Terceiro Setor Em Ascensão

Por Adriana Rodrigues Nascimento | 08/06/2007 | Sociedade

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira nas últimas décadas tem sido tomada por uma nova perspectiva em torno do processo de descentralização de políticas públicas em curso no Brasil.  Reconhecendo as implicações e contribuições deste processo, destacamos a atuação do chamado Terceiro Setor, um novo ator social que vem exercendo uma crescente participação mediante as complexas questões sociais presentes no atual cenário nacional.

As significativas diferenças entre as lógicas de Estado, Mercado e Sociedade Civil organizada, são dificuldades entendidas como incentivos à constituição de parcerias que foram impulsionadas pela noção de co-responsabilidade social.  E apesar de apresentarem competências bastante diferentes a complementaridade deste atores é cada vez mais necessária para políticas mais eficazes que possam garanti o bem-estar social.

Partindo das inquietações a respeito do processo de descentralização de políticas públicas no Brasil, procuramos responder a seguinte situação-problema: Que fatores têm determinado o ascendente crescimento do Terceiro Setor, e como este novo ator social tem interagido com os demais atores na prestação de serviços sociais a sociedade brasileira? 

O objetivo deste estudo é analisar os impactos sociais, culturais e políticos que tem contribuído para o crescimento do Terceiro Setor, e enfatizar a atuação das organizações não-governamentais como agente transformador no processo de descentralização de políticas públicas no Brasil.

Neste sentido é necessário analisar o processo de descentralização de políticas no Brasil, identificar as problemáticas que permeio a atuação do Terceiro Setor no cenário nacional, explicitar a sua relação como os demais atores sociais em beneficio a sociedade brasileira. 

È importante ressaltar que este estudo delimitou-se especificamente a analise das ONGs nacionais, visto que, pretendemos desenvolver uma abordagem crítica, porém não abrangente,  considerando a complexidade do tema proposto.

Na construção desse estudo utilizou-se o método de pesquisa indireta (pesquisa bibliográfica), tendo como principais autores: Furtado, Montaño, Bravo, Hirschman, Neto & Froes e Aranha & Martins, que fundamentam o estudo proposto.

Consideramos a temática proposta de grande relevância uma vez que as produções literárias e acadêmicas existentes, ainda são insuficientes.  Notavelmente as questões que permeiam a atuação do Terceiro Setor permanecem em processo constante no cenário nacional e necessitam reflexões e discussões por parte da sociedade brasileira.

Descentralização no Brasil uma trajetória de Avanços e Retrocessos

A base histórica-política do Brasil foi constituída sob as redias da centralização política, ainda sendo caracterizada em muitos segmentos sociais pelo clientelismo.  No período Imperial a centralização das decisões de toda a ordem se constituía em uma necessidade do próprio regime.  Mas com o advento da República presidencialista, muda-se o regime, mas não a centralização na tomada de decisões políticas.

Nos sombrios anos da ditadura militar iniciada pelo golpe militar de 1964, a política centralizadora apenas se fortifica.  A real mudança do ponto de vista institucional ocorre a partir de 1988, com a nova Constituição Federal que apresenta condições para uma descentralização nas decisões políticas do país.

Porém apesar do contexto histórico vivenciado e das conquistas constitucionais alcançadas no Brasil, ainda se mantém um governo que centraliza sua política, engessando o desenvolvimento do país.  E com a rotatividade do poder próprio, dos regimes democráticos mudam-se os planos de governo e as prioridades das políticas públicas, fazendo da descontinuidade uma das principais características das políticas nacionais.  

A descentralização tem sido entendida de diferentes maneiras e para nortear nossas reflexões adotamos o conceito de que se trata da "transferência de poder do centro da unidade central de uma organização para as suas unidades subalternas" (JACOBI, 1983, p.67).  O que se propõe na descentralização é dotar de competências e recursos organismos intermediários para que, possam desenvolver suas administrações com mais eficiência junto aos cidadãos.

