Tempos difícies e livros perigosos

Por Romeu Willers | 26/02/2011 | Contos

Tempos difíceis e Livros perigosos.


Eram tempos difíceis aqueles. O golpe militar estourara, a revolta e a inquietação estavam no ar. O germe da revolução estava em todo lugar. Até uma briga de cachorros de rua as pessoas tomavam partido, diziam que um era comunista outro capitalista. Era um dualismo medonho.
Aristarco Demetrio Panaroto. O reitor de uma das mais renomadas universidades de São Paulo estava preocupado. Era ano em que se realizava em sua universidade um fórum de debates políticos. Ele já fora militante do partido comunista. Seu pai, dono de uma rede de padarias. Imigrante italiano anarquista, não tolerava a inclinação política de seu filho. Não precisou se esforçar muito para fazê-lo desistir da militância. Os companheiros de partido o chamavam de pequeno burguesinho, e ridicularizaram por ser filho do dono da rede de padarias Panaroto. Formara-se em sociologia e mestrado em ciências políticas, e se tornara reitor da universidade. Ele não queria confusão, já tinha passado da idade de dar maus exemplos, queria somente preservar seu cargo e dar bons conselhos.
O Fórum estava com a data marcada. Os estudantes da administração eram a favor dos militares, enquanto que os de filosofia e as licenciaturas eram contra. O reitor previa que haveria confusão. Geraldo Wandré foi preso por ter cantado em um festival da canção "Não vai dizer que não falei de flores". A saída era mudar o nome do fórum. Intitularam-no "O Areópago" em referência à grande assembléia que os gregos realizavam para discutir os saberes da época. O único cristão que participou de um areópago foi Paulo. Por ser Romano e um homem culto, conhecedor da arte da oratória. Alternativa inteligente foi alterar o tema do fórum, que seria "Qual o livro que deu um norte a sua vida". E para camuflar convidou monges hinduístas, representantes indígenas. A Dops, o departamento de censura do governo, autorizou o fórum.
O aeropagita seria ele mesmo. Não podia dar nada errado senão o cargo dele iria para o espaço. Não imaginava ele a confusão que arrumara para ele e toda universidade.
Na data marcada, o auditório estava cheio. Aristarco tremeu quando viu no público seus ex-companheiro do partido comunista, insultando-o de lambedor de bota dos militares. Mas deu prosseguimento. Conclamou um monge hindu a se pronunciar.
- Amigos, meu livro é o mesmo que influenciou Ghandi, o grande líder da resistência passiva, da firmeza sem violência. "Desobediência Civil" é o meu livro, seu autor Henri Thoreau. "O estado não tem direito de ofender a liberdade moral obrigando o cidadão a sustentar injustiças"
O reitor empalideceu, um anarquista disfarçado de monge. A repercussão foi imediata. Ninguém compreendeu a profundidade do que o monge dissera, ficaram no raso. Falou mal do Estado a maior parte estava a favor.
O segundo convocado foi um senhor de paletó, com um óculo de fundo de garrafa.
- Meu livro é o marco da defesa da livre empresa. "Riqueza das nações" de Adam Smith. O melhor governo é o que menos governa.
Dessa vês os comunistas não gostaram.
O terceiro foi um alemão com a cabeça raspada. Todos já sabiam de antemão qual seria o seu livro.
- Meu livro é "minha Luta" de Hitler, o homem que queria embelezar o mundo.........
Uma longa vaia interrompeu o discurso do Nazista. Um livro que foi o prenúncio da segunda guerra mundial. Por cada palavra desse livro morreram 125 pessoas, por cada página 4700 vidas foram Ceifadas.
Aristarco estava branco. Convocou um homem do partido comunista
- meu livro é aquele que afirma que devemos derrubar a ordem social contemporânea. Os trabalhadores nada têm a perder senão os grilhões. "Trabalhadores do mundo inteiro uni-vos" "o Capital" é meu livro. Viva a revolução
A pancadaria iniciou. Um pelotão de agentes DOPS apareceu no auditório, o público silenciou. Eles não sabiam o motivo da confusão mandaram dar prosseguimento.
O aeropagita, ou melhor, Aristarco, achou melhor chamar um representante dos indígenas, certamente ele não seria tão polêmico. Um Guarani foi ao púlpito e pronunciou em tom solene na sua língua nativa.
-"Mbaèicha oiko peteiñ yuyra, ovevea que mokõem yuyura oñembotyã "
O reitor suspirou de alívio. Os agentes do DOPS não perceberiam nada, mas um militar queria aquela frase traduzida. Havia um estudante paraguaio que conhecia o idioma Guarani, serviu de tradutor.
O índio havia dito "Melhor um pássaro solto que dois presos" . Aquilo soou mal aos ouvidos do DOPS. Mandaram prosseguir para ver até onde o índio chegaria.
O índio falava e o estudante traduzia.
- Devemos mudar a fórmula do trabalho, devemos trabalhar um dia e descansar seis. Porque tanta ganância. Não vêem que irão consumir o planeta. Quem irá pagar a taxa do conforto. Vocês brancos são cruéis, nem os animais devoram seus filhotes. Acusam-nos de selvagens, mas nós não fazemos guerra entre família. Vocês estão prontos cortarem mutuamente os vossos pescoços.
O tumulto recomeçou com mais intensidade. O agente do DOPS gritou.
- Pra terminar com o assunto diga o seu livro!
- "Che toanga hae kuatia hai Tupaogui"- tradusido- Meu livro é a Bíblia. O livro que vocês esqueceram. Vocês foram atrás de livros que defendem o genocídio e o infanticídio e esqueceram da Bíblia. Um missionário a traduziu para o Guarani e até hoje ela nos guia no povoado de Cuña piru e Ogá Poá
Aristarco não conteve um suspiro de alívio. Mas voltou se apavorar quando um homem veio ao púlpito e gritou em altos brados, porém depois ao ouvir o que ele falou a ruga sumiu de sua testa.
- "L état c`est moi, mon livre est Leviahthan" em francês". Traduzido " O Estado sou eu, meu livro é Leviatã ,sou a favor da ditadura. A democracia é uma teoria enganosa perniciosa e destrutiva. O povo é a encarnação da estupidez. O estado deve ser forte e normatizar, tal qual preconizava Hobbes. Maquiavel também foi um grade teórico.
O agente do Dops ficou eufórico. Elogiou Aristarco. Arizinho, "você vai se dar bem na vida" , era o que sua mãe falava assim, estava agora com seu cargo garantido. Que sufoco!! Espera aí trabalhar um dia e descansar seis é uma boa idéia.
Romeu Luis Willers romeuwillers@bol.com.br