TATUAGEM E SUA DISCRIMINAÇÃO NA SOCIEDADE

Por ivo josé da cunha neto | 08/11/2018 | Sociedade

 Waldeanderson é um garoto que sempre gostou de tatuagem, quando fez dezoito anos e passou para medicina, quis fazer uma tatuagem de um palhaço. Ele queria que esse palhaço revelasse as confusões que podem despertar de uma figura tão emblemática. Para ele o palhaço era uma expressão cheia de contradições, podendo ser alguém depressivo, mas que poderia fazer o outro rir.

                   Em 26 de julho Waldeanderson foi alvejado por dois tiros, um na cabeça e um no peito, na altura do coração. Os disparos foram efetuados por um policial à paisana que assistia à partida de futebol a qual o rapaz disputava. O policial alegou que efetuou os disparos pois o rapaz seria integrante de alguma facção criminosa e que sua tatuagem tem como signigficado o indivíduo conhecido como “matador de policial” dentro dessa facção. O caso divide opiniões na comunidade do rapaz.

                  De fato a tatuagem representa o chamado “matador de polícia”, mas será que é correto generalizar, e achar que todos que possuem essa tatuagem fazem parte de tal ficção? Sem nenhuma dúvida a atitude do policial está completamente errada, pois pelo que se sabe o rapaz não estava fazendo nada de errado, estava apenas jogando futebol.

                  Ter uma tatuagem é uma questão de liberdade, eu posso fazer a tatuagem que eu quiser, aonde eu quiser e do tipo que eu quiser. Não tem cabimento algum, eu possuir uma certa tatuagem e automaticamente ser colocado dentro de um grupo, dentro de uma facção, o que deveria ser feito por parte do policial era uma investigação à respeito do garoto, para concluir se de fato ele era ou não de uma facção. Ter uma tatuagem ou qualquer coisa é uma questão de liberdade, todos são livres para se expressarem.

                  O policial em questão deve ser punido, pois esta prática não pode se tornar algo comum, matar alguém por achar que faz parte de algum grupo criminoso ou facção.              

                É importante falar do Labeling approach, que é uma teoria que diz que as noções de crime e criminoso são constituídas a a partir da definição legal.

Não se pode compreender a criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a noção das instancias oficiais. (Polícia, juízes, instituições penitenciarias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinquente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinquência enquanto não se adquire esse status aquele que, apear de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instancias, portanto, este não é considerado e tratado pela sociedade como “delinquente”. Neste sentido, o labeling approach tem se ocupado principalmente com as reações das instancias oficiais de controle social, consideradas na sua função constitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista tem estudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes. (BARATTA, 2011, p.87).

                 Ou seja, a criminalidade está ligada as normas, e deve passar pela polícia, pelos juízes pela prisão. Para ser considerado de fato um criminoso, o sujeito deve ter ido contra a lei, para ai sim o estado tomar as atitudes corretas, sendo assim o infrator é visto como delinquente. No caso em questão Waldeanderson não fez nada, ele apenas tinha uma tatuagem, que apesar de ser uma marca da facção, que são aqueles que vão contra a lei, Waldeanderson jamais poderia ser visto naquele momento criminoso, e morto cruelmente pelo policial que não tinha evidencia alguma de que o jovem era algum criminoso.

                “Os autores que falam do Labeling approach, tem uma análise diferente dos criminólogos tradicionais, eles se perguntam coisas do tipo: quem é o desviante? Que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo? Em que condição este indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?” (BARATTA, 2011, p.88).

                  Percebe-se com isso que a partir do Labelin approach, se tem uma investigação apurada para colocar o indivíduo como criminoso, não é radical igual os criminólogos tradicionais, não é radical igual a atitude do policial. Waldeanderson não pode ser definido como parte de uma facção apenas por uma tatuagem, ela é apenas uma figura no corpo dele, devendo existir uma apuração dos fatos para se chegar em uma conclusão. A tatuagem é um fator, é uma característica que não representa uma totalidade.

