Tempo

Por Beatrice Cavalcante | 25/07/2019 | Contos

Tudo parecia tão normal nessa manhã, as pessoas continuavam apressadas e esbarrando umas nas outras como se o mundo fosse acabar no próximo minuto. Eu nunca entendi essa luta contra o tempo, estamos sempre com pressa, queremos sempre chegar mais cedo do que o combinado, e por mais que isso aconteça, teremos a sensação de estarmos atrasados. Desde sempre existe a cobrança do tempo, se forme aos 17, entre na faculdade logo em seguida, não perca tempo, ele é muito valioso. Arrume um bom emprego, conheça o amor da sua vida, se case, pague contas, tenha filhos e morra como qualquer outro. Estamos em guerra e no final todos iremos perder. 

 Eu sempre gostei de observar as pessoas de longe, me sentava na estação alguns minutos para poder tentar entender porque elas estavam tão apressadas, ficava imaginando para onde elas estavam indo, que horas chegariam nesses lugares e quanto tempo elas desperdiçariam sentadas em frente de um computador, vendo suas almas sendo consumida ao longo do dia, para que quando estivessem esgotadas pudessem começar a mesma maratona para voltar para suas casas, a mesma luta contra o tempo, apressadas e esbarrando umas nas outras. Será que vale a pena?

 Não importava se eu tivesse dormido bem na noite anterior, ou se eu não estava realmente me sentindo triste, todas as manhãs a única coisa que eu conseguia pensar era o quanto eu desejava estar na minha cama, se eu pudesse escolher, jamais sairia de lá, mas antes que isso fosse possível eu tinha um trabalho a fazer. Infelizmente esse trabalho não poderia ser feito por outra pessoa, apenas eu poderia concertar as coisas, ou minimamente tentar. 

 E a luta contra o tempo começou para mim, depois de passar um tempo observando as pessoas se empurrando para conseguirem entrar no trem, mesmo havendo lugar para todas, depois de odiar cara ser humano, cada cheiro de perfume barato que passou por lá, cada criança que estava chorando as 6h da manhã. Chegou minha vez de ser empurrada para entrar e sair do trem, para depois pegar outro trem e chegar no trabalho, onde passaria as piores oito horas da minha vida, sendo consumida por falsidades e uma ideia ilusória de "boa vizinhança", aqueles sorrisos baratos nunca me enganaram, eles fazem você acreditar que são uma "família", mas eles nunca pararam para pensar que algumas pessoas odeiam suas famílias, e eu era uma dessas pessoas, então os abraços de bom dia não me convencia. 

Eu tinha que passar oito horas, as vezes mais, da minha vida dentro de um escritório minúsculo e barulhento, nem meus fones de ouvido eram capazes de abafar o som das risadas, será que elas estão realmente felizes ou no final das contas todos estão se enganando? Veja bem, eu também vivia correndo contra o tempo, achava um absurdo passar 8h sentada em frente a um computador fazendo planilhas de Excel, quando na verdade não teria mais nada para fazer da minha vida se não fosse isso. Somos todos hipócritas, quando dizemos não ter tempo, é mentira, nós temos, só estamos usando ele da forma errada.

 Uma vez eu vi um filme, ou talvez fosse um clipe de alguma banda de rock, onde as pessoas possuíam relógios sobre as cabeças informando quanto tempo faltava para elas morrerem, eu adoraria ter um desses em mim, assim a ansiedade de que "meu tempo" acabasse, passaria. Eu poderia testar diminuir esse tempo, fazendo tudo o que as pessoas diziam fazer mal e que me mataria. 

 Mas antes de esgotar a minha guerra contra o tempo, eu tinha um trabalho a fazer, por alguma razão, não queria zerar meu relógio sem antes falar com todos aqueles que eu um dia senti ódio, precisava dizer para essas pessoas que eu não as odiava mais, que todo aquele sentimento e rancor foi embora, não que tenha sentido fazer isso, mas afinal das contas, eu nunca fiz coisas que fizessem sentido. 

 Antes disso tudo acabar, eu quero olhar mais uma vez para o céu, gosto quando ele está assim, extremamente azul, como se tivesse sido pintado à mão, o sol não está forte o suficiente para esquentar, mas ele reflete um amarelo forte nos prédios, um pouco mais à esquerda é possível enxergar a lua, acho incrível como podemos ver o sol e a lua juntos, é como se eu estivesse em outro planeta.

 Olho no relógio, já está na hora de ir, finalmente o meu tempo acabou, não precisarei mais dizer que não tenho tempo. Afinal não sei porque dizemos que não temos tempo, quando na verdade é o tempo que nos tem.