Teatro de rua: Reivindicação de políticas públicas que democratizam a cultura

Por Ana Elisa Maria Dias Silva | 13/05/2022 | Política

Teatro de rua: Reivindicação de políticas públicas que democratizam a cultura 

Street theater: Claiming public policies that democratize culture 

 

BORGES, Rafaella Anielly Silva

Arquiteta Urbanista e Mestranda, Universidade Federal de São João Del-Rei

SILVA, Ana Elisa Maria Dias

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de São João Del-Rei

ENGRACIA, Gabriela Vanini

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de São João Del-Rei

RESENDE, Sarah Gonçalves Sbampato

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de São João Del-Rei

 

ROSA, Maria Júlia Araújo

           Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade  Federal de São João Del-Rei

 

RIBEIRO, Samuel Fabrini Lima

            Graduando em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de São João Del-Rei

 

 

 

RESUMO 

 

O presente artigo visa apresentar perspectivas a respeito da disciplina TVAI – Artes, (R)Urbanidades e Política – Políticas Públicas e Gestão Urbana e de sua abrangência em temáticas variadas e que possam complementar o projeto de pesquisa: “Meu palco é a Rua”, através do levantamento de conceitos e análises sistêmicas é possível avaliar os níveis de acesso à informação e quais destas irão complementar o projeto. Além disso, a escrita deste artigo discorre a respeito de temáticas como a democratização da cultura, a cidade como conjunto social e as conformações da arte frente ao capitalismo e a indústria cultural. Busca-se também criar uma discussão a respeito do corpo/espaço e tempo, levando em consideração a forma como nos relacionamos com a cidade, ressaltando a importância da atuação de equipes Inter e transdisciplinares em processos colaborativos de pesquisa, análise, discussão e ação. Unindo as temáticas acima apresentadas temos um processo com inúmeras camadas, o que transfere a nós uma válvula propulsora da ação frente às dificuldades enfrentadas em propostas dinâmicas de pesquisa que unem ciência e arte.

Partindo de conceitos escritos por pesquisadores em urbanismo e pesquisadores do campo artístico, são explícitos argumentos de legitimação do acesso à cultura diversificada – e principalmente fora de uma lógica mercantil como um agente construtor da cidade e da sociedade. Dessa forma os instrumentos que irão proporcionar o encontro entre culturas dentro de uma cidade devem estar disponíveis ao maior número de pessoas possível. Neste cenário o teatro de rua se torna um meio de propagação de arte no cotidiano urbano, atingindo espectadores de diferentes realidades sociais em um só espaço.

 

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Democratização, Rua, Arte, Politica.

 

 

ABSTRACT 

 

This article aims to present perspectives on the disciplineTVAI – Artes, (R)Urbanidades e Política – Políticas Públicas e Gestão Urbana and its scope in various themes that can complement the research project: “Meu palco é a Rua”, through the survey of concepts and systemic analyses, it is possible to assess the levels of access to information and which of these will complement the project. Further, the writing of this article discusses topics such as the democratization of culture, city as a social set and the conformations of art in the face of capitalism and the cultural industry. It also seeks to create a discussion about the body/space and time, taking into account the way we relate to the city, emphasizing the importance of the co-work of Inter and transdisciplinary teams in collaborative research processes, analysis, discussion and action. Combining the themes presented above, we have a process with numerous layers, which transfers to us a valve that propels actions in the face of difficulties faced in dynamic research proposals that unite science and art.

Starting from concepts written by researchers in urbanism and researchers in the artistic field, it showed arguments for legitimizing access to diverse culture and mainly outside of a mercantile logicas a building agent of the city and society. In this way, the instruments that will provide the meeting between cultures within a city must be available to as many people as possible. In this scenario, street theater becomes a means of propagating art in urban daily life, reaching spectators from different social realities in a single space.

 

 

 

KEY-WORDS: Democratisation,  Street, Art, Politics

                                                                                                       A transformação da natureza e da terra implica um outro lugar, um outro ambiente: a cidade.