De tal maneira que não se enfraqueça o Estado, mas sim que se possa contribuir no planejamento, elaboração e implementação de políticas públicas, que viabilizem a modernização do Estado e a solidificação da democracia.  Neste contexto, a sociedade civil dotada de direitos e deveres, se somam por meio da participação nas decisões de tais políticas a fim de garantir a cidadania plena.

Há uma parcial concordância em torno da idéia de que a descentralização no processo decisório é condição básica para efetivação de políticas públicas.  Acredita-se que com ela, os recursos sejam alocamos mais eficientemente e que o controle de sua aplicação se faça de maneira mais explicita e ampla possível entre os vários atores da sociedade, ou seja, uma das justificativas apresentadas para a implementação de estratégias descentralizadoras é o aperfeiçoamento democrático e o favorecimento do desenvolvimento do país.

Desse modo, estão impreterivelmente envolvidos neste contexto o Estado que detêm o poder regulador, mas que se espera eficácia na garantia dos serviços de direitos aos cidadãos.  E a Sociedade Civil / Iniciativa Privada, co-responsáveis pelo bem comum e coletivo que tem se organizado progressivamente nos últimos anos e por fim, os cidadãos beneficiários das políticas públicas conscientes de seus direitos e deveres.  Esta unificação potencializa o melhor desempenho de políticas eficientes.

Temos um país cuja concentração de renda é extremamente desigual 1%  dos mais ricos detêm 14,6% da renda nacional e 50% dos mais pobres detêm 11,2% da renda (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA 1999).  Estas estatísticas demonstram uma realidade a ser transcendida, pois há uma real necessidade de mudanças no contexto político-institucional, econômico e social.  Tais fatores são decisivos entre os condicionantes de sucesso para a descentralização de políticas públicas no Brasil.

A descentralização no Brasil é um processo em movimento, contudo, não nos parece excessivo lembrar que somos um país geograficamente do tamanho de um continente: com 5508 municípios distribuídos em 26 estados e um distrito federal (Instituto Brasileiro Geografia e Estatística - IBGE, 2000).  O que evidencia, portanto que muitas são as disparidades regionais e também diversidades locais.

Entretanto, cada município precisa ser visto como único peculiar e somente suas são a história, geografia, atividade econômica, população.  Reconhecer o múltiplo e o único, o local e o diverso nos municípios brasileiros torna-se um fator imprescindível para que possamos discutir o processo de descentralização de políticas públicas em nosso país.

Notavelmente encontramos exemplos de administrações municipais que apresentam resultados na implementação de políticas públicas eficazes, onde o diferencial é a participação da população no orçamento público que é discutido e a sua execução se dá através de prioridades pré-estabelecidas e a sua execução controlada pelos cidadãos.  Contudo esta situação não é aplicável em sua maioria, pois a realidade de muitos municípios brasileiros é de grande escassez de recursos.

As experiências regionais e locais são reveladoras de que não se pode entender a descentralização como um processo homogêneo. A rigor não se trata simplesmente de especificar uma lista de ações e resultados a serem alcançados, mas de desenvolver a capacidade de comparar estratégias, seus condicionantes e efeitos.   Nestes termos,

(...) a questão central da discussão não é refutar a conclusão que a descentralização pode trazer benefícios, mas identificar situações nas quais essa política pode não trazer os resultados esperados a menos que mudanças importantes sejam promovidas nas condições existentes (apud MELO, 1996, p.14)

Muitos são os entraves que a carência de recursos impõe já que o Estado o centraliza e os libera, conforme as conveniências de quem ocupa o poder central.  E para que exista uma real democracia política, "há a exigência da institucionalização do poder, ou seja, quem ocupa o poder deve fazê-lo como representante do povo e não como proprietário do poder". (ARANHA E MARTINS, 1999, p.180)

Neste sentido são necessárias algumas reformas no Estado, para torná-lo mais horizontalizado, pois a descentralização não pretende desconcentrar, mas sim propiciar o acesso mais efetivo dos cidadãos na participação das decisões políticas, esta é uma condição indispensável para a consubstanciação da democracia.

