Te ligo

Por Angeli Rose do Nascimento | 21/04/2011 | Crônicas

Te ligo
Isso lá vinha com cara de paisagem.Uma paisagem diferente da que a gíria costuma indicar.Em realidade, chegava aos ouvidos interlocutores com uma ironia ácida e própria daqueles que querem uma revanche em campeonato de melhor de três.Coisas de menino ou menina, pode ser.
O "teligo" quando dito desse modo não é sintagma, é um neologismo, tanto para a relação inexistente e veiculada, como para a idéia que se quer transmitir.Te ligo,quando dito amorosamente carrega uma ternura no som e no olhar,Atravessa qualquer resistência mais forte que se tenha pela frente.Te ligo em palavras é uma expressão expressiva fora de todo clichê,porque como o "eu te amo" estréia a cada dia de distância.Te ligo numa diminuta frase de pedido de acolhimento,acolhe antes o inaudito desejo de um encontro previsível,porque desejável e inédito,porque renovado nas breves palavras:te ligo.
"Quem sabe faz a hora e não espera acontecer", e por isso quando diz para o outro a sua frente, te ligo, o faz com a firmeza delicada de quem terá a hora certa e próxima de ligar.Mas quando o te ligo é simplesmente um teligo,há como que um ressoar de chiados e ruídos que fazem das vogais sons graves e fechados.
Te ligo em minha mente nem precisa de telefonema é um encontro contínuo e aparentemente casual, porque se está ligado sempre.Uma ligação sem ?fio que não rouba tempo nem idéias adversas.Mas quando o teligo aparece, insoso, sonoro e quase indistinto de um ganido, é um teligo que passa em branco, inodoro,daqueles que não deixa o perfume no ar de relance de quem falou.É promessa descumprida.Falácia dos entre-dentes pelas linguo-dental.Língua que não suporta o vazio da inexpressiva fala de um "até nunca mais" camuflado.
O verdadeiro "ladrão de palavras" é esse em realidade, que vampiriza a língua em sua beleza e amplitude nas possibilidades de se rever os sentidos, os dois do encontro anunciado.Teligo ou "nem te ligo" soam tão iguais quando emitidos num contraste de forças que se enfrentam: as dos sons desiguais e de um mesmo sentimento.
Te ligo é demorado,deixa eco no coração de quem ouve,causa paz e alegria porque religa o que está conectado pelo carinho e pela consideração.Te ligo faz do sujeito um sujeito que sabe sujeitar a língua ao seu desejo;teligo,não.Teligo até se repete nos ínfimos escaninhos do receptor, porém de modo tímido, frouxo e covarde.Teligo é obra de quem não conhece a língua que beija a flor, tampouco ama a própria língua, tornando-a imprudente e excessiva.
Te ligo foge das garras mais espertas que a senhora malícia tenta aprisionar.Te ligo não se confunde com nada nem a ninguém,apenas enlaça como presente o que vai sendo deixado no passado,mas precisa ser reapresentado.Te ligo pede o pronome depois do verbo,na língua culta da boa gramática,no entanto,quando dito em forma de carícia sobre a presença do outro,te ligo rompe a formalidade porque faz a intimidade sincera chegar como cera derretida em carta que é entregue em mãos.Te ligo é bom demais quando recebido nos olhos confiantes e inocentes.Ele aproxima-se sem o peso do cálculo e do prazo de carência.Ele não bate bem.Ele toca a campainha da porta como uma vendedora antiga de produtos de beleza, que com um sorriso familiar e vizinho vendia seu peixe forjando amizades pelo bairro.Te ligo pacifica os antepassados entre os passados que se encontram mais adiante com a certeza de terem presença de espíritos.Te ligo transforma amadores em agentes de ofício,como numa celebração cuidando dos detalhes para o ritual da espera.
Quando alguém disser teligo,é melhor nem escutar ou emendar "tá bem".Silencie num sinal de luto pela língua violada e morta, que o clima latino perdeu.Mas quando ouvir te ligo,apenas sorria como quem sabe reconhecer os recursos que as palavras oferecem nessa tão difícil arte de se comunicar.