TEO-LUDENS: DEUS LÚDICO
Por Sérgio Walter Alexandrino | 21/10/2010 | ReligiãoI ? INTRODUÇÃO
Nossa intenção ao escrever este artigo não é denegrir, atacar, contestar a crença de quem quer que seja, muito menos dar a entender que Deus é sarcástico ou gozador. Quando nos referimos ao "Deus Lúdico" falamos de um Deus alegre, festivo, que sente prazer em compartilhar este estado feliz nas três pessoas da Trindade e com toda a Sua criação.
II ? DEFININDO LUDICIDADE
O termo ludicidade tem sua origem na palavra latina "ludus" que significa jogo; todavia, com todo avanço das pesquisas científicas que estudam o homem através de seu corpo e a relação ao seu mundo interno e externo denominada psicomotricidade, que é parte do estudo da base fisiológica das funções motoras chamada de psicofisiologia; desta forma, ludicidade deixou de referir-se apenas a jogo. Passou a fazer parte da atividade humana e tem sua característica na espontaneidade, funcionalidade e satisfação; por isso não deve ser confundido com meras atividades repetitivas ou que produza comportamentos cíclicos, sem objetivos e sem alvos.
Na atividade lúdica, o que importa não é apenas o produto da atividade, o que dela resulta, mas a própria ação, o momento vivido. Possibilita quem vivencia, momentos de encontro consigo e com o outro, momentos de fantasia e realidade, de conceber um novo significado a situações já vividas e interpretar, selecionar e organizar as informações contidas na atividade, além de momentos de autoconhecimento e conhecimento do outro, de cuidar de si e olhar o outro, momentos de vida.
Atividade lúdica é todo e qualquer movimento que tem por objetivo proporcionar situações de prazer e divertimento ao praticante; os filósofos gregos utilizavam-se deste expediente para ajudar seus aprendizes. Desta forma, todas as brincadeiras e jogos que são utilizados como ferramenta de aprendizagem é considerada atividades lúdicas.
Uma aula que apresenta características lúdicas não precisa apresentar jogo ou brinquedos. Para Almeida (1999), o que traz a ludicidade para a sala de aula é muito mais uma "atitude" lúdica do educador e dos educandos. Esta atitude lúdica por parte do educador pode ser uma mudança na disposição das carteiras na sala de aula, no local das aulas, na forma de ministrar a aula; por parte do educando é apresentar um trabalho na forma oral, teatral ou utilizando-se de tecnologias da informação. Assumir essa postura implica sensibilidade, envolvimento, uma mudança interna e, não apenas externa.
Para Luckesi (1998), o que mais caracteriza uma atividade lúdica é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem vivencia em seus atos; são nestes momentos que utilizamos a atenção plena, como definem as tradições sagradas orientais. Quando estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar na nossa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria atividade. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis. O autor demonstra sua preocupação em evidenciar a importância das atividades lúdicas para a formação e desenvolvimento do sujeito.
Em sua categorização do lúdico, Miranda (2001) afirma que lúdico é uma categoria geral de todas as atividades que têm características de jogo, brinquedo e brincadeira; na concepção deste autor, jogo pressupõe regra, brinquedo é o objeto manipulável e a brincadeira é o ato de brincar com o brinquedo e com o jogo. Desta forma, o jogo, o brinquedo e a brincadeira têm conceitos distintos, porém imbricados, ao passo que o lúdico os abarca.
Para Santos (1997), a atividade lúdica é uma necessidade do ser humano em qualquer faixa etária e não pode ser encarada como uma simples diversão; pois não pode ser encarada como uma atividade com ausência de finalidade, deve ser centrada no processo, no desenvolvimento da ação e da atividade. O objeto da atividade deve ser elemento complementar e atuar como apoio.
A motivação para a sua realização deve ser espontânea e apresentar diferentes graus de complexidade, através da dela a criança deve ser capaz de resolver conflitos pessoais. A atividade lúdica deve apresentar seriedade e prazer, pois se trata de um facilitador da aprendizagem, do desenvolvimento pessoal, social e cultural, que contribui para a saúde mental, prepara a fertilidade interior e age como um facilitador dos processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento.
