Teoria do Conhecimento - As possibilidades da razão: Immanuel Kant (1724-1804)

Por luciano Ribeiro | 15/06/2009 | Filosofia

"É em todos os seus empreendimentos que cumpre à razão submeter-se à crítica, cuja liberdade ela não pode lesar com nenhum interdição". (KANT)

Por: Luciano Sá Ribeiro

Immanuel Kant nasceu na cidade de Konigsberg, na Prússia, em 1724, e morreu em 1804. Estudou no Colégio Fridericianum, de orientação pietista, e, a partir de 1740, na Universidade de Konigsberg, publicando seu primeiro estudo em 1747. Kant foi um dos pensadores mais rigorosos e íntegros da filosofia moderna.

Dessa época fazem parte as principais obras: Crítica da Razão Pura (1781) e Prolegêmenos a toda metafísica futura que possa apresentar-se como ciência (1783), obras sobre a teoria do conhecimento: Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) e Crítica da Razão Prática (1788), obras sobre a moral: Crítica do Juízo (1790), obra na qual aborda os juízos teleológicos e a estética.

A liberdade e o individualismo, visão de mundo que se desenvolveu vinculada à burguesia. Esse pensamento burguês se expressou de formas específicas, em diferentes países – o empirismo e o sensualismo, na Inglaterra, e o racionalismo, na França e Alemanha.

A participação da burguesia no poder político já no século XVII, que favoreceu a ocorrência da Revolução Industrial na Inglaterra antes de países, justificam, também, ter aí se desenvolvido o empirismo e o sensualismo. Tal pensamento se expressa em Hobbes, Locke, Newton, Berkeley e Hume, que tomam como elemento fundamental na elaboração do conhecimento a sensação, o empírico.

A razão projetaria para a ação moral as preocupações centrais de seus pensadores. Para tanto, supunham que leis a priori do pensamento e da ação garantiriam o acordo entre os indivíduos.

O sistema filosófico de Kant pertence à tradição racionalista da burguesia alemã, que enfatiza a liberdade e o individualismo (valores de pensamento burguês) e enfatiza a possibilidade de existirem condições priori do pensamento humano e da ação moral (valores da filosofia alemã).

Os racionalistas consideravam que tudo o que decorresse do sensível era uma noção confusa.

Como afirma Pascal:

"Era, com efeito, pela análise das noções a priori do espírito, ou das idéias inatas, que o racionalismo de Descarte, de Leibniz e de Wolff pretendiam atingir verdades absolutas e constituir uma metafísica" (p. 30).

Kant critica os racionalistas por elaborarem explicações e máximas morais a partir de condições a priori, sem examinar os limites desses usos da razão.

(...) pretensão de progredir apenas com um conhecimento puro a partir de conceitos (o filosófico) segundo princípios há tempo usados pela razão, sem se indagar contudo de que modo e com que direito chegou a eles. Dogmatismo é, portanto, o procedimento dogmático da razão pura sem uma crítica precedente da sua própria capacidade (Crítica da Razão pura, XXXV).

Kant propõe a crítica das capacidades da razão sob a influência de Hume (1711-1776), empirista inglês, que nega a possibilidade da razão pensar a partir de conceitos a priori a conexão de causa e efeito, pois se assim fosse tais ligações deveriam ocorrer necessariamente.

Acredita que o homem não pode ser indiferente a esse problemas, nos quais a experiência está inteiramente ausente e a razão inevitavelmente age fora dos limites da experiência, concebendo realidades transcendentais como a existência de Deus, a imortalidade da alma e a liberdade do homem no mundo.

A razão projetaria a partir de conceitos a priori o que buscar na natureza, objetivando descobrir leis da própria natureza. Tal associação, da razão com a experiência com forma de produzir conhecimento, Kant considera uma revolução na maneira de pensar que já havia sido empreendida pela Matemática e pela ciência da natureza, dois conhecimentos teóricos, ou especulativos, da razão.

A Metafísica, a partir do uso que os racionalistas dogmáticos faziam da razão, não chegava a certeza ou unanimidade sobre suas conclusões e nem possuí argumentos sólidos em que se basear. A partir da conclusão de que a grau de certeza dos conhecimentos da matemática e da física decorria do fato de o conhecimento formulado por essas ciências se basearem na vinculação que se estabelece entre razão e experiência. Kant pergunta-se se haveria a possibilidade da Metafísica, um conhecimento especulativo da razão encontrar o caminho seguro da ciência.

