TRABALHANDO COM PROJETOS...

Por Sandra Cristina Fernandez | 16/06/2017 | Educação

TRABALHANDO COM PROJETOS: A PEDAGOGIA DA ESCUTA – PORQUE O PEIXE MORREU?

INTRODUÇÃO 

Trabalhar com Educação Infantil requer dos educadores uma postura de muita escuta, deve ter uma atenção e preocupação em como lidar com as crianças nas diversas situações que se apresentam no cotidiano por mais inesperadas que pareçam. Essas escutas podem acontecer em diferentes momentos, na hora do brincar, na hora da pracinha, rodinha e até mesmo na hora das refeições, por isso é necessário que o professor esteja atento às conversas das crianças.

A criança tem um jeito próprio de encarar as novas etapas que vão surgindo em sua vida. O papel do professor é auxiliar a criança em suas descobertas, favorecendo momentos para que sua aprendizagem aconteça, buscando compreender melhor o mundo infantil e a aceitação da criança nessa nova experiência.

No segundo semestre do ano letivo de 2015, na turma do Maternal I, a qual trabalhamos como professoras paralelas, buscamos proporcionar momentos que contribuíssem para o desenvolvimento nos aspectos cognitivo, social, afetivo e psicomotor, valorizando o lúdico, a fantasia e a imaginação, dando ênfase à pesquisa e a busca de respostas para os questionamentos que surgiam das próprias crianças, sendo elas protagonistas da sua aprendizagem. 

É inegável que as crianças possuem desejo constante de novos conhecimentos e isso pode ser explorado cuidadosamente em um projeto. Cabe ao professor selecionar o que é essencial para determinado processo de pesquisa e cuidar para que as perguntas elaboradas sejam de fato ferramentas para a reflexão.

Trabalhar a curiosidade significa promover a interação da criança com ambientes desafiadores que guiem seu pensamento para o que está em foco na investigação. É preciso ter em mente que os contextos planejados podem tanto alargar as experiências como restringi-las. Por isso, colocar as crianças como protagonistas de suas aprendizagens significa interagir com as suas narrativas e expressões, interpretá-las e sempre relacioná-las com a intencionalidade do projeto (CORTEZ, 2013). 

E assim surgiu o projeto: “Por que o peixe morreu?”, num momento de atividades livres em que verificamos a curiosidade das crianças, observando o aquário da escola no dia em que um dos peixinhos havia morrido. 

1 O PERCURSO: AS INQUIETAÇÕES QUE SURGEM NO COTIDIANO DA ESCOLA NOS REMETEM À PESQUISA 

Estávamos no saguão brincando, quando dois funcionários comentaram que o peixe havia morrido, as crianças imediatamente deixaram de brincar e correram em direção ao aquário, neste momento surgiram várias perguntas: “Por que o peixe morreu? Ele se afoga? Por que ele faz assim com a boca? Ele caminha? Essa água é dele? E as pedrinhas? O peixe morreu porque no rio tem cobra e bicho?”. Após essa explosão de questionamentos percebemos que havia iniciado um novo projeto.

Como no momento ainda estávamos desenvolvendo outro projeto, o qual precisávamos finalizar, não conseguimos dar procedimento a esta pesquisa. Em um outro momento, quando pensamos que talvez não houvesse mais esse interesse por parte das crianças, eis que para nossa surpresa a coordenadora da escola passa por eles com uma jarra com um sachê de chá dentro e as crianças imediatamente questionaram: “É um peixe?”. Então a coordenadora mostrou que era um sachê de chá dentro da água.

A partir disso retomamos o projeto realizando uma plenária com a participação de todas as crianças. Esta acontece geralmente numa roda de conversas na qual as crianças têm a liberdade de expor suas ideias a respeito do ocorrido, dividem seus saberes, fazem questionamentos e assim vamos organizando seus pensamentos em registros que podem ser na forma escrita, através de desenhos ou uma brincadeira. Desta maneira, vamos dando corpo ao nosso mapa conceitual, que norteará a pesquisa visando responder aos interesses das crianças. 

Piaget (1967), pesquisando sobre o uso da linguagem nas crianças, admite que todas as conversas infantis podem ser classificadas em fala egocêntrica e fala socializada. Na fala egocêntrica, a criança fala apenas para si própria, sem interesse pelo seu interlocutor. Nesse sentido, não tenta comunicar-se, não espera resposta e, frequentemente, não se preocupa em saber se alguém está prestando atenção no que diz. Na fala socializada, ao contrário, a criança procura efetivamente estabelecer um contato com o outro. [...] Vygotsky (1987), discordando dessa interpretação teórica de Piaget, sustenta que a linguagem, a partir dos dois anos até por volta dos sete anos, apresenta duas funções simultaneamente, sem que a criança seja capaz de diferenciá-las com nitidez: a função interna, de coordenar e dirigir o pensamento, e a função externa, de comunicar os resultados do pensamento para outras pessoas. Exatamente porque a criança não é capaz de diferenciar essas duas funções, acontece o que Piaget denomina de fala egocêntrica, ou seja, a criança fala alto sobre seus planos interiores e suas ações, não fazendo distinção entre a fala para si mesma e a fala social dirigida para o outro (SOUZA, 1995, p. 132). 

