Terceirização: a subordinação estrutural e viabilidade de equiparação salarial
Por Barbara S Santos | 27/03/2012 | DireitoAo longo da história a relação trabalho passou por várias transformações, em razão do momento econômico, social e tecnológico vivido pelo homem. Como exemplo dessas modificações pode se destacar a ocorrida no sistema fordista em que o modo de produção era verticalizado, ou seja, quase todo o serviço era realizado pela mesma pessoa, e que caiu por terra frente às inovações apresentadas por TAIICHI OHNO, sistema que ficou conhecido como Taylorista, que fraciona o processo de produção, criando uma rede de produtores e fornecedores dando inicio a chamada terceira Revolução Industrial.
Nessa época em que as fábricas buscavam sempre o menor custo na produção, com a consequente degradação dos trabalhadores, é que surge a subcontratação de mão de obra que, frise-se, não foi a primeira manifestação da terceirização.
Alguns autores defendem que não se pode determinar a origem da terceirização, entretanto é possível apontar a década de setenta como seu marco histórico, assim podemos identificar como seu antecedente uma prática denominada marchandage que é assim descrito por RODRIGO COIMBRA:
A marchandage é um tipo de subempreitada, sendo assim chamada quando visa exclusivamente a lucrar em face do trabalho alheio. Enquanto o empreiteiro ou subempreiteiro, que atuam licitamente, podem especular sobre todos os elementos da empresa, como material e o próprio capital investido, o marchandeur só pode obter lucro do único elemento que fornece e dispõe: a mão-de-obra. Com isso, o seu principal lucro resulta da diferença entre o preço que estipula entre o empreiteiro principal e os salários que paga aos empregados que contrata e dirige. Assim quanto menos ele paga aos empregados que contrata mais ele lucra.
Seu apogeu ocorre nos primeiros momentos da Revolução Industrial (1ª metade do século XIX), no auge do liberalismo e do individualismo. A preocupação com a marchandage, por representar a exploração do trabalho como se fosse mercadoria (mercado de homens). (...) Portanto, atualmente, a legislação francesa, pioneira em disciplinar a matéria, não veda a intermediação lícita de mão-de-obra, mas especificamente o abuso, a exploração do trabalhador (marchandage). Todavia existem autores que interpretam a terceirização como um retrocesso em termos de legislação trabalhista, aproximando-a ora da marchandage, ora da locação de serviços.” (COIMBRA, 2008,p.79 e 80)
A partir de então, a terceirização se desenvolve de diversas maneiras, sendo que, hodiernamente, não se afigura possível a identificação de uma forma única de terceirização. No Brasil, ela surge entre as décadas de setenta e oitenta, e é atualmente regulamentada pela súmula 331do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que surgiu para alterar o teor da súmula 256 também do TST. Porém as súmulas editadas por esse Tribunal, ainda que trouxessem grandes inovações a esse respeito não foram suficientes para dirimir todos os conflitos que o tema Terceirização, nas suas mais complexas e diversas formas, gerava.
Assim sendo, surge uma nova corrente que tem como propulsor Maurício Godinho Delgado, que busca abarcar situações fáticas presentes na Terceirização e que não estão regulamentadas pelo ordenamento jurídico. Assim, segundo GUEDES RAPASSI essa corrente propõe:
A nova corrente, preocupando-se (louvadamente, portanto) com esse moderno sistema de gestão refratário ao direito trabalhista original, desatualizado, cogita de uma concepção estruturalista da subordinação, com o objetivo de incluir no conceito de empregado todo o trabalhador inserido na "dinâmica do tomador de seus serviços", vale dizer, no âmbito de repercussão das decisões da empresa principal, ainda que apenas para ‘colaborar’ indiretamente (mas de forma dependente e habitual). Visa a integrar aqueles que passaram a estar desprotegidos no também denominado sistema de acumulação flexível.( Revista do MPT, nº 31, Ano 2006).
A aplicação dessas ideias então, como aponta GUEDES RAPASSI geraria como consequência:
A dispensa da subordinação direta e da licitude da terceirização, nessa caracterização da subordinação estrutural, traz, por conseqüência, na solução de causas submetidas à Justiça do Trabalho ("leading case" do TRT da 3ª Região: processo nº RO- 00059-2007-011-03-00-0, Rel. Juiz Convocado JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR), novas situações ainda não inteiramente resolvidas pela mais vanguardista doutrina, como ilustrativamente se pode listar: i) a não-caracterização de litisconsórcio passivo necessário em relação à empresa interposta (com a qual ordinariamente se examina o pedido de declaração de nulidade do vínculo para, somente em seguida, declarar o vínculo com a tomadora), com conseqüente coexistência de dois vínculos de emprego simultâneos relativos ao mesmo desforço obreiro; ii) a viabilidade de equiparação salarial irrestrita no emprego privado (tanto em relação à empresa interposta quanto, alternativamente, à escolha do empregado, com a tomadora – dependendo do pedido); iii) incerteza quanto ao enquadramento sindical; iv) a antinomia de normas regulamentares (novamente entre aquelas da empresa interposta e as da tomadora); v) a duplicidade de obrigação ao recolhimento da contribuição previdenciária, e direito a benefícios, diversificados (variando em razão da atividade de uma e de outra empregadora. (Revista do MPT, nº 31, Ano 2006)
Como visto uma das consequências da aplicação dessa nova proposta é a possibilidade de equiparação salarial irrestrita no emprego privado. Mas para tanto necessário se faz um estudo sobre o enunciado da súmula 331do TST que dispõe:
TST Enunciado nº 331 - Revisão da Súmula nº 256 - Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 - Alterada (Inciso IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)
Com vistas a esta súmula, bem como todo o ordenamento jurídico brasileiro, surgir-se-ia a possibilidade de a equiparação salarial do empregado da empresa interposta com o da tomadora dos seus serviços no âmbito privado, quando se tem em vista a concepção estruturalista da subordinação. É, claro, que teria que levar em consideração a terceirização lícita que, a grosso modo, é aquela que não tem como objeto a atividade fim da empresa. A atividade-fim da empresa é tida como:
(...) as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços. (DELGADO, p. 418,2009).
Não se pode é claro falar de equiparação salarial nos casos de terceirização ilícita no âmbito privado por que, se assim considerada, estará configurada uma verdadeira relação de emprego, sendo assegurados ao trabalhador todos os seus direitos.
Frise-se que essa possibilidade de salário equitativo, na terceirização lícita, já existe na hipótese do inciso I da sumula 331 do TST, ou seja está sedimentado na lei 6.019/74 que dispõe sobre o Trabalho temporário.
A área trabalhista sabemos é marcado por grandes progressos, por muitas vezes estar além do seu tempo quando se trata do direito material de empregados e empregadores. Essa nova ideia traz um grande progresso, posto que, é mais uma forma de assegurar aos trabalhadores os seus direitos.
É uma idéia relativamente recente esperamos que a jurisprudência brasileira possa acolhe-la e aplicar da melhor forma possível.
REFERÊNCIAS
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