Negrine (2001) diz que a ludicidade como ciência se fundamenta sobre quatro pilares de diferentes naturezas: o sociológico, porque a atividade lúdica engloba demanda social e cultural; o psicológico, pois se relaciona com o desenvolvimento e a aprendizagem; o pedagógico, porque se serve da fundamentação teórica existente e das experiências da prática docente; e o epistemológico porque busca o conhecimento científico como fator de desenvolvimento.
Neste trabalho veremos que jogo, brinquedo e brincadeira interagem entre si, dentro do universo da ludicidade, para os estudiosos, todas fazem parte de um mesmo universo, por isso independente do termo utilizado para referir-se à ludicidade, não estaremos nos referindo a um objeto paralelo neste estudo.
III ? FORMAÇÃO LÚDICA NO HOMEM
O homem é um ser lúdico, pois o lúdico faz parte das atividades essenciais da dinâmica humana e estão presentes em todas as fases da vida dos seres humanos, tornando a sua existência especial. O lúdico se faz presente e acrescenta um ingrediente indispensável no relacionamento humano, despertando a criatividade. Assim, o lúdico é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não deve ser vista apenas pelo momento de diversão e descontração que proporciona.
Na vida do homem, o lúdico, facilita a aprendizagem, contribui para o desenvolvimento pessoal, social e cultural; além de colaborar para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento. A ludicidade proporciona ao homem momentos de descontração, mas induz o uso da criatividade, de estratégias na interação, no respeito ao outro e participação ativa e efetiva nas decisões.
IV ? A LUDICIDADE NAS TEORIAS PEDAGÓGICAS
Queremos observar como as teorias da educação abordam e incluem a ludicidade como instrumento de aprendizagem, analisaremos algumas visões distintas:
Vital Didonet (In: Kishimoto 1998) afirma que todas as culturas, desde as mais remotas produziram e utilizaram brinquedos. O brincar é algo tão espontâneo, tão natural que não haveria como entender a vida sem brinquedo. Em suas palavras, Didonet defende que "é uma verdade que o brinquedo é apenas um suporte do jogo, do brincar e que é possível brincar com a imaginação. Mas é verdade, também, que sem brinquedo é muito mais difícil realizar a atividade lúdica, porque é ele que permite simular situações.
Froebel (In: Kishimoto 1998)) analisou o valor educativo do jogo e foi o primeiro a colocá-lo como parte essencial do trabalho pedagógico. Froebel afirma que os brinquedos são atividades imitativas livres, e os jogos, atividades livres com o emprego dos dons humanos. A brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem na infância e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo ? da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo.
Para Jean Piaget a origem do jogo está na imitação que surge da preparação reflexa. Imitar consiste em reproduzir um objeto na presença do mesmo. É um processo de assimilação funcional, quando o exercício ocorre pelo simples prazer; isto é uma ligação entre a imagem (significante) e o conceito (significado), capaz de originar o faz-de-conta. Na opinião de Piaget, o símbolo nada mais é do que um meio de agregar o real aos desejos e interesses da criança.
Lev Vygotsky afirma que o jogo traz a oportunidade para o preenchimento de necessidades irrealizáveis e também a possibilidade para exercitar o domínio do simbolismo. O exercício do simbolismo ocorre justamente quando o significado fica em primeiro plano.
Para Winnicott a brincadeira traz a oportunidade para o exercício da simbolização e é também uma característica humana, a brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência. As brincadeiras servem de elo entre, por um lado, a relação do indivíduo com a realidade interior, e por outro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa ou compartilhada.
V ? CARACTERÍSTICA LÚDICA NO ENSINO E PREGAÇÃO MEDIEVAL
"Ludus est necssarius ad conversationem humanae vitae."
O brincar é necessário para (levar) a vida humana.
Tomás de Aquino
Na Pedagogia Medieval existem alguns exemplos significativos sobre a utilidade do lúdico; freqüentemente o lúdico está presente na prática educativa. Alcuíno, educador católico medieval que deu início à escola palatina, escreveu em uma carta enviada ao Imperador Carlos Magno: "Deve-se ensinar divertindo!". Alcuíno propunha charadas para ensinar. Nas escolas monásticas, o lúdico e o jocoso tinham, além do caráter motivacional, uma função pedagógica: aguçar a inteligência dos jovens.
