Tio Jorge 2
Por Romano Dazzi | 27/05/2009 | CrônicasTio Jorge 2
De Romano Dazzi
Se existe um Tio chato, é o tio Jorge.
Fui visitá-lo outro dia, para desejar um feliz Natal.
- Posso entrar, Tio Jorge?
- Claro, você já entrou mesmo, não vou mandar você sair...
Já senti o clima e vou me preparando para o teste...
- Como vai, tio, tudo bem?
- Você está perguntando só por perguntar, ou quer saber de verdade?
- Bem, eu ... eu só...
- Ora se é só por perguntar, estou bem, obrigado. Se é de verdade, para saber mesmo, vou mal, vou muito mal!.
- Mas o que houve, tio, a sua saúde sempre foi tão boa!....
- É que ninguém me escuta, ninguém me dá bola.; estou enxergando mal, ouvindo mal, andando mal. Tenho sempre dor de garganta; nem me lembrava, mas agora que você perguntou, dói. Dói mesmo, ahi, ahi, como dói!...
- Mas você não tomou algum remédio,tio?
- E para quê? É tudo mentira, embromação! Não existe mais remédio que preste!..
- Qual o que, tio! Hoje tem antibióticos, anti inflamatórios, anti isso, anti aquilo!...
Ficou muito mais fácil curar uma pneumonia ou uma diarréia...
- Sim, mas o resfriado a gripe são ainda exatamente a mesma chatice. E se tomar
uma injeção, ou um remédio mais forte, acaba embolando tudo e estica o problema
por uma semana, ou mais. Cadê os bons remédios?
- Mas é que as pessoas são mais fracas, hoje e não se cuidam direito e abusam...
- Nada disso meu caro; bons mesmo eram os cataplasma de mostarda, a água vegeto-mineral, a melissa, o chá de boldo, o rum creosotado, o fernet , a casca de quina, o cravo da índia. Lembra-se da pomada Minâncora e do Xarope São João? Certo, eu sei, não é do seu tempo. Aquilo, sim, que era remédio!
- Bom, tio, eu não vim aqui falar de remédios....
- Eu sabia; eu sabia que a minha saúde não interessa, nem a você e nem a ninguém..
- Não é isso, tio; mas é que, sabe, todos nós temos algum pequeno problema...Precisa ter paciência, se cuidar.
- Então, por que perguntou ? Quer saber como vão minha próstata, meus cálculos
renais, meu nervo ciático e minha gota? Vão mal, eu já disse, obrigado.
- Não, tio, só perguntei por educação, por gentileza.. Na verdade, vim aqui para desejar um feliz Natal e um novo ano repleto de alegrias..E por sinal, trouxe para você um presentinho especial; uma raridade, uma miniatura: é um armário, com tantas
pequenas divisões e outras tantas gavetinhas; tem duas portinhas com vidros “bisoté” e leva em cima a inscrição “Pharmacia” .Dentro, tem quase todas as “especialidades” e as especiarias que você citou, vê? Cravos, casca de quina, água végeto... Demorei o ano inteiro para juntar tudo isso, porque a nossa conversa no Natal passado foi
idêntica a esta de hoje...
- Então é isso, agora sou um incapaz, um pobre doente, um infeliz, estirado no fundo de uma cama, esperando a morte!... Ah, mas não vai ser assim tão fácil, tão simples!
Não vou dar o braço a torcer, não vou me render!.... Pode levar de volta todas estas porcarias, viu? Vai, vai! E no ano que vem quero champanhe, peru e panetone!....
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- Viu como foi fácil, Maria? Precisa saber lidar, com o tio Jorge!.....,