A criação e a atuação dos Conselhos e Comissões nos municípios representam uma participação significativa da sociedade civil, nesse sentido, uma importância fundamental, se não pela sua potencialidade enquanto mecanismo de controle social, ao menos por sua condição de pré-requisito à implantação de um número expressivo de programas.

A exemplo temos os Conselhos Gestores, que foram criados para viabilizar a participação da sociedade civil no controle e na gestão de políticas públicas e na participação mais efetiva nos projetos e programas governamentais possibilitando um ambiente propicio para gerar discussões diante dos problemas sociais.

Segundo Costa, "Os conselhos são espaços de interação que se caracterizam por um tipo de distribuição de poder, justificada pela realização de uma tarefa comum, de interesse comum, para o cumprimento de uma responsabilidades comum"(COSTA, 2002, p. 87-88), ou seja, são ações que vem apresentando avanços e recuos,  mais tem feito um diferencial na relação entre a sociedade e o Estado.

Contudo a questão dos conselhos tem dividido muitos autores quanto a sua eficácia, para uns representam um avanço na aproximação da sociedade civil junto as políticas governamentais promovidas pelo Estado, porém para outros é apenas um ambiente de disputa de interesses diferente, visto que,  realizar ações conjuntas para um bem comum é algo que exige abnegar do individualismo e compartilhar de uma participação coletiva.

Para Bravo, a presença de conselhos denota uma democracia participativa nos seio da sociedade civil e estreita cada vez mais a sua relação com o Estado.

Os conselhos são espaços tensos em que diferentes interesses estão em disputa (...). A sua novidade é a idéia de controle exercido pela sociedade através da presença e da organização de diversos segmentos.  Os conselhos devem ser visualizados como lócus de fazer político, como espaço contraditório, como uma nova modalidade de participação, ou seja, a construção de uma cultura alicerçada nos pilares da democracia participativa (...) (BRAVO 2002, 47-48).

Neste sentido os cidadãos cansaram da inépcia dos governos, da insensibilidade dos burocratas e da inércia das elites.  E a cada dia  surgem novas maneiras de conduzir assuntos de interesse público, através das organizações sociais, conselhos, comitês, consórcios, entes capazes de potencializar uma capilaridade que o Estado não tem, abrindo espaços preciosos para a cidadania.

O caminho encontrado pela sociedade civil foi através da negação da prática clientelista, assistencialista e a construção de relações solidárias, o estreitamento da capacidade de articulação e a promoção da cooperação. É a partir dos resultados obtidos por iniciativas feitas pela sociedade civil organizada que podemos acreditar na real democracia.

Para que ações que integrem a sociedade civil tenham cada vez mais êxito, são necessárias reformas no Estado a fim de torná-lo mais horizontalizado, pois a descentralização não pretende desconcentrar, mais sim propiciar o acesso mais efetivo dos cidadãos na participação e decisão de políticas.  Esta é uma condição indispensável para a consubstanciação da democracia.

O Pressuposto da Descentralização na região Nordeste

Tratar da descentralização em um país como o Brasil, cuja extensão territorial é extensa e dotado de diversidades econômicas sociais e culturais nos remete a escolha de uma região especifica e para tal destacamos a região Nordeste que abriga uma população de 45,5 milhões, equivalentes a 29% do total nacional. 

É de conhecimento público que a região Nordeste tem serias dificuldades econômicas e sociais.  E ainda apresenta uma estrutura política em seus municípios de atores locais que tem espaço próprio para desempenhar a sua capacidade de influenciar nas políticas públicas.

Monta-se então um perfil complexo no Nordeste que evidência dentre as problemáticas existentes que a maioria dos municípios permanecem fortemente dependentes dos governos federal e estadual, além de exibirem, em sua maior parte, um déficit orçamentário.  Vale ressaltar que nesta região vive cerca da metade da população pobre do país.