Ao ser questionado por seu discípulo Pepino (garoto de 12 anos) sobre o que é fé? Alcuíno responde: "A certeza das coisas não sabidas e admiráveis. A palavra admirável utilizada na resposta é utilizada para designar adivinha: adivinhas servem de modelo para a fé, pois temos já a revelação, mas não ainda a luz total.
Petrus Alfonsus, por volta do ano 1100, inclui em sua Disciplina Clericalis (obra escrita para formação de padres), uma coleção de anedotas para servirem de exemplo nas pregações, tem como personagem principal o negro Maimundo (do tipo Pedro Malazartes ou Macunaíma), vagabundo e espertalhão quem sempre se sai bem das situações. Alfonsus introduziu a fábula na literatura Medieval e usava suas anedotas para a formação do clero tirando conseqüências espirituais delas.
A monja e educadora Rosvita de Gandersheim, docente do Mosteiro Beneditino de Gandersheim, por volta do ano 1000, re-inventou o teatro e o re-introduziu para ensinar os princípios cristãos, introduzindo situações cômicas numa combinação entre a comédia e o drama. Rosvita apresenta em suas peças explícitos objetivos religiosos.
Em uma de suas peças, Rosvita conta a história de três virgens cristãs: Ágape, Quiônia e Irene que são trancafiadas em uma despensa da cozinha do palácio real por ordem do governador pagão Dulcício que pretende seduzi-las. Durante a noite as virgens louvam a Deus e quando o governador vai invadir a despensa é tomado por uma súbita loucura e acaba por abraçar e beijar caldeirões e panelas acreditando tratar-se das virgens, enquanto estas o observam pelas frestas e vêem-no cobrir-se de fuligem etc. Neste contexto, Rosvita representa símbolos cristãos como inferno, diabo, mundo, carne, tentação etc. que são vencidos pelas virtudes cristãs como o amor (Ágape), a pureza (Quiônia) e a Paz (Irene).
A cultura medieval tem como característica o fato de ser pensada em termos religiosos por excelência e radicalmente. O professor, filósofo e pensador católico, Tomás de Aquino, apresenta uma postura lúdica em seu ponto de vista antropológico e ético: o papel do lúdico na vida humana, a necessidade de brincar, as virtudes e os vícios de brincar. Em algumas de suas obras, guiado pela bíblia, Aquino aprofunda de modo inesperado e radical no papel lúdico na constituição do ser.
O ludus tratado por Tomás de Aquino é uma virtude moral que leva a ter graça, bom humor, jovialidade e leveza no falar e no agir, para tornar o convívio humano descontraído, acolhedor, divertido e agradável. Aquino afirma que assim como o homem precisa de repouso corporal para restabelecer-se, pois, sendo suas forças físicas limitadas, não pode trabalhar continuamente; assim também precisa de repouso para a alma, o que é proporcionado pela brincadeira.
Para Tomás de Aquino a alegria e o prazer ampliam a capacidade de aprender tanto em sua dimensão intelectual quanto na vontade (motivação); e, reciprocamente, a tristeza e o fastio produzem um estreitamento, um bloqueio para a aprendizagem; portanto, o ensino não pode ser aborrecido e enfadonho. Tomás recomenda o uso didático de brincadeiras e piadas para descanso dos ouvintes ou alunos.
"Aqueles que não querem dizer algo engraçado e se irritam com os que o dizem, na medida em que assim se agastam, tornam-se como que duros e rústicos, não se deixando abrandar pelo prazer do brincar." Tomás de Aquino (Lauand, 1998).
Tomás de Aquino indica três precauções na utilização do lúdico:
1. Evite brincadeiras que envolvem agir e falar torpe:
2. Não se deixe envolver tão desenfreadamente pelo brincar a ponto de perder a gravidade da alma;
3. Cuide para que o momento e o lugar sejam adequados.
VI ? O LÚDICO NA BÍBLIA SAGRADA
Tomás de Aquino baseia-se em um verso da bíblia para dar um significado antropológico à sua teologia:
"Cum eo eram cuncta componens et delectabar per singulos dies ludens coram eo omni tempore, ludens in orbe terrarum et deliciae meae esse cum filiis hominum" (Prov. 8, 30 e 31)
(Com Ele estava eu, compondo tudo, e eu me deleitava em cada um dos dias, brincando diante dEle o tempo todo, brincando no orbe da terra e as minhas delícias são estar com os filhos dos homens.) Pv 8.30 e 31.
