TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA

Por Pedro Henrique Holanda da Silva Fonseca | 25/04/2017 | Direito

RESUMO

O que esperar da terceirização em lei? A terceirização trabalhista é fênomeno relativamente novo no âmbito do Direito do Trabalho, com seu desenvolvimento nas últimas décadas do século passado. Este avanço desafia a relação bilateral entre empregado e empregador como expressas nos arts. 2° caput e 3° caput, da CLT. E, ao longo dos anos residiu as margens do Direito do Trabalho, ou seja, ainda não tem nada de específico e concreto que trate sobre o tema. O projeto de lei 4.330 de 2004, no entanto, vem para dar novo enfoque e de fato colocar a terceirização em primeiro plano na legislação trabalhista desde que aprovado pelo Senado. Porém, questionam-se seus efeitos.

INTRODUÇÃO 

A pesquisa se inicia com base na discussão que se aborda pela temática da terceirização trabalhista, fenômeno que vem ocorrendo em grande escala no país. Na observância do paradigma atual de crise econômica, inclusive política no Brasil, em que a sociedade vem reclamando melhorias, a insatisfação é manifesta nos meios de comunicação, o setor econômico é indubitavelmente questionado. Por conseguinte, a questão trabalhista, que é uma das facetas do gênero despesa dentro das empresas, precisa e requisita de uma leitura democrática e alicerçada na Magna Carta brasileira assim como sua inteligibilidade.

Todo esforço de construção dos direitos trabalhistas enfrenta um grande dilema e óbice. O projeto de lei 4330 de 2004, de autoria do deputado federal por Goiás, Sandro Mabel, que recebeu aprovação vultosa na câmara dos deputados após longos 11 anos entre emendas, arquivamentos e desarquivamentos.  Ora, o mesmo versa sobre legislação específica acerca da terceirização, que segundo o discurso de conveniência é apontada como um elemento enfraquecedor do direito do trabalho ou salvador da economia.

     Dessa forma, depreende-se a necessidade de conhecer as nuances dos elementos que envolvem a terceirização, isso de modo profundo porque para um manejo adequado e propício da matéria todos os quesitos e possibilidades devem ser levantados a fim que se aufira a (des) necessidade da terceirização enquanto inovação salutar ou nociva, tudo isso entre a casa e o trabalho.  

  1.  Terceirização trabalhista: principais conceitos 

Entende-se por terceirização o processo em que uma empresa delega a contratação de funcionários à outra empresa prestadora de serviços. A terceirização também acontece quando há a remuneração de funcionários por serviços prestados[4].

No que refere ao conceito de terceirização, Mauricio Godinho Delgado trás o neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente (2014, p. 452). O mencionado autor define ainda a terceirização para o Direito do Trabalho como o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente (2014, p.452). Visa enfatizar a descentralização empresarial de atividades para outrem, um terceiro à empresa. Portanto, não se trata de terceiro, no sentido jurídico, como aquele estranho à relação jurídica entre as partes. (DELGADO, 2014, p. 452).

Nas palavras de Alice Monteiro de Barros:

 “O fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, dá suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal. Assim, a empresa na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio. Por atividade-fim entenda-se aquela cujo objetivo a registra na classificação socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades socialmente sentidas” (2007, p.442). (Grifo nosso) 

Na teoria, a terceirização seria usada para a melhoria dos serviços, sua eficiência, e menor custo na contratação. As empresas especializadas tem a capacidade para atender a mudanças de pedidos de seus clientes. 

Algumas características da terceirização trabalhista são: a presença de três pessoas na relação (relação de trabalho trilateral); entre trabalhador e empresa interposta há um contrato de trabalho e, entre a empresa interposta e o tomador, há um contrato de natureza civil; além da utilização da Súmula 331 do TST, já que não há legislação específica.

A terceirização só pode ocorrer em atividades secundárias, atividades meio, não tem o requisito da pessoalidade, pois se contrata o serviço e não a pessoa. Há também a ausência de subordinação entre tomadora e os trabalhadores terceirizados, a fiscalização se dá por meio de empresa intermediadora [5].

            PL 4330/04: O que vai mudar?  