Henri Lefebvre

1 INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas o conceito de pesquisa vem sendo expandido, dando assim, lugar para uma amplitude de novos conceitos, que nascem da necessidade de complementar e facilitar o entendimento. Um destes conceitos que chama a atenção é o de “teia coletiva”, que foi um termo usado pela artista Lygia Clark com o intuito de remodelar parâmetros ao invés de recriar a teia concreta já conhecida e similar a teia de aranha, deste modo, a artista optou por manter a teoria da construção, porém enviesando a novas perspectivas. A teia coletiva nada mais é do que uma teia subjetiva, onde os elementos que a constituem são derivados do ser humano. Segundo a artista, uma teia é uma composição que pode variar de acordo com a espécie da aranha, de acordo com a composição das questões envolvidas ou, no caso da "teia coletiva" conforme a movimentação dos corpos que viveram a experiência. 

Partindo desse ponto de vista, podemos entender que a cidade e um elemento que abrange uma complexibilidade de aspectos, transformações, frutos da construção coletiva e da história inserida na cultura temporal. A cidade pode ser vista, entendida e vivenciada como obra de arte, pois sua dinâmica depende do movimento geral da sociedade, sendo este um dos fundamentos mencionados por Henri Lefebvre (1901-1991), onde denomina que o espaço produzido é constituído enquanto valor de uso e o produto é o valor de troca. Neste sentido, a principal utilização da cidade, ou seja, das ruas, das praças, dos edifícios e dos monumentos é a apropriação da obra sobrepondo o prazer e o prestígio local. 

“A cidade é a obra a ser associada mais com a obra de arte do que um simples produto material. Se há uma produção da cidade, e das relações da cidade, é uma produção da cidade, e das relações sociais na idade, é uma produção e reprodução de seres humanos por seres humanos, mais do que uma produção de objetos.” (LEFEBVRE, 1901-1991; p.52)

Portanto, ao relacionar a ideia proposta para o trabalho com a ideia da teia coletiva,  analisar através de diferentes autores a percepção sobre a democratização da arte, a construção da urbe, e as relações entre politicas públicas e a importância da arte no cotidiano teremos novas aberturas de debate e análise das perspectivas artísticas no meio acadêmico, urbano e social,  e nas práticas de execução do Grupo Teatro Construção de Lavras – MG, grupo este que tem como base a participação ativa e coletiva dos membros, teremos embasamento para analisar as discussões e reproduzir uma análise de pensamento associada  a práticas na forma de atuação frente ao tempo coevo que corroboram para um fortalecimento da arte frente as dificuldades de execução e que se mantem resistentes devido ao esforço dos produtores culturais.

... nesse processo, é formado um espírito colaborativo que recupera os ideais artísticos de autenticidade, autonomia, expressividade e colaboração, transformando-os não apenas em uma nova fonte de crítica ao sistema capitalista, mas também em uma forma coletiva e concreta de resistência a novos meios de apropriação do trabalho artístico pelo capitalismo. (LAUDA, MOSSI, 2020)

Buscou-se através deste artigo realizado para a disciplina de TVAI (Artes, (R)Urbanidades e Política) descrever a experiencia de participar ativamente dos debates e trabalhos práticos feitos coletivamente e sua contribuição permanente para a fundamentações acadêmicas conceituais e metodológicas que visam complementar e aumentar o arcabouço de pesquisas realizadas em prol do projeto “Meu palco é a rua”.

2 JUSTIFICATIVA

O Grupo Teatro Construção surgiu da proposta de um grupo de artistas, liderados por Homero Carvalho Faria (1954-2020) – ator, diretor e escritor – de criar um grupo que fosse capaz de fomentar a arte na cidade de Lavras, devido à necessidade identificada pelas vivências próprias dos artistas. Em 2011 então, após idas e vindas do grupo a outras cidades surge a atual geração do Grupo, que está em atividade desde fevereiro de 2011, e conta, atualmente, com 11 membros.

Sem incentivo e diante do iminente impacto causado pela pandemia, se faz necessária a análise e disseminação de novas ideias em relação a soluções ambientais para o uso qualitativo dos espaços urbanos já disponíveis. Concomitantemente a inserção no programa de mestrado e as investigações realizadas na matéria TVAI – Artes, (R)Urbanidades apoiaram e subsidiaram a um crescimento da pesquisa no que tange a novas argumentações e discussões principalmente associadas as políticas públicas e ao tangimento da arte inserido no contexto social, ambiental e das relações entre o sujeito e  a realidade. O projeto intitulado: “Meu Palco é a Rua” busca investigar maneiras desconfinadas de se fazer teatro, novos meios, novos locais, trabalhando articulações menos capitalistas e mais sustentáveis para que a arte seja a mais acessível, liberal e articulada e que possa atingir o máximo de pessoas para que tenham contato com a cena e com a realidade do fazer artístico, neste sentido, as análises feitas sobre a democratização da arte ganham contornos relevantes.