Mesmo com as ações em conter gastos e equilibrar o orçamento tem sido apontado como a forma possível, mas também, a tarefa árdua dos governos para viabilizar o investimento público. Esse quadro que parece constituir um limite ao processo de descentralização em curso no país expressa, contudo, a realidade na qual estão inseridos a grande maioria dos municípios.

Destacaremos aqui uma das ações descentralizadoras, criadas pelo governo federal para atender a região Nordeste, onde pretendia-se reduzir as desigualdades existentes.

A necessidade de se formular e implementar políticas públicas na região se fazia necessário mas a estrutura operacional então existente contribuía para a fragmentação das ações.  Assim um relatório oficial foi confeccionado pelo economista Celso Furtado, sob o titulo de Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste.

Este relatório serviu de instrumento final para atestar definitivamente a criação de um órgão federal para subsidiar o planejamento econômico da região em questão.  Uma versão simplificada deste  documento recebeu o titulo de Operação Nordeste sendo publicado pelo Instituto Brasileiro de Ensino -ISBE  em 1959.

Então é criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), uma agência governamental voltada para o planejamento e redução das desigualdades econômico-sociais entre o Nordeste e o resto do país, foi resultado de uma combinação  temporal de eventos bastante e o desgaste da imagem do principal órgão federal de produção de políticas públicas local – o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS).

Tal situação formou um ambiente propício para a  configuração de uma aliança desenvolvimentista e "fizeram com que o Governo encarasse a idéia de um ataque radicalmente novo ao problema do Nordeste" (HIRSCHMAN, 1965, p. 90). Este é o princípio de uma ação descentralizadora que parte da preocupação da esfera governamental.

Entendia-se que apenas com um novo arranjo institucional seria possível estabelecer um certo padrão performático para as políticas públicas no Nordeste, que por extensão, consolidaria a construção de um estado desenvolvimentista no país.   Assim sendo,

Com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), através do decreto 3.692/59 promulgado em 15 de dezembro de 1959 e seu efetivo funcionamento em março de 1960, uma nova estrutura organizacional foi posta em funcionamento. A Sudene tinha as atribuições de coordenar, planejar e executar projetos estratégicos, além de promover cooperação e assistência técnica com vistas a políticas de desenvolvimento regional. (CARVALHO, 2005 p. 28).

Transformar-se-ia na regedora das demais agências governamentais de atuação no Nordeste e o principal centro de tomada de decisão sobre os investimentos públicos.  Segundo Hirschman:

Os poderes da Sudene eram amplíssimos. Competia-lhe traçar um Plano Diretor e exercer pleno controle sobre as atividades e investimentos das agências já operando no Nordeste,  particularmente o DNOCS e a CVSF (Comissão do Vale do São Francisco), e até certo ponto também com o BNB [Banco do Nordeste do Brasil]. Deveria ser também o principal órgão responsável por obras públicas e operações de socorro durante a seca (HIRSCHMAN, 1965, p.98).

Todavia, a redistribuição de poder promovida pelos reformadores apontava para um aumento e não redução  de disputas internas na implementação das políticas eficazes.

O governo federal ao compartilhar com os estados as decisões de políticas de desenvolvimento para a região estabelecia um novo paradigma institucional para os ciclos dessas políticas públicas, onde uma nova perspectiva, por materializar a descentralização decisória da política de planejamento regional.

Houve grande preocupação no desenho organizacional da Sudene, visando harmonizar os interesses dos estados da região e os fizessem caminhar, unidos na busca por políticas públicas federais de redução das assimetrias sócio-econômicas entre o Nordeste e o restante do país. Um dos principais arquitetos da estrutura organizacional da nova agência.

Assim Celso Furtado, descreve a idéia por trás do Conselho Deliberativo:

Me veio a estranha idéia de que talvez fosse essa a oportunidade de abordar a fundo os problemas da região, particularmente o da coordenação dos governos estaduais do Nordeste. [...] apelamos para um truque, que constituiu em criar um mecanismo de discussão foi o Conselho Deliberativo da Sudene [...]. Assim, se reivindica conjuntamente, e quando se vai ao parlamento a ao presidente da República, o Nordeste tem uma vontade só. (FURTADO, 2000, p. 353).

