TOPONÍMIA INDÍGENA E SUA PRESENÇA NOS REGISTROS DE NOMES DE ESTADOS DO BRASIL E CIDADES DO SERTÃO DE PERNAMBUCO

Por Djalmira Sá Almeida | 06/08/2010 | História

TOPONÍMIA INDÍGENA E SUA PRESENÇA NOS REGISTROS DE NOMES DE ESTADOS DO BRASIL E CIDADES DO SERTÃO DE PERNAMBUCO

Introdução
Conforme afirma Nataniel dos Santos Gomes (UERJ/UFRJ) em seu artigo: Síntese da Gramática Tupinambá, "as línguas são classificadas em famílias lingüísticas de acordo com um critério genético". A família lingüística é constituída por um grupo de línguas para as quais se formula uma hipótese de origem comum, portanto, são manifestações diversas e alteradas pelo tempo de uma língua ancestral. Para ele, o maior problema é que a maioria destas línguas ancestrais é pré-histórica, sem nenhuma documentação.
A partir de estudos histórico-comparativos dessas línguas, ou pelo menos de algumas características destas, iniciam-se da descoberta da correspondência entre elas, através de sons, de palavras, formas gramaticais, de pelo menos duas línguas, formulando hipóteses sobre a derivação diferenciada das línguas atuais. (Gomes, s/d)

A família Tupi-Guarani, da qual o Tupinambá (ou Tupi Antigo) fez parte, se destaca entre as outras famílias da América do Sul, graças à extensão territorial em que estão distribuídas suas línguas. No século XVI, estas línguas eram faladas em praticamente toda a extensão do litoral brasileiro e na bacia do rio Paraná. Hoje esta família linguística pode ser encontrada no Maranhão, no Pará, no Amapá, no Amazonas, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, em Goiás, em São Paulo, no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo; além de ser encontrada fora do Brasil, na Guiana Francesa, na Venezuela, na Colômbia, no Peru, na Bolívia, no Paraguai e na Argentina. Costuma-se dizer que a língua dos indígenas brasileiros era o Tupi-guarani, sem que se saiba que está cometendo um erro. Este Tupi-guarani não é nada mais que o tronco étnico da região colonizada pelos espanhóis que pertence ao Tupi, assim como se faz referência ao indo-europeu como tronco lingüístico. E logicamente o Tupi não deriva do Guarani, nem o Guarani do Tupi, apenas são línguas que surgiram do mesmo tronco, em situações semelhantes, mas em regiões diferentes.
Os primeiros dados registrados do tupi por escrito datam do início do século XVIII, mas em 1575 já haviam sido produzidos os primeiros textos religiosos do Pai-Nosso, da Ave-Maria e do Credo, traduzidos para o Tupinambá, provavelmente fruto do trabalho missionário jesuíta, reproduzidos a partir de um informante indígena catequizado pelo francês Andre Thevet. Em seguida, um outro francês, Jean de Lery, pastor protestante, publicou um texto em que se tentava reproduzir conversas típicas dos índios com os europeus. Sua importância é de demonstrar como uma língua brasileira era falada pelos nativos.
Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala , livro publicado em 1931 em Portugal e em 1933 no Brasil, obra que foi comentada em 1944 por Monteiro Lobato, reeditada com prefácio de Darcy Ribeiro em 1977 e, atualmente, com prefácio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicado em 2006, trata da formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal e as características da colonização portuguesa do Brasil, fundamentada numa formação de sociedade agrária, escravocrata e híbrida. No segundo capítulo dessa obra, Freyre destaca o indígena na formação da família brasileira:
" Índios e mamelucos formaram a muralha movediça, viva, que foi allargando em sentido occidental as fronteiras coloniais do Brasil ao mesmo tempo que defenderam na região açucareira os estabelecimentos agrários dos ataques de piratas estrangeiros. Cada engenho de açúcar nos séculos XVI e XVIII precisava de manter em pé de guerra suas centenas ou pelo menos dezenas de homens prontos a defender contra selvagens ou corsários a casa de vivendo e a riqueza acumulada nos armazéns: esses homens foram na sua quase totalidade índios ou caboclos de arco e flecha".(FREYRE,2º capítulo, edição de 2006: 272).