Segundo Mauricio Delgado (2014, p.463) A Súmula 331 do TST não considera válidas práticas terceirizantes fora de quatro hipóteses: trabalho temporário (Lei n. 6010/74); serviços de vigilância especializada (Lei n. 7102/83); serviços de conservação e limpeza (Súmula 331, III); serviços ligados à atividade-meio do tomador (Súmula 331, III).

Delgado faz críticas à terceirização desenfreada: 

Para a Constituição, em consequência, a terceirização sem peias, sem limites, não é compatível com a ordem jurídica brasileira. As fronteiras encontradas pela experiência jurisprudencial cuidadosa e equilibrada para a prática empresarial terceirizante, mantendo esse processo disruptivo dentro de situações manifestamente delimitadas, atende, desse modo, o piso intransponível do comando normativo constitucional” (2014, p.463). (Grifo nosso)  

Atualmente, a terceirização é permitida apenas para atividades meio, mas o PL 4330/2004 pode permitir a terceirização para as atividades fim (atividade principal da empresa), o que de certo modo vem gerando muita polêmica. O texto não usa os termos atividade-fim ou atividade-meio, permitindo a terceirização de todos os setores de uma empresa. Os opositores do projeto argumentam que isso provocará a precarização dos direitos trabalhistas e dos salários[6].

Os trabalhadores terceirizados afirmam serem mais desgastantes seus vínculos com a empresa, pois segundo eles, trabalham sobre a pressão de bater metas diárias, além de não terem estabilidade, podendo ser demitidos a qualquer momento. Seria deste modo, o projeto de lei mais benéfico para as empresas do que para os trabalhadores[7].

Alguns exemplos do que pode vir a ocorrer com a aprovação do projeto são, por exemplo, que: atualmente não há o recolhimento antecipado de tributos, com o projeto a contratante deve recolher antecipadamente parte dos tributos devidos pela contratada. Atualmente não há regulamentação sobre garantias, com o projeto a contratada deverá fornecer garantia de 4% do valor do contrato, limitada a 50% de um mês de faturamento. Dentre outras mudanças, é possível se aferir que há alguns benefícios para o trabalhador, a depender do segmento, mas por outro lado haverá partes prejudicadas 

  1.  Avanços ou retrocessos da lei 

     Conforme previamente demonstrado, a terceirização é a delegação de algumas atividades para outras empresas, proporcionando um direcionamento maior de recursos para atividade-fim, acarretando, entre outros benefícios, a redução da estrutura operacional, a economia de recursos e a diminuição de custos, em suma, a terceirização baseia-se no desfazimento do vínculo trabalhista direto para a formação de um vínculo indireto com o trabalhador.

Quando se fala do Projeto de Lei 4330/2004, há que se falar que não há um consenso na doutrina sobre a distinção de atividade-fim e atividade-meio. Na CLT, mais precisamente no art. 581, §2º, encontra-se o conceito – ou o que se entende – por atividade-fim:

“Art. 581(...)

  • 2º Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.”

Como se percebe, não há uma definição detalhada de cada uma das atividades, o que acaba por ser o principal motivo da dificuldade em diferencia-las.

Calcula-se que no Brasil existam cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados sem nenhuma regulamentação, a mercê da exploração e precarização. No Brasil, os empregados terceirizados contam somente com a súmula 331 do TST em sua defesa:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral” 

De acordo com a súmula 331 do TST, será considerada terceirização ilícita aquela que não se encaixar nos limites previstos na jurisprudência através da referida súmula, que proíbe aquelas contratações com caráter de atividade preponderante das empresas, mas não delimitam quais sejam essas funções ou atividades.

O Projeto de Lei define o que é terceirização, contratante, contratada, quem pode ser empresa terceirizada e seu objeto social – que deverá ser único. Argumenta-se que postos de trabalho surgiram em atividades que antes não existiam, frutos de avanços e rearranjos na forma de produção e reformulações na organização do trabalho.
                   Deve-se atentar para certos avanços do Projeto de Lei, como a exigência de garantias pelo contratado de um percentual do valor do contrato que deverá ser comedido para assegurar os direitos trabalhistas por terceirizado, assim como a possibilidade do tomador em não bancar a fatura e utilizar para pagar os direitos trabalhistas como salários atrasados, diretamente ao trabalhador terceirizado. Importante lembrar que as empresas terceirizadas terão que ter necessariamente seu capital social integralizado, além de o contratante dever informar os Sindicatos de quais os setores serão terceirizados.