3 OBJETIVO

O Artigo visa apresentar conceitos teóricos e o reconhecimento de termos de modo a impulsionar um engrandecimento da pesquisa “Meu Palco é a Rua” e servir de válvula propulsora para debates coletivos entre os proponentes do trabalho.

3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Dissertar sobre a democratização da cultura e suas influencias sobre a sociedade;
  • Argumentar qual o papel da cultura de rua;
  • Argumentar sobre o impacto da cidade como conjunto social;
  • Contextualizar o corpo como forma política;
  • Avaliar a relação entre a crise cultural e o acesso a cultura.

 

4 REVISÃO TEÓRICA

4.1 A DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA E A INSERÇÃO CULTURAL NO ESPAÇO URBANO

Quando falamos de democratização da cultura, obrigatoriamente estamos associando a valorização das identidades culturais, pois não se trata apenas de fazer com que todos possam consumir cultura, que muitas vezes se vê limitada a lógica de mercado capitalista, da cultura de massa, que reduz a obra a bens mercadológicos, assim como cita a autora Marilena Chauí (2008, p. 63) “Massificar é o contrário de democratizar a cultura”, ou melhor, “é a negação da democratização da cultura”. A cultura carácter mercantil busca atingir o maior número de pessoas possíveis para então fazer seus consumidores, porém não de uma forma igualitária, mas sim seguindo uma lógica de hierarquia cultural, fazendo com que apenas a elite tenha acesso às "obras de arte” enquanto as outras produções são subjugadas, como se fossem as sobras deixadas para as classes sem poder aquisitivo.

A cultura de rua, assim como o teatro, se apropria da obra, da ocupação dos espaços urbanos rompendo com as composições e características usuais já instaladas nas cidades, construindo novas alternativas de organização sócio cultural nos espaços públicos. O teatro de rua abrange a construção de espaços de convivência, como elenca André Carreira (2009, p. 14). Além de representar uma fala artística que implica a instalação de diferentes modos de relacionamento com a cidade, propondo uma construção de novos lugares políticos para aqueles cidadãos e usuários das ruas e das praças. Conforme Lefebvre (1901-1991, p. 66) “A cidade é um pedaço de conjunto social" e a inserção da cultura no tecido urbano, possibilita interações corporais entre o espaço e público ocupado em um campo com ampla diversidade de sujeitos.

As dinâmicas culturais inseridas na rua possibilitam a inclusão cultural, partindo da integração entre os artistas e o público. Entretanto, as formas de hierarquização espacial estabelecidas na cidade capitalista consideram os espaços privados como nobres e outros como marginais. Ao determinar os eventos e espetáculos culturais nas salas, a cultura capitalista o estipula como mercadoria, essa mercadoria possui mais valor nos espaços privados que geram lucros (CARREIRA, 2001 p 148).  Assim como Lefebvre (1901- 1991 p.13) cita “A produção de produtos substituiu a produção de obras e relações sociais ligadas a essas obras, notadamente na cidade.” A cidade em um sentido mais amplo do termo é considerada um produto, um bem de consumo, e não temos nenhuma dificuldade em admitir que a valorização dos espaços culturais privados é designada como valor de troca. Essa valorização comercial contribui para as práticas exclusórias ao acesso democrático à cultura onde o pagamento de uma entrada torna-se inacessível a uma parcela da população. 

Ao pensarmos a cidade como produto da ação humana em conjunto, deve-se considerar também o direito à realização do sujeito no espaço artificial urbano. Isto é, o reconhecimento do indivíduo a si mesmo dentro de um espaço que está em constante transformação e enfrentando as contradições que o capitalismo aponta. Nessa lógica, a democratização da cultura pode ser vislumbrada com potencial em garantir o direito não só ao habitar, mas também ao vivenciar a cidade.

