TESTAMENTO BIOLÓGICO: DIVERGÊNCIAS DE POSICIONAMENTOS...

Por renara de mello | 04/12/2016 | Direito

TESTAMENTO BIOLÓGICO: DIVERGÊNCIAS DE POSICIONAMENTOS ACERCA DOS EFEITOS POST MORTEM DESSA PRÁTICA NO ÂMBITO JURÍDICO BRASILEIRO.[1]

Renara C. B. de Mello[2]

Natália Cardoso Xavier

Anna Valéria[3]

RESUMO

O tema abordado tratará sobre a importância do testamento biológico para utilização de óvulos e sêmen post mortem, discutindo as divergências de posicionamento acerca da possibilidade dessa prática no âmbito jurídico brasileiro. Será de grande significância, primeiramente, discutir acerca do que consiste esta nova técnica de testamento biológico e, consequentemente, levantar os posicionamentos sobre o tema em questão que acabou influenciando imensamente na atual sociedade de forma bastante positiva. Além disto, expor as possibilidades e necessidades de inserção desta nova prática de testamento biológico, e por fim, compreender de que forma a sociedade brasileira se posiciona em face dos reflexos que a prática do testamento biológico proporciona na hipótese de sua inserção no ordenamento brasileiro.

 

INTRODUÇÃO

A evolução da ciência ao longo dos tempos trouxe diversas inovações à sociedade, inclusive no âmbito da reprodução humana assistida, fazendo surgir novas questões a serem resolvidas pelo Direito. Essa prática ganha muitos adeptos, principalmente por ser uma alternativa de reprodução em circunstâncias em que já não é possível fazê-la de maneira tradicional.

Desse modo, no presente trabalho, serão analisados os aspectos do testamento biológico e as facetas provenientes desta prática revolucionária na área da genética, bem como entender a divergência de opiniões ao abordar os riscos e as possibilidades deste mecanismo, além dos efeitos jurídicos da inseminação artificial homóloga post mortem sobre o ordenamento jurídico brasileiro e o direito de família e das sucessões. Isso, porque a legislação vigente deixa brechas para as mais variadas interpretações doutrinárias.

Primeiramente, abordar-se-á o tema do testamento biológico e suas finalidades, identificando a sua inclusão no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, atualmente não se encontra previsão legal para tal prática.                    Em seguida, buscar-se-á expor acerca dos reflexos jurídicos dos filhos póstumos ao testamento em face da titularidade do material genético.

Na sequência, serão expostas as divergências doutrinárias e sociais oriundas da polêmica da inserção desta nova prática do testamento biológico com seus efeitos post mortem e, por fim, apresentar o posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro em face das possibilidades e necessidades da prática do testamento biológico.

Será discutido, portanto, até que ponto deve-se optar por esta saída e se as consequências provenientes dos resultados desta prática podem apresentar danos a algum dos sujeitos envolvidos nessa relação.

Inobstante, será feita uma abordagem da legislação civil ao longo da presente pesquisa, acerca da filiação – reconhecimento de paternidade – e da sucessão sob a ótica da inseminação post mortem, analisando-se, além das Resoluções do Conselho Federal de Medicina, as diversas correntes doutrinárias sobre o assunto, como por exemplo, a decisão inédita de Curitiba/PR.

1 AS FACETAS DO TESTAMENTO BIOLÓGICO: UMA IDEIA REVOLUCIONÁRIA                     

Antes de atingir o foco desse trabalho, analisando o testamento biológico e os efeitos post mortem dessa prática no ordenamento jurídico, importante se faz, tecer algumas considerações introdutórias do tema em questão, como, partindo de uma análise acerca da origem e conceituação deste novo instrumento de estudo no campo do biodireito.

Como fora dito anteriormente, os avanços tecnológicos voltados para o campo da reprodução humana assistida trouxe consigo inovações à sociedade, fazendo-se necessária a tutela do Direito sobre questões que, concomitantemente, surgiram com essas inovações, pois, não havia previsão no ordenamento para tais assuntos.

Deste modo, houve o surgimento do testamento biológico, cujo consiste em um documento devidamente assinado, em que o interessado juridicamente capaz, declara o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade, assim como estabelece o próprio Código Civil de 2002 em seu artigo 1.858, ao reger sobre os testamentos afirmando que consistem em ato personalíssimo, elaborado e alterado a qualquer tempo tão somente pelo interessado.

Sendo assim, àqueles que retiram sêmen e optam por conservar em laboratórios com sistema de criopreservação, podem decidir acerca do destino destes sobre efeitos post mortem, especificando em seu testamento biológico – ou, testamento biológico genético, o qual consiste no testamento que garante a utilização do sêmen do falecido para reprodução assistida post mortem, que será abordado nos capítulos seguintes da pesquisa – quando o indivíduo se encontrar em estado terminativo.

No Brasil, por mais que atualmente não se encontre previsão legal para tal prática, isto não implica na inexecução do testamento biológico genético, tendo em vista que a sua realização pode ser feita com base em requisitos de validade da mais “informal” das modalidades de testamento previstas no ordenamento: o particular; com ampla liberdade para instituir categorias não contempladas em lei, contanto que o tal não venha a afrontar o ordenamento, evitando assim o risco de invalidade do testamento biológico.

