Teoria Do Caos E Educação
Por Af | 15/10/2007 | EducaçãoPode a Teoria do Caos provocar um tufão no pensamento pedagógico contemporâneo? Modificar as práticas de educadores, mesmo os chamados progressistas, torná-las mais humanas e reflexivas? Modificar o curso do "processo civilizador" de que fala o sociólogo Norbert Elias, segundo o qual o controle do outro, tende a tornar-se auto-controle?
Certamente, não. Ao menos para aqueles cujo tipo de raciocínio supõe ser o mundo um lugar matematicamente cognoscível, onde reina leis irrevogáveis de causa-e-efeito e que, não raramente, dá origem a sistemas de moralidade baseados na punição e no castigo.
A Teoria do Caos, segundo essa visão-de-mundo, não tem nada a dizer à Pedagogia porque esta possui um caráter prescritivo e normativo, baseada numa dada concepção de homem e de sociedade que, através da educação, forma as gerações futuras, transmitindo-lhes parte da cultura socialmente produzida, inclusive, valores, crenças e "certezas" acerca de como o mundo "deve" ser.
Teoria do Caos é uma teoria matemática que pretende prever o acaso, isto é, pretende explicar o funcionamento de sistemas complexos e dinâmicos, os quais se configuram a partir da interação aleatória de micro-fatores cujos efeitos são, para os teóricos do caos, apenas "aparentemente" ou "temporariamente" imprevisíveis.
Vale ressaltar que, neste aspecto, os cientistas muito se assemelham aos sacerdotes e gurus da religião e da pedagogia, pois estes também seguem a lógica de causa-e-efeito, segundo a qual para cada pecado, deve haver uma punição, para cada erro, um castigo. Assim, dificilmente a Teoria do Caos trará, segundo eles, significativas contribuições às produções mais sofisticadas dos pedagogos contemporâneos.
Todavia, nada nos impede de pensar que a Teoria do Caos e outras descobertas científicas a respeito de fenômenos caóticos, que existem na natureza e na sociedade, comecem a despertar o interesse de professores dispostos a abrir mão de seu poder e de sua autoridade em favor daqueles a quem chamam de "a-lunos".
Já pode-se vislumbrar educadores repensando constantemente a sua prática, levando em consideração que, pequenos gestos, pequenas ações imprevisíveis que ocorrem na sala de aula, cotidianamente, podem suscitar desordens na didática previamente planejada (sempre com a melhor das intenções, quero crer), podem inviabilizar projetos pedagógicos racionalmente elaborados e, finalmente, produzir efeitos catastróficos para os adeptos da previsão e do controle.
Nesta perspectiva, o chamado Efeito Borboleta, aquele fenômeno provocado por micro-fatores cujos efeitos são altamente desproporcionais às causas que lhe deram origem, constitui um verdadeiro "beijo da traição" para os educadores auto-sufucientes. Isto porque, sendo a Teoria do Caos determinística, parte da crença de que a explicação do funcionamento de sistemas dinâmicos e complexos é possível, e que a eventual ignorância quanto a estes é apenas temporária. E, de igual modo, os educadores autoritários de todos os tempos, partem da crença, de que não pode haver aprendizagem na ausência do "rigor disciplinar", que varia da palmatória à expulsão da sala, da expulsão da escola até às formas mais sutis de humilhação e violência contra os estudantes.
Contudo, assim como ainda reinam absolutos os fenômenos caóticos não-desvendados, reina também um conjunto de pequenas práticas, gestos e palavras que, como centelhas, são capazes de incendiar uma floresta de sonhos e perspectivas que bloqueiam e impedem a criatividade, o bem-estar e a autoconfiança de muitos estudantes. Estes fatos indicam o quanto certos educadores estão impregnados de "crenças" e de "razão" numa sociedade onde a autoridade de ambas vem sendo cotidianamente questionada.
A ciência, a religião e o Estado estão impregnados desses mesmos elementos autoritários que caracterizam a prática de educadores, principalmente no Ocidente, pois estes são fundamentais não só à manutenção dessa abstração chamada Estado-nação, mas também aos regimes democráticos e ao controle dos cidadãos, tornando-os cada vez mais "civilizados".
Talvez por essa razão, Paul Fayerabend propôs que a separação da Igreja e do Estado fosse completada pela do Estado e da ciência, pois considera esta última como uma das mais agressivas e dogmáticas das religiões. A esse respeito ele afirmou:
Quando contesto os elementos religiosos da ciência, refiro-me aos elementos não-democráticos e agressivos que se introduzem através deles. Não é preciso dizer que a ciência não pode se eximir de ter uma visão global do mundo, já que ela tem a ver com o humano. Mas gostaria de eliminar o seu componente dogmático. (FAYERABEND apud PESSIS-PASTERNAK, 1993, p. 96).
A idéia de que o bater de asas de uma borboleta no extremo do globo terrestre pode provocar um furacão no outro extremo em questão de semanas, sugerem aos deterministas a "falar baixinho" quando tentam se vangloriar de suas capacidades de prever e controlar. Com efeito, a impossibilidade de uma precisão meteorológica perfeita, por exemplo, em bases deterministas já foi suficientemente demonstrada. Esta precisão só seria possível se houvesse uma alimentação infinita de dados, que exigiria, por sua vez, um armazenamento infinito de dados, o que é impossível.
Neste sentido, o professor, por mais "científico" que procure ser, precisa estar atento ao fato de que toda sua ação pedagógica é nociva aos aprendizes, caso esteja baseada numa lógica de causa-e-efeito, numa moral do "carma" que dá ao aluno só o que ele merece, pois, na vida e na escola, colhe-se o que se planta. Entretanto, a sala de aula se configura como um campo caótico, na medida em que:
o ensino move-se necessariamente em um contexto de "incerteza", e cada novo passo depende de toda uma constelação de variáveis (muitas delas próprias daquele momento ou situação) que o docente deve ser capaz de decodificar (ZABALZA, 2003, p.9).