Um aspecto fundamental e comum a todas as sociedades é a prática das manifestações culturais, seja através das artes, da religião, dos costumes, e assumindo um papel importante na formação da identidade de um povo. Se a globalização provocou a expansão cultural a nível mundial, podemos dizer que o espaço urbano é local de encontro das diversidades culturais. No entanto, isso não significa afirmar a manutenção da integridade cultural de todos os povos., pelo contrário, o que pode ser observado é a valorização e a institucionalização de manifestações culturais que atendam ao interesse do capital em detrimento daquelas que atendam ao interesse da sociedade.  Assim, as manifestações culturais acontecem na cidade segundo o interesse dos grupos detentores do poder econômico. Nesse sentido, segundo CHOAY (2001; p. 226):

 

 “A “embalagem” que se dá ao patrimônio histórico urbano tendo em vista seu consumo cultural, assim como o fato de ser alvo de investimentos do mercado imobiliário de prestígio, tende a excluir dele as populações locais ou não privilegiadas e, com elas, suas atividades tradicionais e modestamente cotidianas.”

 

Ainda, a manipulação da prática e do acesso à cultura pode acontecer segundo interesses políticos com o objetivo da manutenção do poder ideológico:  

 

“O espetáculo, mesmo aquele da própria cidade, sempre foi fundamental para a vida urbana e por muito tempo seus aspectos políticos desempenharam um papel importante na construção da legitimidade e do controle social.” (HARVEY, 2015: p. 358)

 

É importante destacar que, quando falamos sobre o acesso à cultura, não nos referimos apenas ao acesso ao espaço físico no qual ocorrem as manifestações culturais. É também sobre o acesso à informação e às trocas sociais. Possibilitar o acesso universal ao espaço físico onde a cultura é celebrada só faz sentido mediante à possibilidade de reconhecimento e a participação do sujeito na fruição das obras.

Mais do que isso Marilena Chauí (2008) ainda explicita em seu texto como a indústria cultural aprecia produções que não são críticas, não trazem ao consumidor novas informações nem nada que possa ser diferente de suas experiências prévias, nada que fuja do que ele já tenha visto, entrando assim em um ciclo onde as “novas” obras são apenas novas versões de algo anteriormente visto.

No entrelaçamento entre o passado e futuro emerge preocupação substancial com o desafio de concretizar discussões acerca da conformação das cidades brasileiras e por consequência uma análise estrutural da conformação da cultura voltada principalmente ao público social de menor acesso, é preciso ir nas profundidades da relação da história e da construção de nossas crenças para entender o que de fato emergi das ações e das tendências de nossas manifestações culturais.

É necessário pensar em movimentos e ações que de fato permeia e atravessam os territórios e tenham em si o sustentáculo para o mantenimento destas atividades, a cidade (o urbano) precisa ter e sua conjuntura aspectos que possam subsidiar a existência de ações que estejam sendo propostas para a mudança do espaço e a inserção no tempo, conformando assim, perspectivas de reinterpretar os processos de construção social, coletiva e cooperativa do tecido social, e segundo Ana Clara (1995):

As frentes de atuação denunciaram mecanismos de privatização do Estado por grupos envolvidos em processos de especulação com a terra urbana, em concessões na prestação de serviços públicos e nas formas de produção imobiliária que, usufruindo amplamente de investimentos realizados pelo Estado, pouco retorno oferecia ao bem-estar coletivo. Cabe enfatizarmos, entretanto, que o novo associativismo, expressivo das reivindicações urbanas, alcança a identificação mais coesa dos interesses coletivos na cidade — reconhecendo e denunciando os seus opositores.

 

O corpo “falado” é um convite a reivindicação política de “colocar-se disponível às ruas, aos encontros, às assembleias, aos momentos que nos desorientam na arte, na política, no trabalho, na vida íntima” (RIBAS, C. et al, 2014), em resumo a retomada de falar e ouvir nos espaços públicos. É a partir da experimentação, da vivência, da liberdade de vocalizar, de criar, de ocupar o espaço com o corpo que o ser político reivindica mudanças, contudo não uma política inacessível, mas um discurso cotidiano, falado com palavras daquela localidade (espaço).