Outro ponto importante é a representação sindical desses trabalhadores. Quando estes se derem entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica, os empregados serão representados pelo sindicato da contratante, sendo de categoria econômica diferente da tomadora, estas serão representadas pelos sindicatos terceirizados.

O referido projeto parece bem-intencionado frisando garantias sociais, versando sobre deveres das empresas, direitos sociais dos empregados, mas ao contrário do que se pode pensar, este projeto de lei é um verdadeiro retrocesso a batalha que vem sendo travada durante anos por direitos e igualdades trabalhistas.

Caso o projeto de lei seja aprovado, a súmula 331 cairá por terra, podendo a tomadora de serviços se utilizar da chamada mão de obra “especializada” para qualquer tipo de serviço, deixando sem valor a questão da licitude – ou ilicitude – que norteia e gere a terceirização. Ficará clara a abertura para futuras fraudes nas relações de emprego e garantias sociais dos trabalhadores, como exemplo, a empresa poderá produzir bens e serviços sem ter qualquer empregado formal e direto, o que é completamente inverossímil nos moldes dos princípios constitucionais que orientam o direito trabalhista.

Ao contrário do que se pode imaginar, o projeto não traz soluções reais para os problemas encarados pelos terceirizados, demonstra um iminente agravamento da situação deles. Um desses fatores que pode ser apontado é o aumento da discriminação, haja vista que pesquisas apontam que os terceirizados são os empregados que mais sofrem com isso, então, com o aumento deles, aumentará também a discriminação com esses trabalhadores.

Quanto à representatividade, encontrar-se-á problemas também, visto que em um mesmo setor teremos terceirizados empregados por patrões diferentes, representados por sindicatos diferentes, a dificuldade de negociações coletivas conjuntas só aumentaria.

Os empregados terceirizados continuarão ganhando salários menores – pesquisas apontam que os empregados terceirizados ganham até 24% menos que os empregados diretos – em relação aos empregados formais, mesmo trabalhando em um mesmo setor, exercendo as mesmas funções. Além do mais, a empresa não vai querer estender os benefícios oferecidos a seus empregados diretos aos terceirizados.

Os terceirizados trabalham em média algumas horas a mais por semana – em média, três horas a mais – pode fazer com que o número de vagas diretas no setor caia, ao contrário do que ocorreria se a situação fosse inversa, quando seriam criadas mais vagas. Além do que, com o número de vagas diretas diminuído, muitos trabalhadores terão de escolher por se tornarem terceirizados, tendo que experimentar o aumento na jornada de trabalho, corte de direitos trabalhistas, discriminações e redução salarial.

Lívia Miraglia pontua que (2008, p. 124):

“O lema é produzir mais, em menor tempo, dispondo de estrutura empresarial enxuta e com menor gasto possível. Entre os próprios obreiros, a competência é acentuada, e por vezes, até mesmo incentivada, sob o discurso do “terror do desemprego”, de modo que passam a enxergar no colega uma ameaça ao seu posto de trabalho.”

   
Nessa linha de raciocínio, o doutrinador e Ministro do TST Maurício Godinho (2013), faz algumas considerações:

“Eu nunca vi um projeto de precarização do trabalho tão impactante como esse, de tamanha amplitude e efeitos danosos, que desrespeita dezenas de milhões de pessoas que vivem do trabalho. A terceirização, ao reverso do que o projeto faz, tem de ser restrita. O projeto teria de restringir a terceirização, pois ela já se tornou uma epidemia; epidemia restringe-se e se controla; ou seja, coloca-se o fenômeno dentro de margens de segurança, ao invés de se instigar a sua generalização. O PL não regulamenta, restringindo, a terceirização; ele, na verdade, desregulamenta, liberaliza, generaliza o fenômeno da terceirização.”

Quando o projeto de lei 4330/04 foi criado, o esperado era o preenchimento da lacuna que era percebido na regulamentação a respeito da terceirização, mas, em vez disso, foi apresentada uma legislação descontextualizada com a realidade. Permitindo em seu texto expandir o que na verdade era preciso restringir, um verdadeiro avanço do retrocesso.

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