A idéia de fragmentar o padrão cooperativo que se buscou estabelecer para os governos nordestinos estava presente no arranjo institucional do processo de descentralização do planejamento. Porém as alianças firmadas entre as antigas agências federais de atuação no Nordeste e os gestores públicos locais continuaram a produzir barganhas federativas mesmo após a criação da nova agência governamental. Porém o impulso vem através da nova ordem constitucional a partir de 1988, que promoveu significativa descentralização político-financeira.

Esta descentralização de políticas públicas em favor de estados e municípios gerou novo impulso ao processo das barganhas entre os governos da região e o governo federal, além de disputas interestaduais, minando de vez a idéia de "estados nordestinos unidos".  Segundo Carvalho:

[...] deve-se ressaltar que uma das conseqüências mais visíveis desse processo, foi ter estimulado a criação de sistemas de incentivos fiscais, municiando, assim, a competição entre os estados brasileiros por empreendimentos privados. [...] é preciso mostrar que este padrão competitivo se reproduziu no Nordeste, contribuindo sobremaneira para dificultar a cooperação entre os governos nordestinos. (CARVALHO, 2005, p. 138).

Com o agravamento da situação a conseqüência foi uma o esvaziamento do Conselho Deliberativo acarretando o déficit de efetividade do órgão de desenvolvimento regional, indicando que o modelo organizacional originalmente pensado não permitiu a eliminação de dilemas de ação coletiva intra-regional, conduzindo a Sudene a modestos resultados.

Consideramos apenas alguns pontos nesta breve abordagem sobre ações descentralizadoras no Nordeste, não especificando assim os impactos das políticas patrocinadas pela agência sobre o ambiente sócio-econcômico nordestino no que diz respeito ao acúmulo de conhecimento sobre a região, capacitação técnica, dentre outros.

Nestes termos queremos reafirmar a necessidade de ações nas quais aprendemos com os problemas enfrentados no passado a contribuir  na elaboração de novas ações descentralizadoras visando reduzir as desigualdades econômicas e sociais.

A descontinuidade tem sido fator constante em programas e projetos, e para a inversão deste quadro, devendo ser realizadas ações integradas para otimizar os recursos e investimentos da região.  Tais ações deverão resultar no equacionamento da divida social com o Nordeste, reduzindo as disparidades regionais e a exclusão social.

Terceiro Setor em Ascensão

O surgimento de novos canais de comunicação entre a sociedade civil e o poder político local passou a constituir-se em instrumento fundamental da gestão pública, evidenciando aspectos da dinâmica política da sociedade civil. Foi criado, assim, um ambiente propício à inserção de atores sociais e, para além de qualquer princípio ideológico, um fato passou a se impor no panorama brasileiro: a colaboração entre entidades da sociedade civil e órgãos governamentais. Essa cooperação multiplicou-se, em vários níveis, desde a atuação no plano comunitário, até a colaboração em programas sociais.

E essa trajetória de mudanças de políticas públicas que deixaram de ser exclusivamente executadas pelo Estado para serem geridas pela sociedade, tende a consolidar uma participação forte do poder social.  O que nos remete a ascensão do chamado Terceiro Setor, que constitui um conjunto de organizações societárias e comunitárias que atuam na defesa ou prestação de serviços sociais com caráter publico, porém não-estatal.

Nas duas ultimas décadas observou-se o crescimento do chamado Terceiro Setor coexistindo com os dois setores tradicionais: o Primeiro Setor assim representado pelo Estado detentor do fazer público e o Segundo Setor representado pelo Mercado, assim correspondente ao capital privado.