Há para tal várias maneiras de falar, pensar, sentir e é a partir da sensibilização das convivências, do acolhimento, que o indivíduo permeia um sentimento de pertencimento ao local. A partir desse ponto de vista, a democratização da cultura apenas é possível com corpos convivendo com as diversidades nos espaços públicos, porém, para tal, é necessário ocupar esses espaços públicos, ou seja, é a partir dos encontros de convivência, de troca de contradições que as relações ocorrem.

Segundo Daniele Canedo (2007) a definição de cultura mudou com o passar dos anos. Para ela, a cultura fomentada depende de tempos em tempos das ideologias governamentais. Por exemplo, governos autocratas e ditatoriais investem na cultura de maneira diferente de governos socialistas e democráticos.

Atualmente, um conceito normalmente adotado pelas políticas culturais é a de ampliar o acesso à cultura através da ampliação de serviços e equipamentos culturais, tais como subsidiar peças teatrais, promover a indústria do cinema, entre outros. Contudo investir em ampliação ao acesso cultural apenas utilizando essas ferramentas elitistas, haja vista não estão estruturadas nas periferias, amplia o abismo entre excluídos e privilegiados. Dessa forma, embasar políticas públicas culturais nos grandes espetáculos de teatros, cinemas, shows, mesmo que subsidiado pelo poder público, não permite a integração do ser vivente, que tem relações particulares com o lugar de pertencimento.

É preciso envolver e incentivar a participação social para encontrar formas mais humanas, solidárias e efetivas de  trabalho, afim de enriquecer e incentivar o crescimento cultural da vida, além de intensificar as propostas e abrir campo para diferentes estratégias de organização e reivindicação do direito a produzir e consumir arte e desta forma manter o diálogo pulsante entre a sociedade e o poder público, assim como trata Milton Santos (1988) no trecho que diz sobre a “emergência de novos sistemas de objetos e ações, novas próteses urbanas, que desafiam a capacidade de adaptação cultural da sociedade e, ainda, a capacidade de gestão das necessidades coletivas pelo poder público”. É preciso pensamento coletivo e colaboração da sociedade para enxergar de fato a existência cultural na materialidade urbana, enquanto a sociedade não entender seu valor e o poder público não assumir o papel de representante estaremos imersos na caótica crise cultural.

Vivemos um quadro de crise social e cultural de grandes proporções, com nítidas reduções no potencial do fazer artístico que enfrenta barreiras no atual governo, impedimentos que dificultam o processo de tornar a arte mais acessível. Existem também outros desafios diretamente ligados à crise que influem diretamente em processos de retrocesso, tanto no sentido de liberdade para produções, como também no processo de difusão dos produtos artísticos, enfrentando dificuldades no âmbito das práticas em políticas públicas e também no emprego de novas ideias. O conjunto destas políticas é responsável por subsidiar e incentivar a continuidade das ações, mas é altamente precarizado por aspectos como: falta de conhecimento, de interesse ou até mesmo pelo contraposição direito-poder que detêm em si grande significância para os pensadores de políticas públicas que sem empatia podem enviesar as soluções para o bem de si próprios ou de seus interesses.

Vale ressaltar que para haver uma sensibilização cultural faz se necessário reivindicações e mudanças, pois é a partir do corpo que se percebe o entorno e se cria relações com o ambiente em que se vive. Nesse ínterim, democratizar a cultura é permitir e ampliar as experiências no entorno, praças, ruas, bairros etc. Sendo assim, o teatro de rua é um catalisador dessa democratização que através de apresentações lúdicas permite nesse espaço um roçamento, esfregamento dum modo de falar com o outro, dos outros e com os outros e também consigo mesmo como exemplifica a editora Cristina Ribas (2014) do livro Vocabulário Político para processos estéticos.

 

5 CONCLUSÃO

 

Em um país extenso como o Brasil, é inevitável a diversidade de culturas e costumes, e, portanto, todos devem receber o mesmo valor, haja vista que cada uma faz parte da identidade de uma região e somadas constituem a identidade brasileira. Podemos entender melhor se partirmos do ponto que a nação é, resultado de um projeto político, em que a sensação de pertencimento e os laços que constituem sua unidade são construções fabricadas por processos de socialização e de formação de uma identidade (ANDERSON, 2006).