Portanto, cabe proclamar que o testamento biológico deve ser realizado pelo interessado plenamente capaz (embora os testamentos contemplados pelo Código Civil possam ser realizados pelos maiores de 16 anos, consoante estipula o seu art. 1.860, parágrafo único), sendo também fundamental averiguar se o consentimento é prestado de forma livre e espontâneo, isto é, isento de erro, dolo ou coação[4].

Ressalta-se aqui, o primeiro caso de inseminação artificial post mortem citado por Freitas (2008) no artigo “inseminação post mortem e seus reflexos no direito de família e sucessões” escrito por Ana Caroline Oliveira Montalbano, cujo ocorreu em 1984 na França, onde se passou a história do casal Carine Richard e Alain Parpalaix. Carine buscou autorização judicial para cumprir a vontade do falecido esposo, pois, o banco de sêmen negou alegando que não havia um acordo de entrega do material genético a outra pessoa se não o falecido. Como não havia legislação para tal caso na França, foi-se necessário busca a tutela do Estado para preenchimento do vácuo legislativo. Depois de muita batalha, o tribunal francês condenou o banco de sêmen à entrega do material para um médico realizar o procedimento na viúva[5].

Desde então, muitas controvérsias surgiram sobre o tema da reprodução humana após a morte do genitor, à luz de técnicas de baixa e alta complexidade de inseminação artificial, no qual a mesma se divide em dois tipos: a inseminação homóloga e a inseminação heteróloga.

Montabalno cita Madaleno (2010) ao explicar em que consistem as duas formas de inseminação, mencionando que “quando o sêmen é do marido ou companheiro, a inseminação artificial é designada homóloga e no caso de recurso de um doador, a inseminação artificial é heteróloga”. Explica ainda que, para possibilitar o emprego das técnicas, há um método denominado “criopreservação” (conservação em laboratório) dos óvulos, espermas e embriões e ressalta que a criopreservação de óvulos pode ser considerada arriscada, uma vez que é desconhecida pelos especialistas as consequências do congelamento e descongelamento do citoplasma; já o esperma, pode ser congelado sem problemas.[6]

Interessante notar ainda que, já se dispõe na internet sites que tratam sobre o testamento biológico, a fim de proporcionar aos leitores interessados, maiores informações sobre o assunto, onde a autora Luciana Dadalto no site “testamentovital.com.br”, cita sobre a legislação brasileira em face do tema em questão que, o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução nº 1995/12 que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, a fim se suprir a lacuna no ordenamento jurídico com um instrumento capaz de reger sobre o testamento biológico, além de permitir ao paciente, registrar seu testamento biológico na ficha médica ou no prontuário”[7].

Luciana Dadalto segue acrescentando que esta resolução permite que o médico seja vinculado à vontade do paciente, onde a mesma forma reconhecida constitucional pelo Poder Judiciário. Entretanto, faz-se necessário ainda a instituição de uma lei específica para reger sobre o tema a fim de evitar questionamentos sobre a validade desses documentos.

Porém, assim como existem fundamentações que enaltecem e tratam a prática do testamento biológico/testamento genético como revolucionária, outros posicionamentos não aceitam pacificamente os efeitos que este testamento pode trazer para os seus frutos. Isto porque, alguns pareceres que vão de encontro com a proposta desta nova prática, afirmam que a criança, proveniente desta jogada biológica, já nascerá órfã de algum dos genitores, como será visto ao longo dos seguintes capítulos da presente pesquisa.

2 TITULARIDADE DO MATERIAL GENÉTICO: REFLEXOS JURÍDICOS DOS FILHOS PÓSTUMOS AO TESTAMENTO – POST MORTEM.

Neste capítulo, busca-se discutir sobre da titularidade do material genético utilizado na inseminação artificial, dando enfoque à inseminação post mortem, uma vez que, o cônjuge encontra-se falecido.

Primeiramente, é importante ressaltar o que já fora citado anteriormente acerca dos tipos de inseminação, podendo ser heteróloga ou homóloga. A inseminação heteróloga consiste na inserção do sêmen oriundo de um terceiro doador, ou seja, o sêmen inserido no útero não é do marido; frisa-se ainda que, a doação de gametas ou pré-embriões não tem fim comercial ou lucrativo, estando revestida sempre de gratuidade, sendo vedado tal ato com finalidade lucrativa pela própria Constituição Federal de 1988.

Ainda sobre a inseminação heteróloga, para que ocorra tal procedimento, a lei determina que haja prévia autorização do marido, e, se não houver, acarretará consequências jurídicas, pois, uma vez que o embrião implantado na mulher não é do marido e se este não concordou com o implante ou desconhecia tal fato e vem a conhecer posteriormente, poderá ajuizar a separação judicial do casal em face de uma paternidade forçada.

Já a inseminação homóloga, consiste na inserção do próprio sêmen do marido (ou companheiro) na esposa, ou seja, quando a fecundação se der entre gametas provenientes de um casal que assumirá a paternidade e a maternidade da criança.

Deste modo, nos casos de fecundação heteróloga, o legislador, no Código Civil de 2002, exigiu a outorga marital para que ocorra tal procedimento de inseminação:

Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[...]

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