Para Aquino, a brincadeira é coisa séria. Em sua interpretação, o texto de Provérbios 8 trata-se do próprio Logus, o Verbum, o Filho, a Inteligência Criadora de Deus, quem está proferindo estas palavras, fazendo uma analogia com João 1.3 "Tudo foi criado por Ele" com Provérbio 8 "Com ele estava eu..."
Lauand (2010) diz que "nesses versículos encontram-se os fundamentos da criação divina e da possibilidade de conhecimento humano da realidade. Antes de tudo, Tomás sabe que não é por acaso que o evangelho de João emprega o vocábulo Logos (razão) para designar a segunda pessoa da Santíssima Trindade: o Logos é não só a imagem do Pai, mas também princípio da Criação, que é, portanto, obra inteligente de Deus: "estruturação por dentro", projeto, design das formas da realidade, feito por Deus por meio de seu verbo, o Logos.
VII ? O SIMBOLISMO NA BÍBLIA
Poesia e religião habitam a mesma casa, ambas constroem sua existência em meio a um denso, colorido e complexo mundo onde o imaginário, o sensível, o afetivo e o cognitivo se unem ara a sua formação. Ao trabalhar o fenômeno religioso no que se refere às diferentes manifestações do sagrado, participa de um mundo para a qual se faz necessária a alfabetização simbólica. Para se compreender as diferentes facetas do universo religioso em toda a sua diversidade, é necessária a compreensão dos elementos básicos que constituem as diferentes linguagens do simbólico. Entre eles, as cores, os sabores, e suas significações, os gestos, as palavras, as vestimentas, os sons, etc.
Shepard (1995) diz que o simbolismo é a representação de uma coisa por outra coisa, que é chamado símbolo. Muitas vezes, o símbolo é usado no lugar de uma idéia ou um conceito abstrato. A bíblia é rica em seu uso de símbolos. Estes são utilizados na tipologia, alegorias e parábolas.
Existem muitas figuras de linguagens utilizadas por Deus para se comunicar com os homens:
1- Simbolismo: utilizar uma situação para representar outra. Os 1.2-3ª; Os 3.3-5.
2- Tipologia: utilizar um evento para explicar outro. Rm 15.3 e 4; Sl 69.9.
3- Alegoria: utilizar uma história ou figura de linguagem para expressar a verdade. Ez 16.2-4.
4- Parábolas: utilizar de uma alegoria em forma de história para ilustrar uma verdade moral. Mc 4.9-12, no verso 12 há citação de Is 6.9 e 10.
5- Figuras de linguagem: utilizada para aumentar a compreensão e facilitar o processo de comunicação. Is 49.16; 59.1.
6- Símile: utilizar uma comparação. Sl 109.23
7- Metáfora: utilizar uma palavra em lugar de outra. Pv 20.15
8- Personificação: utilizar um objeto inanimado com atributos de uma pessoa. Sl 24.7
9- Sinédoque: utilizar uma porção para representar o todo. Ez 15.7.
10- Hipérbole: utilizar um exagero extravagante. Jo 6.2 e 3.
11- Analogia: utilizar a semelhança em uma ou mais formas entre as coisas de modo contrário. Is 8.6-8.
12- Ironia: utilizar de uma declaração com o significado oposto ao que realmente foi dito. Jó 38.1-4 e Jó 38.21.
13- Interpretação Literal: utilizar de acontecimentos reais ou históricos. Gl 5.17 e Ez 26.7 (Cumprido literalmente).
VIII ? USO DA LUDICIDADE NA BÍBLIA
O maior exemplo do uso da ludicidade na bíblia é o exemplo de Jesus que usou e abusou das palavras simples, imagens, parábolas e chamados para apresentar Deus e seu reino de uma forma compreensível para as pessoas. Em suas parábolas, Jesus utilizou-se de imagens do cotidiano e histórias para retratar e ensinar extraordinárias verdades eternas.