E considerando as dificuldades econômicas e sociais em nosso país, surge uma nova reestruturação de forças, em que o Estado e o setor privado vão delimitando seus papéis e  fronteiras de atuação, suscitando a origem de a  uma terceira força emanada da sociedade civil organizada sensível e, cada vez, mais consciente do seu potencial e capacidade de mudança, cujos, "conceitos como justiça social,  participação, transparência e democratização nas decisões públicas, são termos que norteiam a sua política de atuação e filosofia de trabalho" como nos afirmam Melo Neto e Froes (2001, p.04).

            Este novo quadro propõe um amplo espaço de discussão não sendo conveniente partir apenas para um lado da questão, uma vez que existem variantes na participação do Terceiro Setor como prestador de serviços sociais.  As ações incontestavelmente têm promovido progressos para a sociedade, mas há também um emaranhado de discussões a fazer sobre o reflexo causado por este setor conforme abordam vários autores preocupados dentre eles Montaño afirma que "(...) mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades nas atividades, porem com interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e até contraditórios. (MONTAÑO, 2002,p57)

            A relação muitas vezes até controversa entre o Terceiro Setor e o Estado tem dividido muitos autores sobre o assunto, pois onde para alguns esta combinação é de parceria e complementaridade, para outros, no entanto, se trata de uma crítica implícita ao papel do Estado quanto às políticas que garantes os serviços de direitos dos cidadãos.

            Mas o fato é que temos um quadro em que o Estado sozinho apresenta-se ineficiente para atender as políticas sociais, o que impulsionou organizações constituídas pela sociedade civil a definitivamente lutar em exercer uma efetiva cidadania.  Para Teixeira trata-se de um "processo complexo e contraditório entre a sociedade civil, Esta e Mercado, em que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações."(TEIXEIRA, 2002, p.30).

Inseridas no contexto do Terceiro Setor contamos com a alta representatividade das Organizações Não-Governamentais (ONGs), que atualmente ganharam visibilidade definitiva e atuam nas mais diversificadas área sociais. Vinculadas diretamente às demandas populares, elas inauguram, no âmbito da sociedade civil organizada, um fazer interativo técnico-político, como um instrumento de combate à exclusão social e ao elitismo político, instituindo a própria esfera pública, como espaço mais amplo do que o de atuação dos governos.

Esta característica vai se constituir em um ganho da sociedade brasileira como um todo, contribuindo para o surgimento de uma concepção mais integrada entre direitos e políticas públicas, com destaque para as sociais. Preocupação essa, até então, ausente nas agendas de reivindicações dos veículos de representação popular, nas definições do sistema de proteção nacional e nos planos de desenvolvimento.

            Com uma participação significativa no cenário Nacional as ONGs surgiram nas décadas de 60 e 70, mas ganharam força e potencializaram seu crescimento nas décadas de 80 e 90 e no decorrer dos anos tem tido um papel relevante enquanto catalisadoras de políticas sociais.

            Ressaltamos aqui, que não se pretende colocar em questão o surgimento das ONGs no mundo nem tão pouco a atuação de organização não-governamentais internacionais que atuem no Brasil.  Tais questões desencadeiam outras prerrogativas, e a ênfase que se pretende é a atuação de ONGs Nacionais sob a sociedade brasileira.

Por ser um termo de origem polissêmica o conceito de ONG tem sido construído ao longo das últimas décadas a partir  de diferentes estudos, não havendo uma determinação estabelecida, dentre as diversas concepções encontradas na literatura.  Para uma melhor delimitação do estudo desenvolvido optamos por escolher escolhido a definição da Associação Brasileira de Organizações Não Govertamentais-ABONG, a seguir:

ONGs são as organizações da sociedade civil empenhadas no fortalecimento da cidadania e democracia, mas que não têm um caráter de representação de um determinado grupo social ou de prestação de serviços filantrópicos a uma determinada comunidade, tendo como objetivo fundamental contribuir para a consolidação de uma sociedade de uma sociedade democrática, justo e igualitária e estimular a participação e a solidariedade. (FERNANDEZ,2000 p.84)

            Desde 1991 foi criada a ABONG no Brasil, tendo como principais objetivos promover o intercâmbio entre ao ONGs e representar coletivamente essas organizações junto ao Estado e demais atores da sociedade civil.  A instituição também declara que atua no espaço publico e junto a governos em defesa do reconhecimento e da legitimidade da ação das ONGs como instituições de utilidade pública, comprometidas com os interesses da cidadania, conforme explicitado em sua Carta de Princípios exposta em seu site oficial.