Diante disto, o professor tem a função de mediador e organizador dos pensamentos das crianças. Estes podem ser organizados de diversas maneiras, sendo que para esta pesquisa optamos por elaborar um esquema em cartazes organizados em etapas: O que sabemos; O que queremos saber; e O que descobrimos.

A partir disto fixamos um objetivo para cada curiosidade das crianças e pesquisamos estratégias para que estas fossem respondidas. Iniciamos cantando as músicas “Peixe vivo”, “Deus fez os peixinhos” e outras. Procuramos imagens de peixes de diversas formas, como diz na música (pequeno, grande, gordo e magro), também imagens de diferentes espécies de peixes (com escamas, sem escamas, etc.).

Exploramos várias literaturas como: “O tubarão engraçado”, “A piabinha” e outras contadas de várias formas (com livros, com fantoches e com vídeos). As conversas posteriores às literaturas foram sistematizadas em forma de painel, onde registramos o que aprendemos e quais são as curiosidades que ainda persistem.

Planejamos então uma visita numa loja de aquários. Neste momento, as crianças ficaram encantadas, olhavam atentamente os peixinhos, as cores diferentes e fizeram várias perguntas e constatações, entre elas: “Olha o chá de peixe!”, pois viram alguns peixes em copos descartáveis, imediatamente uma criança fez referência ao sachê de chá, relacionando com o chá de peixe.

Compramos dois peixes para substituir o peixinho que havia morrido e passamos a alimentá-los.

Para proporcionar um contato mais direto com os diversos tipos de peixes, trouxemos alguns peixes de verdade, porém mortos (com escamas, sem escamas, com dentes, sem dentes, pequenos e grandes). Puderam então tocar, observar e sentir as diversas texturas, sentir o cheiro característico dos peixes. Este momento foi muito significativo, pois percebemos que imediatamente ao encontrar os pais, as crianças relataram a experiência, exemplo: com a seguinte fala: Mãe! Hoje a gente viu uns peixes. Era bem liso e tinha um peixe muito perigoso. - Porque era perigoso? (mãe), - Porque tinha uns dentões.

Outro momento significativo foi quando brincamos de pescar. Para tal utilizamos um peixe de pet e vara com molinete. Esta brincadeira foi de extrema relevância, pois precisavam realizar movimentos complexos para jogar o molinete e recolher manuseando a manivela. Tiveram também que exercitar a paciência, tendo que esperar sua vez, pois havia somente uma vara.

No percurso deste projeto além das atividades já citadas, também realizamos desenhos, pinturas, massinha de modelar, brincadeiras, cantigas de roda (A canoa virou), assistimos vídeos de documentários e vídeos de pescarias, nos quais as crianças puderam perceber como vivem os peixes na natureza, como se alimentam, os diversos tipos de peixes. Enfim, a cada questionamento que surgia, uma nova forma de responder as dúvidas das crianças.

Para a culminância da pesquisa realizamos a degustação de filé de tilápia. As crianças participaram temperando e observando o preparo do peixe. Elas adoraram colocar as toquinhas, temperar o filé e saber como seria feito o preparo. E para nossa surpresa todos comeram e apreciaram. 

2 SISTEMATIZANDO A EXPERIÊNCIA 

A pesquisa na Educação Infantil requer muita habilidade do professor em organizar o espaço de forma que a criança possa se expressar e manifestar suas ideias e conceitos. Ao propor atividades para este projeto foi importante registrar os conhecimentos prévios das crianças e com frequência realizar as plenárias.

As hipóteses registradas nos cartazes foram fixadas nas paredes e lidas diariamente para que os conhecimentos fossem internalizados pelas crianças. Desta forma, simultaneamente a alfabetização e o letramento marcam sua presença para os pequenos, fazendo com que percebessem o uso da leitura como prática social, dando sentido ao que nos diz Soares (2009): “O acesso inicial a língua escrita, não se reproduz ao aprender a ler e escrever no sentido de grafar e decodificar e sim a aprender a fazer uso de leitura”. A cada nova descoberta, novos cartazes, registrando assim o nosso percurso.

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