apresentaram a essa iguaria que ganhou grande destaque entre nós. Nós aprendemos a fazer pão com os portugueses e espanhóis e estes, por sua vez, com os árabes e estes; provavelmente com os romanos.

Uma contribuição para a humanização do pão, e sua historia, se dá pela inserção da farinha de mandioca, e de outras raízes tipicamente brasileiras, que inicialmente eram plantadas pelos índios. Além dessa escolha quanto à farinha a ser utilizada, o acréscimo de ácido fólico e de ferro para melhoria nutricional da farinha de trigo objetivam reduzir os problemas decorrentes do baixo consumo de ferro, como a anemia ferropriva e má formação de fetos, conforme Castro e Silva. A legislação brasileira prevê que as farinhas de trigo devem conter quantidades apreciáveis de ácido fólico visando a melhoria nutricional, principalmente de infantes, ou mesmo de na formação destes durante a gestação (Santos e Pereira, 2007; Castro e Silva).

O pão agrega pessoas, valores e crenças: religiosas, econômicas, sociais e de outras naturezas, sendo esse misto que torna o pão a construção alimentar humana mais universal como fruto da contribuição de muitos povos, ao longo da história da humanidade. A maioria das contribuições, anônimas, obtidas por obra do acaso, refletem nisso que, o mais simbólico e importante alimento do homem.

UM POUCO DE HISTÓRIA, UMA PITADA DE BIOLOGIA E MUITO DE QUÍMICA.

Para ser obtido um pão, um processo fermentativo importante é utilizado no processo. Esse processo, atuando sobre os diversos tipos de farinha, tendo variáveis diferentes como tempo, outros produtos adicionados à massa, umidade e calor oferecem os diversos tipos de pão que são conhecidos ao redor do planeta.

Do ponto de vista nutricional, o pão é um alimento essencial: carboidratos complexos (açúcar) lipídeos, água, vitaminas, proteínas. Seu valor nutricional pode ou não ser melhorado conforme são feitos acréscimos à farinha ou qualquer dos componentes de seu preparo. Exatamente por isso, as campanhas nutricionais da ONU/FAO, envolvem, sempre, porções relativamente fartas de pão ou farinha nas cestas básicas. As carências nutricionais humanas podem ser relativamente bem resolvidas com acréscimos à farinha, ou ao pão.

Quimicamente ocorrem muitas transformações na mistura que resulta na formação do pão. Como reação química, a transformação necessita temperatura, umidade e pressão adequados, conforme se deseja obter um sabor mais suave, mais encorpado, mais doce, mais forte, mais salgado.

A massa, depois de misturados os elementos, e devidamente sovados, é levada para “descanso”. É o tempo para que ocorra o processo de fermentação, e onde a massa cresce e adquire leveza, cheiro e consistência adequados antes do cozimento.

A fermentação é obtida pela ação de um fungo, o Sacccharomysses Cerevisae. Entretanto, mesmo as massas às quais não é acrescentado o fungo também podem levedar, necessitando de um tempo bem maior para tanto, e condições de manuseio e guarda adequadas.  Esse fungo é o mesmo utilizado na fermentação da cerveja, sendo por isso mesmo que ao longo da história, em vários lugares do mundo, o fabrico de pão esteve atrelado ao da cerveja.

O incrível processo de transformar trigo em pão é um símbolo muito enraizado em nós, mesmo naqueles que nunca pararam para pensar em todas as mudanças que essa matéria sofre.

OBJETIVOS DO PROJETO

O presente projeto multidisciplinar que pode envolver diversas matérias e áreas do conhecimento e trabalhar diversos temas transversais: química, história, geografia, matemática, ética, cidadania, ecologia, religião.

Entre outras coisas, pretende-se promover a descoberta de parte da história, promover o fabrico de pães, discutir temas como obesidade e fome, o que decorre de implicações relativas ao seu consumo e sua restrição ocasionada pelas quebras nas produções, e pelas modificações no clima e nos regimes hidrológicos, calor e luminosidade, e como isso interfere na sobrevivência do ser humano sobre a face da Terra.

As discussões, amplas, não são um fim em si mesmo. E com elas o aluno estará tratando de diversos conteúdos, onde as informações e relações serão obtidas por meio de pesquisa, leitura e discussão.

O processo avaliativo envolveu, a discussão, a aplicação de questionário sobre o tema, e a qualidade dada ao pão fabricado pelo aluno.

METODOLOGIA

Foi promovido um momento lúdico onde o aluno, aprendeu o fabrico do pão, seguindo um roteiro de pesquisa e respondendo às perguntas elaboradas pelo professor à medida que a massa estava sendo preparada.

Antes, foi promovido um debate que tratou de englobar questões sobre a história do pão, a ética no fabrico, questões econômicas, nutricionais e sociais relativas ao pão.

