Tio Jorge
Por Romano Dazzi | 23/05/2009 | CrônicasTio Jorge
De Romano Dazzi
Eram oito e meia, eu tinha acabado de jantar e estava esperando o café, quando o telefone tocou.
Era o Tio Jorge.
- Você está muito ocupado?
- Não, tio; estou livre e sossegado; o que há?
- É uma emergência; estou precisando de você, aqui e agora.
- Mas agora, tio, já? O que foi? Incêndio?
- Pior!
- Desabamento?
- Pior!
- Inundação?
- Pior, pior!
- Algum problema de saúde, tio?
- Pior, estou dizendo, pior! – exclamou – ou gritou - todo nervoso.
Imaginei o que mais poderia ter causado um trauma tão grande:
um assalto, com reféns e pedido de resgate;
uma operação de polícia, com balas perdidas e vítimas achadas;
uma invasão de hackers na conta bancária;
ou algo mais surrealista, tipo um ataque de surpresa de ratazanas,
ou uma invasão de pássaros famintos, estilo Hitchcock;
tubarões, talvez? não, decididamente não; estamos a cem quilômetros do mar, a oitocentos metros de altitude, e os nossos rios continuam tão poluídos que até os mosquitos já mudaram de casa.
Faltaram-me idéias, e o tio Jorge continuou a fazer mistério.
- Então, você vem, ou não?
- Vou, sim; já vou. Espere aí que chego num instante!
Peguei o carro e saí aflito, cantando pneus, pra a casa do tio Jorge.
Chegando, dei uma rápida olhada na casa, por fora. Tudo normal.
Entrei, nada de estranho. Mas o tio Jorge estava visivelmente aflito e nervoso.
- Cachorros! - gritou zangado – cachorros!
Só então caiu a ficha: cachorros!
Ao redor da casa do tio Jorge, todos os vizinhos têm cachorro; alguns, exagerados, têm dois ou três; vivem, latem e se multiplicam – não os vizinhos, os cachorros – às dezenas, às matilhas, de todos os feitios e tamanhos, inquietos, barulhentos, às vezes agressivos e ameaçadores.
Tio Jorge desabafava: - São latidos, lamentos, ganidos, lamúrias, ladrados, a toda hora, sem receio, sem controle, em todos os tons e a todo volume. São uma praga; uma praga!!!
-Eu sinto muito, tio Jorge – respondi – mas esta praga não tem remédio.
- Não, senhor, isso não fica assim – insistia o tio – vou falar com o Prefeito, com os Vereadores, com quem quer que seja. Vou pedir – não, vou exigir, que criem uma taxa sobre cachorros; comprou um, paga alimentos e remédios para uma criança pobre..
Se tratam, alimentam e vacinam cachorros, por que não fazer isso com as crianças? Esta lei reduzirá à metade os cachorros que infernizam a minha vida .
Aprovado, tio Jorge , aprovado – encerrei eu – mas por enquanto, tome estes tapa ouvidos, que se usam no inverno na Europa.
Você vai ficar protegido, não vai mais escutar os latidos dos vizinhos – oops, perdão – dos cachorros....