Sob uma perspectiva que leva em consideração o território como um espaço de ação é importante sair do pensamento individualista e hegemônico e alçar voos rumo a amplitude de pensamentos que abarca não só os “fazedores de arte”, mas também os órgãos responsáveis por pensar e planejar a vida no urbano. Como diz Ana Clara: “a ausência de projetos para o urbano sujeita a sociedade brasileira, atualmente, aos riscos de adesão a impulsos de inovação — tantas vezes caros e comprometedores do futuro”, o que de fato acaba por incentivar movimentações passageiras e sem o apoio e comprometimento dos moradores as manifestações de arte na rua.

Por fim, é apenas com a participação cultural nas comunidades através de políticas públicas, sem excluir a importância de outras representações artísticas, que a integração do pertencimento ao lugar, ao conhecimento do espaço/tempo/corpo democratizarão e tornarão possível e palpável a vivência cultural no cotidiano.  Dessa forma, nas novas experimentações do Grupo Teatro Construção podem servir como incentivo que suscita o retorno das apresentações de rua nas localidades (bairros, praças etc.) e reconecta o ser vivente ao seu local de pertencimento com experiências que integram a vida cotidiana daquele lugar. Sendo este um projeto de pesquisa hibrido, e a sociedade só pode sobreviver se tiver uma mudança do pensamento consumista para a coletividade, e por isso, trabalhar e manter viva a arte teatral de grupo se torna um importante fator de combate e de subversão de conceitos engessados. Conhecer os limites e reordenar as relações é fundamental para a salvaguarda desta arte frente às modificações ocorridas no tempo coevo. Em suma, a proposta de pesquisa se desdobra na amplificação do ver, do sentir, e do usufruto da arte, urbanidade e o espaço social, alicerçada sobre o pilar da necessidade do uso de novas articulações para garantir perspectivas de futuro para o teatro. Dentro desta concepção é preciso acreditar no potencial da conscientização sobre os direitos, deveres, a vida, as relações sociais e espaciais, a natureza, as artes e urbanidades e no cumprimento da missão de sermos os únicos responsáveis por nossa sobrevivência como artistas e como sociedade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ANDERSON, Benedict. Imagined communities: reflections on the origin and spread of nationalism. Revised edition. New York: Verso, 2006. p. 240

CANEDO, D. Democratização da cultura. Salvador, BA: CULT- Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura- UFBA. 2007. Acesso em: 05 mai. 2022. Disponível em: http://www.cult.ufba.br/wordpress/publicacoes/outras-publicacoes/mais-definicoes-em-transito/

CARREIRA, A. Teatro de rua como ocupação da cidade: criando comunidades transitórias. Urdimento, v. 2, n. 13, p. 11–21, 2018.

 

CARREIRA, A. L. A. N. Teatro de rua como apropriação da silhueta urbana: hibridismo e jogo no espaço inóspito. Trans/Form/Ação, v. 24, n. 1, p. 143–152, 2001.

 

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. Crítica y Emancipación: Revista latinoamericana de Ciencias Sociales, Buenos Aires, n. 1, p.53-76, jun. 2008.

 

CHOAY, Françoise. A Alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade/ Editora UNESP, 2001

 

HARVEY, David. Paris: capital da modernidade. São Paulo: Boitempo, 2015

JACQUES, P.B; BRITTO, F.D. Subjetividade, corpo e arte. Salvador: EDUFBA, Dezembro, 2014.

LAUDA, Luciene Zenaide Andrade; MOSSI, Thays Wolfarth. Capitalismo por projetos e crítica artística: incorporação, renovação e resistência no movimento Teatro de Grupo. Contemporânea: revista de sociologia da UFSCar. São Carlos, SP. Vol. 10, n. 2 (maio/ago. 2020), p.[753]-771, 2020.

LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Travessa Roberto Santa Rosa, 30 - 02804-010 - São Paulo - SP: Centauro editora, 2001.

RIBAS, C. et al. Vocábulo político para processos estéticos. Rio de Janeiro: Aplicação, 2014. 336 p. Acesso em:  05 mai. 2022. Disponível em: https://vocabpol.cristinaribas.org/

RIBEIRO, Ana Clara Torres. Urbanização sem urbanidade: um cenário de incertezas. Ensaios FEE, v. 16, n. 2, p. 556-590, 1995.

SANTOS, Milton (1988). Metamorfoses do espaço habitado; fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: Hucitec.

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