Em dia marcado, as turmas foram levadas ao laboratório. Os alunos foram divididos em 4 grupos para a fabricação do pão, sugerindo alterações na receita básica. Estes pães foram posteriormente submetidos à apreciação por outros professores, que deram notas variando de zero a três englobando quesitos como maciez, textura, apresentação, higiene, cheiro e sabor. As discussões também foram avaliadas com notas de zero a dois pontos, e um trabalho escrito sobre o assunto valendo de zero à três pontos complementaram a avaliação total do aluno.

As receitas foram alteradas a partir de uma receita básica, conforme a sequencia dada a seguir:

Materiais e ingredientes

  • Farinha de trigo sem fermento (01 a 02 Kg)

  • Leite
  • Água morna (30 – 40ºC)
  • Sal (apenas 01 colher de mexer café, ou menos)
  • Açúcar (sugiro 06 ou 07 colheres de sopa)
  • 02 pacotes de Fermento biológico seco (1 pacote para cada Kg de farinha)
  • Óleo de soja (sugiro azeite de oliva, ou óleo de canola, ou milho)
  • 02 Ovos
  • Bacia
  • Colher de pau
  • Copo 200 mL (apenas para medida, mas pode ser utilizado outro)
  • Pano de prato (02 ou 03)
  • Formas para assar o pão (03 ou 04)
  • Liquidificador
  • Termômetro

Procedimentos

  • Tomar a bacia, colocar nela metade de um pacote de farinha de trigo e adicionar os dois pacotes de fermento. Misturar bem os dois e reservar.

  • Tomar 01 medida (200 mL) de água, uma de leite, meia medida de óleo (deste, eu uso apenas 100 mL, ou menos), adicionar o açúcar, os ovos e o sal e bater no liquidificador.
  • Adicionar o conteúdo do liquidificador ao conteúdo da bacia, misturar inicialmente com colher de pau, adicionar farinha, e sovar com as mãos até que solte (sugiro usar luvas do tipo cirúrgica, ou ao menos ter as unhas bem aparadas e mãos limpas).
  • Adicionar farinha até que a massa fique homogênea e solte das mãos[2].
  • Deixar descansar na bacia por 20 minutos cobrindo a mesma com um pano limpo.
  • Cortar em pequenas porções, arrumar os pedaços, e colocar em forma previamente untada e polvilhada com farinha. Deixa-los descansando por 1h.
  • Levar ao forno, previamente aquecido (05 – 10 minutos de aquecimento) sob temperatura de 240ºC.
  • Para saber se está devidamente assado, introduzir um palito na massa e verificar se sai limpo. Outro fator a ser observado é a cor da superfície (se muito branca, deixe assar alguns minutos a mais em fogo baixo).

  

RESULTADOS OBTIDOS

O projeto foi aplicado em 2009 em três turmas do Centro Estadual de educação profissional Luiz Pinto de Carvalho, com os alunos na segunda série, do curso profissionalizante de logística. O projeto culminou com a apresentação do mesmo por um seleto grupo de alunos durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, no Museu de Ciência e Tecnologia da UNEB, no mesmo ano.

O pão produzido pelos alunos foi levado para degustação entre os visitantes do stand durante a SNCT, o que tornou o stand de nossa escola um dos mais visitados na quarta-feira, 21 de Outubro de 2009.

O momento de “por a mão na massa” foi muito ansiado pelos alunos e o fruto do trabalho bastante comemorado entre eles. Isso, com certeza, contribuiu para a apreciação das aulas de química, gerando expectativas sobre trabalhos posteriores.

As atividades dos alunos gerou muito envolvimento por parte do aluno, que em momento anterior era tido como passivo e distante. No dia escolhido para a fabricação do pão, os alunos permaneceram na escola desde as 13:30 até as 22:00 horas. Organizaram-se em grupos para responder aos questionários, levaram notebook e acessaram a internet para efetuar a pesquisa.

Outros grupos levaram textos para estudo e análise.

A visita efetuada no Museu da Ciência e Tecnologia da UNEB foi bastante proveitosa porque além de motivar os alunos, possibilitou a eles exercer sua oralidade e capacidade de argumentação num ambiente fora do seu contexto escolar. As perguntas formuladas foram bem assimiladas e respondidas, com grande entrosamento por parte de todo o grupo que participou da visita.

O processo de criação e aplicação do projeto precisou contemplar todo o tempo as dificuldades de tempo para aplicação e deficiências de conhecimento por parte do aluno. Entretanto, mostrou-se ao final um meio eficaz de fazer o aluno se envolver no seu processo de aprendizagem, tornando-o agente ativo, uma vez que a construção do projeto levou em conta sua demanda e opinião. Exatamente por isso, o aluno sentiu-se responsável em produzir resultados satisfatórios, procurando dar conta de todas as propostas feitas.

 

SUGESTÕES

  • Um segredinho para deixar o pão bem cheiroso: adicionar uma cebola recém tirada da geladeira e devidamente descascada, ao liquidificador quando bater os ingredientes líquidos. O pão passa a ficar bem mais macio também.