As parábolas de Jesus eram (e são, ainda hoje) como tesouro enterrado à espera de ser descoberto, explorado e vivido (Mt 13.44). As comparações feitas por Jesus têm a ver com todo um processo, e não simplesmente com um objeto ou pessoa sozinha; embora as parábolas tenham sido ditas num tempo e lugar distantes, suas mensagens são eternas,pois se trata da mensagem do próprio Deus ao ser humano.
"Uma parábola é uma palavra-imagem que utiliza uma imagem ou uma história para ilustrar uma verdade ou lição. Ela cria um mini-drama em linguagem de imagem que descreve a realidade a ser ilustrada. Ela mostra a semelhança entre uma imagem de uma ilustração e do objeto a ser retratado. Ela define o desconhecido através do conhecido. Ela ajuda o ouvinte a descobrir o significado mais profundo e verdade subjacente da realidade a ser retratada. A parábola pode ser uma figura de linguagem ou de comparação ... é um conto dito para trazer uma lição ou moral." Don Schwager (2001).
Através das parábolas, Jesus apresentou Deus e seu reino aos homens, nelas utilizou de cenas do cotidiano da Palestina de sua época. Usou sementes de mostarda, figueiras, odres, lâmpadas de óleo, dinheiro, tesouro, administradores, funcionários, juízes, donas de casa, festas de casamento e de jogos para crianças.
"A medula de uma parábola é diferente da promessa de sua superfície e, como o ouro é muito procurado para a terra, a semente de uma noz e as frutas escondidas na cobertura espinhosa de castanhas, portanto, devemos pesquisar mais profundamente após o significado divino." (Jerome, citado por Schwager,2001)
Falar de um Deus lúdico, alegre, festeiro e brincalhão pode ser um objeto de polêmica entre aqueles que têm uma imagem destorcida de Deus, pois a idéia que a maioria das pessoas fazem de Deus é que Deus é excessivamente severo, sério e com raiva o tempo todo. Esses atributos não são ditos dessa forma, mas definem Deus como justiça, justo juiz, soberano, etc.
Atribuir à severidade excessiva a Deus é menosprezar seu grande amor, sua misericórdia e sua longanimidade, é preciso respeitar o Senhor Deus, mas não podemos desprezar o seu lado alegre, festivo e relacional. Se Jesus tivesse sido uma pessoa sisuda, não teria atraído as crianças para si; qual criança se aproxima de uma pessoa com cara feia, séria, que não lhe esboça um sorriso?
Em várias passagens da bíblia Deus nos revela seu caráter lúdico, festivo e alegre. Vamos ler alguns versículos em que este caráter fica evidente: Salmo 35.37 e 145.7-8; Isaías 61.1-3 e 62.5; Sofonias 3.17, Mateus 11.25-29; Lucas 10.21 e 15.6 e Efésios 1.5-9.
"O espírito ?brincalhão? de Deus é uma parte divina como qualquer outra que caracteriza Deus ... Eu costumava acreditar que Deus havia de ser grave, a fim de ser soberano. Agora, acho que sua vontade de se relacionar em comunidade nos fala de sua grande bondade. Com caráter inigualável, Ele entra em nossas vidas totalmente à espera de interação e reciprocidade para aqueles que ama tão ternamente. Isso exige um Deus social de lazer ? a vontade de Deus para ?brincar?". (John Shepard, 2006)
Dizer que Deus é lúdico pode parecer, a princípio, uma ofensa ou um desrespeito para com Deus; todavia, essa ludicidade não é chocarrice, não denigre nem deprecia o caráter soberano de Deus, não faz de Deus uma criança descompromissada e irresponsável, mas transmite o caráter de um pai amoroso que brinca com seu filho, numa troca mútua de alegria e momentos felizes. Certamente, esse relacionamento paternal não concede o direito de o filho escarnecer ou desrespeitar o grande Pai.
Quando utilizou o relacionamento familiar para expressar suas verdades eternas para o ser humano, Deus se apresentou como Pai, como cabeça de uma família de muitos filhos. Deus desceu até nosso nível de compreensão para ser claro e acessível (Is 49.15). Nesta linha de raciocínio, podemos ver Deus, na figura de um Pai eterno, brincando e embalando seus filhos em seus laços de amor.