Notavelmente observa-se, que entre as organizações que assumiram o titulo de ONG, uma grande variação em relação aos propósitos perseguidos, contudo atuam basicamente em duas vertentes: nas áreas marginalizadas da sociedade, onde há extrema carência de serviços públicos como saúde, educação, moradia, saneamento, meio ambiente e em defesa de interesses das chamadas minorias sociais, tais como mulheres, grupos étnicos, migrantes, terceira idade, associações civis, etc.

            Tais situações são facilmente encontradas em nosso país a destacar região Nordeste onde proliferam um grande número de ONGs que priorizaram segundo a ABONG os seguintes eixos: - controle social sobre as políticas públicas e a gestão governamental, eixo em torno do qual organizam-se debates, estudos, pesquisas e intervenções políticas coletivas sobre a Reforma do Estado, os planos plurianuais de desenvolvimento, as leis orçamentárias, o funcionamento dos conselhos de gestão e de direitos; articulação e mobilização de movimentos sociais, redes, fóruns e organizações.

A popularização do termo ONGs tem sido feita constantemente através da mídia, seja atrelada a personalidades públicas (políticos, artistas, esportistas, etc) que mantém ONGs por vezes apoiadas com objetivos pouco sociais e em certos casos visando a promoção individual. Ou ainda, em matérias enfocando a participação das organizações não-governamentais na execução de políticas publicas acompanhadas por altas críticas de denúncias devidamente fundamentadas sobre corrupção e inadequação no uso dos recursos públicos.

Este quadro tem tornado confuso a reflexão mais profunda sobre a real situação do tema em questão e mesmo a crescente produção literária e acadêmica existente, ainda são insuficientes, considerando o cenário atual do país onde a participação das ONGs torna-se cada vez mais efetivo em todo o mundo.

Um precursor em nosso pais que que tornou mais público estas questões sociais  dedicando-se não apenas ao estudo das ONGs, mas também à militância ativa para o fortalecimento dessas entidades foi o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho: "uma ONG se define por sua vocação política, por sua positividade política: uma entidade sem fins de lucro cujo objetivo fundamental é desenvolver uma sociedade democrática, isto é, uma sociedade fundada nos valores da democracia – liberdade, igualdade, diversidade, participação e solidariedade. "As ONGs são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonham"(ABONG, 2006) 

E para Oliveira não se trata em extinguir ou minimizar o Estado mais de gerar resultados significativos para a sociedade, "(...) a contribuição das ONGs é necessária mas não se confunde com a ação não-governamental, a questão prática passa as ser a construção das condições mais apropriadas para o aprofundamento de parcerias eficientes e operativas". (OLIVEIRA 1999, p.74)

Contudo, a importância das ações que as ONGs desempenham não está apenas relacionada aos serviços que prestam diretamente, mas sim, nos impactos que provocam na sociedade: elas influenciam tanto as atividades políticas quanto nas ações governamentais, despertando a visão de cidadania, não mais como uma utopia, mas sim como um direito de todos.

Ainda que persistam vários obstáculos ao maior desenvolvimento da esfera de atuação pública não estatal, como as dificuldades de financiamento, reconhecimento institucional e regulamentação, é possível destacar avanços significativos nesta direção.  As instituições da sociedade civil organizada, para além do seu engajamento histórico na defesa do meio ambiente, direitos sociais e políticos, têm contribuído decisivamente para a construção do capital social brasileiro, incorporando visões mais abrangentes das necessidades da população e encaminhando alternativas inovadoras de resolução das mesmas.