  • Se possível, substituir o óleo de soja, por azeite de oliva.
  • Junto com a farinha de trigo comum, que vai para a bacia com o fermento, adicione uma pequena quantidade de farinha de trigo integral, ou linhaça, ou farinha de aveia. O pão passa a ter um qualidade nutricional melhor. A farinha integral não deve exceder 50% em relação ao total de farinha.
  • Para o pão durar mais tempo, use leite ninho, invés de leite longa vida.
  • Use um suco de cenoura, ou de beterraba em lugar da água. A cor que a massa adquire torna o pão visualmente mais atraente para as crianças.
  • Ainda para tornar o alimento mais atraente para as crianças, um caminho é trançar o pão, ou dar formato à massa.
  • O pão de abóbora tem cor e sabor bastante atraentes: adicione 200g de uma abóbora bem doce e crua aos elementos que serão levados ao liquidificador.

QUESTÕES IMPORTANTES

  • Porque o pão fabricado com leite ninho em sua massa tem maior durabilidade?

  • Quantas calorias um pão francês pode fornecer?
  • Se a massa de pão cresce sem fermento, porque colocá-lo?
  • Porque pão integral é considerado mais nutritivo, se tem o mesmo número de calorias que um pão branco?
  • Pão e vinho são dois alimentos fabricados por meio da fermentação. Que aspectos comuns importantes podem ser trabalhados, tanto no aspecto químico, quanto nutricional e comportamental?
  • As cavidades contidas na massa do pão são oriundas de onde?

CONCLUSÃO

Pão é um alimento versátil e cheio de simbolismos. É herança de nossos ancestrais mais antigos, sendo uma construção coletiva de toda a humanidade.

A atividade realizada junto aos alunos da escola produziu grande interesse entre os alunos. Esse interesse foi capitalizado para a as atividades de cunho teórico, tendo sido o motor que promoveu efetivas melhoras no comportamento e nas notas dos alunos.

Como resultado final, um grande número de alunos (cerca de 40% dos concluintes do ensino médio em 2010), realizando as avaliações para ingresso em faculdades, obtiveram êxito, em instituições públicas durante os anos de 2010, 2011 e 2012. Alguns que pensaram em concluir seus estudos com a finalização do ensino médio, após as atividades de pesquisa, palestras e orientações, resolveram seguir com seus estudos.

Essa mudança de atitude e expectativa em relação ao futuro próprio, assim como a identificação de talentos e potenciais, talvez fossem dificultados em razão da baixa auto-estima do estudantes, o que foi possível melhorar a partir da implantação de atividades que, como essa, resultam em produção de conhecimento. O aluno consegue se ver agente ativo na produção de sua história, portanto, cidadão.                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

AGRADECIMENTOS

Ao Dr Marcos André Vannier, coordenador do laboratório de biologia parasitária da Fiocruz Bahia, que nos ajudou na elaboração e aplicaão desse projeto, cedendo suas instalações para alguns testes;

À direção do colégio Pinto de ?Carvalho que muito nos auxiliou;

As funcionárias da SEC (Marlene e companhia) que muito nos ajudou nos encaminhamentos para levar os alunos à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.


REFERÊNCIAS

 SÁNCHEZ, B. Do forno de barro ao forno elétrico. Tradução do artigo “Del horno de barro ao horno elétrico”. Revista FEVIPAN, n15, pg 58-59, junho, 2004.

SANTOS, L.M.; PEREIRA, M.Z. Efeito da fortificação com ácido fólico na redução dos defeitos do tubo neural. Cadernos de Saúde pública, Rio de Janeiro, n23, v1, janeiro, 2007.

NACHILUK, K; SILVA, J.R., JÚNIOR, S.N. mandioca e milho no pão, porque não? Seção Análises e Indicadores do Agronegócio. Instituto de Economia Agrícola, São Paulo,  v3, n7, julho, 2008.

GONÇALVES, M.L. O nosso pão. Seção O pão. Pessoas e lugares de animação da rede portuguesa Leader +. II série, pg 03, N46, 2007.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Barueiri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª ED. Revista e Atualizada no Brasil.

CASTRO, M.C.J.; SILVA, A.P.S.; Avaliação da farinha de trigo enriquecida com fero e ácido fólico. Disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/3AvaliacaodaFarinhadeTrigo_enriquecida_com_Ferro_1260539850.pdf.

   


[1] Capítulo 6 de Juízes: Relata que Gideão precisou malhar o trigo escondido porque os midianitas tomavam as plantações dos judeus.

[2] Você pode adicionar farinha até que forme um creme liso e homogêneo, como massa de bolo. Nesse ponto, você pode colocar a massa nas formas (tipo de pão de forma) untadas e polvilhadas, e aguardar que a massa cresça, durante 30 a 40 minutos. O pão fica mais macio, e você gasta menos farinha.