Kant propõe o sistema crítico que é apresentado em três obras fundamentais: a Crítica da Razão pura investiga o uso teórico da razão que se aplica ao pensamento científico, aos pensamentos que tratam de questões de fato, ou seja, buscar estabelecer as possibilidades da razão ao conhecer; a Crítica da razão prática investiga o seu uso prático, na qual a razão determina a vontade e os princípios do comportamento moral, ou seja, estabelece como os homens devem agir em relação aos outros homens, o que ele deve fazer para garantir o bem geral.

Na Crítica da razão pura, Kant analisa o método de produção de conhecimento das ciências naturais. Naquele momento, a física e a metafísica conseguiam explicar com segurança seus fenômenos.

O conhecimento produzido pela ciência deve se referir a objetos:

"Seja qual for o modo e sejam quais forem os meios pelos quais um conhecimento possa referir-se a objetos, a intuição é o modo como se refere imediatamente aos mesmos e ao qual tende como um meio todo pensamento. Contudo, esta intuição na medida em que o objeto nos for dado; a nós homens pelo menos, isto só é por sua vez possível pelo fato do objeto afetar a mente de certa maneira".

Entendimento e sensibilidade não tem, cada qual, seu objeto próprio; conceitos e intuições são necessários para elaboração do conhecimento, não tendo, nenhum desse elementos, preponderância sobre o outro:

(...) nem conceitos sem uma intuição de certa maneira correspondente a eles nem intuição sem conceitos podem fornecer um conhecimento. (...) Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamento sem conteúdos são vazios, intuições sem conceitos são cegas. Portanto, tanto é necessário tornar os conceitos sensíveis (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) quanto tornar as suas intuições compreensíveis (isto é, pô-las sob conceitos ). (Crítica da razão pura, 74, 75) A nossa capacidade de sermos afetados pelo objeto (as formas de captação) está a priori no ser humano, ou seja, precede qualquer experiência, sendo portanto, necessária a e igual em todos os seres humanos. Ela permite que as impressões fornecidas pelas sensações, que são diversas, múltiplas e dispersas, sejam ordenadas a parti de uma capacidade de mente.

Se retirarmos da sensibilidade tudo o que provêm da sensação (cor, natureza, etc.), portanto tudo o que a matéria lhe fornece, restarão somente as formas da sensibilidade, ou seja, a intuição pura, a única coisa que a sensibilidade nos fornece a priori como condição de captação – o espaço e o tempo.

Assim o espaço nos representa os objetos fora de nós e junta no espaço; nele são determinadas as figuras, magnitudes e relações recíprocas.

Considerando que os objetos nos aparecem em função do modo como afetam nossos sentidos, isto é, que os objetos são captados pelos seres humanos segundo as condições de sensibilidade, espaço e tempo, não intuímos as coisas tais como elas são em si mesmas, mas sim do modo como as conhecemos. Portanto, não conhecemos as coisas em sim (noumenon), mas somente tal como elas nos aparecem (fenômenos).

Quisemos, portanto, dizer: que toda nossa intuição não é senão a representação de fenômenos; em que as coisas que intuímos não são em si mesmas tal qual as intuímos, nem que as suas relações são em si mesmas constituídas do modo como nos aparecem e que, se suprimíssemos o nosso sujeito ou também apenas a constituição subjetiva dos sentidos em geral.

(...) " Com isto Kant apresenta uma nova relação entre sujeito e objeto no processo de conhecimento. Em Kant, o objeto é necessariamente submetido ao sujeito, pois "(...) o fenômeno é aquilo que de modo algum pode encontrar-se no objeto em si mesmo, mas sempre na relação com o sujeito sendo inseparável da representação do primeiro"(...).(Crítica da razão pura, 70)

O conhecimento não tem validade objetiva no que se refere à coisa em si, mas ele tem validade objetiva no que se refere ao fenômeno, pois é uma regra que vale universalmente e sem limites para todos os homens.

A sensibilidade refere-se a como o sujeito é afetado, a como produz intuições. Tais intuições devem ser pensadas, organizadas, reunidas para elaboração do conhecimento. A segunda parte da Crítica da Razão Pura – analítica transcendental – descreve esse processo de pensar as intuições realizadas pelo entendimento.

Texto extraído da obra:

Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica / Amaria Amália. Pie Abib Andey / Et a. 10ª – Rio de Janeiro: Espaço e tempo, São Paulo: EDUC, 2001. P. 341 – 350.