O educador deve atentar-se também à lógica que rege suas atitudes na sala, e que afeta, positiva ou negativamente, no processo ensino-aprendizagem. O educador convive, necessariamente, com outras lógicas que, por não serem as suas, não são, necessariamente, "ilógicas" e "irracionalidades".
Edgar Morin afirmou que "[...] pode-se, por exemplo, ser ao mesmo tempo uno e duplo, triplo e uno, estar aqui e ali" (MORIN 1998, p.219). Maturana (1999), aliás, chega a dizer que os fundamentos do império racional são simplesmente emocionais. Neste sentido, o educador poderia investir numa ressignificação da noção de autoridade, na qual considera os estudantes superiores a si mesmo e, portanto, ele pode posicionar-se na sala como "aquele que serve", já que não tem o controle absoluto da dinâmica das relações que na sala ocorrem. Neste caso, o educador, contribui para substituir as relações de poder, por relações de não poder, baseadas em ajuda mútua, partilha de idéias e produção de conhecimento.
Ora, este tipo de "constatação" acerca do "real" denota uma "outra" forma de perceber/interferir, perturbando e provocando a visão-de-mundo de alguns educadores , porque os deixa perplexos diante do que não podem compreender para controlar:
O evento, o espontâneo, a emergência, o improviso, o aqui e agora, os tempos do afeto e da festa e.g., são demasiado agressivos (o "pecado original" do próprio paradigma) para a racionalidade fundada na lógica identitária, pois são justamente erros de uma vontade de existência calculada. Vontade que se predispõe de chofre a ser-essência, em oposição a ser-relação, num mundo ruidoso e confuso. Isto é, que não resiste ao desejo de inventar sua identidade pelo controle-domínio dos outros de si - invenção de uma ordem que se baseia numa artificial assepsia do "mundo sujo" que é a desordem das relações (PÖRTNER, 2004, p.7).
Com efeito, não raras vezes, a conversa, o movimento, e as trocas de idéias entre crianças, refletem o seu modo particular de aprender, de debelar conflitos e de ajudar-se mutuamente, "apesar" e não por causa da interferência do professor. Desse modo, o cotidiano da sala e sua dinâmica, não pode ser sacrificado em nome de um contexto idealizado pelo professor.
O educador autoritário, não importa como se auto-denomine, é todo aquele que se auto-denuncia quando, "perde a cabeça", e investe contra os "a-lunos" ante quaisquer "ruídos" provocados por esses "elementos des-ordeiros", que se movem e interferem na "harmonia" artificialmente planejada da aula. O seu autoritarismo o impede de perceber que, em toda essa "anarquia", subjaz uma ordem onde conhecimentos são construídos e subjetividades se afirmam com base em regras que prescindem de uma autoridade externa, de modo que ela pode refletir, tentando compreender o que está acontecendo e, só depois, convida-los, graciosamente, a concentrar-se no tema/conteúdo da aula. Isto não significa que o educador seja um "bonachão" a ser hostilizado pela ditadura da maioria. Pelo contrário, significa abolir as relações de poder para concentrar-se num conviver dialógico em prol do conhecimento e da aprendizagem.
Pode-se ter a pretensão de que, se a ação docente é bem planejada, não surgirão problemas. Porém, isso não costuma acontecer. Um bom planejamento (necessário, evidentemente) não evitará que os dilemas e a incerteza da ação concreta apareçam. Por serem "sistemas abertos", as aulas vêem-se afetadas pelo princípio da equifinalidade [grifo do autor], isto é, o desenvolvimento do processo não depende das suas condições de início, e sim da forma como é desenvolvido." (ZABALZA, 2003, p.10).
Assim sendo, o educador, como ser humano falho, inacabado e amante da liberdade ? sua e dos demais - precisa perceber-se um agente caótico privilegiado na sala de aula e, por isso, estar consciente de que não há certezas absolutas quanto aos efeitos últimos de suas ações, por mais planejadas que sejam. Daí porque é tão importante para este, planejar suas aulas, certo de que haverá situações ímpares e específicas nas quais irá decidir qual a melhor atitude ou decisão a ser tomada, prescindindo da coerção e do controle, pois estes punem somente os "alunos" e nunca, o professor.
A opção pelo amor como o melhor método ( caminho) para uma pratica educativa mais reflexiva e humana, poderá contribuir enormemente para o acerto nas decisões quanto às situações imprevistas do cotidiano escolar, na medida em que permite ao educador, propor ações que desafiem os APRENDIZES, que os façam participar positivamente no processo diário de construção do conhecimento através do ensinar/aprender.
Com efeito, os educadores podem ir ao encontro dos estudantes, já indagando: se as asas de um pequena borboleta podem provocar efeitos inacreditáveis em realidades longínquas, por que educadores e educandos não podem estabelecer, na sala de aula, uma sociabilidade graciosa, capaz de quebrar as lógicas de causa-e-efeito, abolindo a pena e o castigo?
Referência bibliográfica
MORIN, Edgar. O Método IV: as idéias - habitat,vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina. 1998. PESSIS-PASTERNAK, Guitta. Do caos à inteligência artificial. Entrevistas de Guitta Pessis-Pasternak. São Paulo: Editorada Universidade Estadual Paulista, 1993.
PÖRTNER, Cristiano Goergen. Esses outros que perturbam o Planejamento Educacional. Disponível em: www.anped.org.br
ZABALZA, Miguel. Os dilemas práticos dos professores. In: Pátio Revista Pedagógica. Porto Alegre, RS: Artmed. Ano VII, nº27, 2003.