VIII ? A LUDICIDADE NO ENSINO E NA PREGAÇÃO RELIGIOSA
Quando se quer transmitir um saber acessível, nada melhor que utilizar uma linguagem que esteja no nível de compreensão dos ouvintes. A linguagem simbólica transpassa a barreira da compreensão verbal. Como exemplo, podemos citar a comunicação entre pessoas que não falam do mesmo idioma. Embora apresente certas mensagens se tornem incompreensíveis, é possível haver interação entre essas pessoas através da ludicidade, ou seja, da linguagem gestual. Sem poder expressar verbalmente, a mensagem é transmitida e compreendida por ambos, mesmo diante de toda a dificuldade.
Quando utilizamos a palavra ensino, estamos nos referindo à transmissão de saberes; portanto, nossa exposição deve conter novidades. O professor que apenas lê aquilo que está escrito no livro que utiliza para ensinar, não está transmitindo saber algum, pois basta ao aluno fazer a leitura para adquirir o conhecimento. É preciso extrapolar aquilo que está escrito e apresentar alguma coisa nova que possa ser somada ao conhecimento do aluno.
Em algumas citações, o professor ou preletor, poderá utilizar-se da ludicidade para facilitar a compreensão ou acesso ao saber exposto ao seu aluno/ouvinte. Quando uma mensagem é muito séria e monótona pode causar sonolência aos ouvintes, já uma mensagem que traz ilustrações, reflexões e momento de descontração consegue atrair a atenção dos ouvintes e, conseqüentemente, expor saberes.
No caso da mensagem eterna, é preciso ter cuidado para não banalizar, ridicularizar ou denegrir a mensagem do Evangelho, nem tornar-se motivo de chacota. É preciso ter em mente que existe um saber eterno para ser compartilhado, apresentado, exposto e transmitido. Todavia, o uso deve ser racional e comedido; evitar-se situações forçadas. Se o palestrante não tem afinidade, não deve forçar uma situação, mas adaptar-se ao que lhe for mais peculiar, tomando cuidado ao utilizar-se de situações humorísticas.
Sisudo ou não, o uso de histórias e ilustrações é um recurso que não dependem da postura para ser utilizadas. Jesus fez uso de muitas histórias e ilustrações para transmitir sua mensagem. O cuidado a ser tomado é que o recurso utilizado tenha contexto na mensagem e, mesmo sendo algo engraçado, precisa transmitir um conceito eterno.
Algumas mensagens podem ser introduzidas com o uso de dinâmicas para provocarem a reflexão. Entretanto, a dinâmica tem que estar inserida no contexto da mensagem e ser um instrumento de destaque no cerne da verdade eterna que se deseja expor. O uso de simbolismo também pode ser um facilitador da compreensão, principalmente para crianças e adolescentes.
Para Schlölg (2008) não pode haver ensino religioso se não houver uma aproximação entre os indivíduos e o contexto simbólico. Em sua opinião, todo o simbólico implica em múltiplas interpretações, favorecendo o exercício do alargamento da consciência e o exercício de realizar sínteses, mesmo entre conteúdos antagônicos. Schlölg afirma que não há vida humana sem a intermediação do simbólico e não há universo simbólico sem beleza, sem ludicidade e sem liberdade.
IX - CONCLUSÃO
A ludicidade não deve ser confundida com atos proféticos, pois este último é uma manifestação do realizar de Deus através do uso da simbologia. Ludicidade é utilizar de um meio simbólico para transmitir um saber eterno, visando nivelar a mensagem à compreensão do ouvinte, resultando em aprendizagem de conceitos eternos para a consciência de Deus. O cuidado a ser tomado é para que o lúdico não banalize a mensagem eterna, tornando-a alvo de chocarrice ou chacota.
A ludicidade é um meio não um fim, por isso seu uso deve ser moderado e suficiente para se atingir o contexto pré-estabelecido, primeiramente por Deus e, em seguida pelo Seu mensageiro. Em nenhum momento, o lúdico pode permitir que o mensageiro tome o lugar soberano de Deus.
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