Sobre a contribuição indígena na cultura brasileira, Freyre destaca desde o hábito de banhar-se, nomes de quase toda a toponímia de cidades e estados do Brasil até a povoação consensual de áreas indígenas por filhos naturais de portugueses com índias e da atuação dos índios como guias, canoeiros, guerreiros, caçadores, pescadores e grandes auxiliares na descoberta de minas de ouro, na obra do sertanismo e de defesa da colônia contra espanhóis e corsários e de tribos inimigas dos portugueses. Assim, o vocabulário utilizado no início da colonização era compost por termos indígenas em maior quantidade do que de termos portugueses, Segundo o Prof. Aryon Rodrigues (1994), praticamente todos os europeus que vinham para o Brasil acabavam aprendendo a falar o Tupinambá, de acordo com a oportunidade de convívio com os índios. Mas foram somente os missionários, que além de trabalharem no catecismo católico, passaram a produzir textos próprios, como por exemplo, José de Anchieta, que produziu mais de 4000 versos em Tupinambá. Ao mesmo tempo Anchieta elaborou a primeira descrição da língua brasílica, em Tupinambá. Três anos depois, em 1621, foi impressa uma segunda gramática sobre o Tupinambá, do padre Luís Figueira. Na segunda metade do século XVIII, essa gramática e esse catecismo tiveram novas edições, e um novo catecismo, do padre Bettendorf. Neste período já havia jesuítas nascidos no Brasil e totalmente bilíngües, entretanto, poucos índios devem ter aprendido a escrever em sua língua. Normalmente quando se refere ao tupi antigo encontramos análises de sua influência sobre a língua portuguesa, sobretudo em topônimos. Assim, é comum haver esquecimento de seu valor lingüístico de resistência à imposição. As línguas indígenas não foram suplantadas pelo português aqui chegado. Na realidade, elas só desapareceram com o extermínio de seus falantes. O Tupinambá, ou Tupi da Costa, desapareceu sendo ocupado pelo Guarani, ainda falado em toda a região sul e sudeste, exceto Minas Gerais.
É interessante notar que o uso desta língua se tornou tão geral pela população luso-brasileira no século XVIII, que o governo chegou a proibir seu uso. Mas mesmo assim o Tupinambá deixou sua marca na língua portuguesa, por exemplo, numa amostra de um pouco mais de mil nomes brasileiros de aves, um terço, são de origem do Tupinambá, segundo Aryon Rodrigues (1994). Os indígenas de agora deixam o mato e sua cultura para serem discriminados na cidade grande e "civilizada", buscando os privilégios da cultura "branca", inclusive representando seu povo não mais como caciques, mas como políticos. Mesmo assim, os grupos mantêm a sua língua, ainda que não falem diante dos outros que não sejam de seu povo, ainda que seja um dialeto ou língua remanescente do Tupi.
Em recente visita à cidade de Parnamirim, em Pernambuco, perguntou-se a estudantes do Ensino Médio o que sabem sobre índios da região, ao que responderam: "nunca ouvimos falar de índio por aqui. Um disse: talvez em Cabrobó ou na Bahia. Outro confirmou: mas isto foi há muito tempo, quando o Brasil começou". Isto preocupa, pois além de não haver entendimento da formação do povo brasileiro, da questão indígena que envolve estudos científicos no mundo inteiro, há também o desconhecimento da própria etnia, em todo o Brasil, pois, tanto no litoral quanto no sertão, houve grande miscigenação do europeu com afro-descendentes e indígenas. Enfim, todos os americanos são híbridos, principalmente os brasileiros que têm um pé na senzala e outro na taba, mesmo que a preferência continue sendo ter a cabeça na Europa.
A preocupação em disponibilizar um capítulo para a toponímia indígena justifica-se pela intenção de apresentar a história com outro olhar, o de quem observa tudo que está em volta, sendo porta-voz, principalmente dos que não puderam contar sua história ou que, mesmo existindo, aos olhos dos outros só havia lugar para a invisibilidade. Quanto ao negro, possivelmente pela condição de escravo, não se prestigiou como bem merece, mas não se deixou de reconhecer sua contribuição na lavoura, nos trabalhos domésticos e da sua participação na proteção dos seus senhores, isto é, ele era visível para o colonizador e atuante na divisão do trabalho e produção, pois a literatura está repleta de menções às lutas dos negros mesmo à custa do seu penoso trabalho. Entre os que não tinham vez e voz na história está o índio, considerando que as poucas vezes em que aparecem é para servir de cenário, raramente aparecem como coadjuvantes e nunca como atores principais, uma vez que não servia para o trabalho que então se apresentava. Assim as telas, os quadros e fotos da história ainda mostram os índios nus ou trajados com penas, vestidos para a festa ou para a Guerra. Neste capítulo, a ênfase é dada ao aspecto linguístico dos nomes da maioria das cidades, o que caracteriza a presença indígena na história de todo o Estado de Pernambuco, principalmente no sertão, as paalvras estão nos registros históricos, nos nomes de ruas, nas vilas, nos povoados e cidades, nos olhos puxados dos mestiços, na tendência ao ocio e na preferência pela cachaça e isto mesmo que pouca gente tenha visto índio por aqui.