Contrariando os manuais acadêmicos, o labeing approach sustenta que é mais fácil ser tido como criminoso pelo que se é do que pelo que se faz. Essa afirmação ganha força quando nos lembramos da cifra oculta, nomenclatura que destaca que as condutas delituosas que chegam a virar processos judiciais constituem apenas a ponta do iceberg do total de condutas ilícitas efetivamente existentes em uma sociedade. Se nem tudo que, pela leitura da lei, deveria ser tido como crime assim é reconhecido pela prática dos operadores do sistema penal, deve haver um critério de seleção para decidir entre tantas condutas ilícitas praticadas quais serão, de fato, tratadas como crime. O labeling approach sustenta que tal critério é o índice de marginalização do sujeito, o número de estigmas que ele carrega, ainda que nenhum deles precise ser de natureza criminal. Nesse sentido, o sistema penal não teria a função de combater o crime, mas a de atribuir rótulos de criminosos aos já marginalizados. (SELL, 2007).

 

                       Infelizmente, existe um preconceito muito grande na questão da criminalização. As pessoas costumam ser rotuladas por aquilo que são. Dificilmente um rico vai durar muito tempo preso. A idéia que se tem é que se o pobre rouba é costume, e se o rico rouba é uma distração, é algo que ele não pensou. Waldeanderson foi morto não por algo que ele fez, mas pela figura que ele era aos olhos do policial. Com isso o a função do sistema penal não acontece, sua função é combater crimes, e isso não ocorre. O sistema penal cada vez mais perde sua função e apenas coloca rótulos nas pessoas.

O crime, portanto, não emerge naturalmente a partir de uma conduta proibida praticada por um agente imputável (modelo dogmático), nem resulta diretamente de uma conduta proibida praticada por um ser anti-social (modelo etiológico), mas é o resultado de uma interpretação sobre que aquela conduta, vinda daquela pessoa, merece ser classificada como crime. Exemplifica-se. Imaginemos uma mulher que tenta sair de uma joalheria com um caro e não pago bracelete quando é barrada pelos seguranças. Se essa aparente tentativa de subtração à coisa alheia móvel (art. 155 do Código Penal) será tomada como crime, sintoma compreensível de cleptomania ou mera distração, vai depender menos dos detalhes da conduta tentada do que do perfil da apontada infratora. A tese da distração cai bem, por exemplo, se a suposta tentativa fosse realizada por uma cliente habitual da joalheria; assim como a tese da cleptomania se adequaria perfeitamente se a acusada fosse uma famosa atriz de novela. Já para uma empregada da loja, a única tese "compatível com a realidade das coisas" é a de tentativa de furto puro e simples. A conduta é a mesma, a ausência de provas também, só o que variará, neste caso, são as suposições socialmente consideradas adequadas ao caso.

 

                  Ou seja, percebe-se que na realização de condutas ilícitas, o que menos importa são as condutas, as provas, o que vai decidir são os rótulos colocados nas pessoas pelo sistema penal. Como já foi dito, uma pessoa de classe menor vai sofrer consequências mais graves do que uma de classe maior, devido as suposições socialmente constituídas dentro da nossa sociedade preconceituosa e cheia de rótulos.

                  É interessante falar também do Panoptismo, que é o que Focault usou para analisar a sociedade disciplinar, onde havia a exclusão do leproso. Uma figura era a excluída, a do leproso que era vista como pessoas diferenciadas.

Prescreve a cada um seu lugar, a cada um seu corpo, a cada um sua doença e sua morte, a cada um seu bem, por meio de um poder onipresente e onisciente que se subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação final do indivíduo, do que o caracteriza, do que lhe pertence, do que lhe acontece (FOCAULT apud ARGOLO, 2014).

                  Fazendo uma analogia com o caso de Waldeanderson, este é parte da massa excluída, pelo fato de ter uma tatuagem, é visto como diferente, como alguém doente. E isso determinará o que acontecerá com ele, que foi sua morte pelo policial.

Um e outro representam, cada qual à sua maneira, uma diferente utopia política: o exílio do leproso traz consigo o sonho de uma comunidade pura; a prisão do pestilento, o de uma sociedade disciplinar. Embora distintos tais projetos não são incompatíveis. O que o século XIX mostra, ao contrário, é a aplicação das técnicas de quadriculamento disciplinar aos espaços ocupados pelos leprosos reais, ou seja, mendigos, loucos, vagabundos e violentos. Os portadores de lepra, ao mesmo tempo em que são marcados como tais e sobre eles se faz funcionar todo um mecanismo de repúdio, são individualizados por meio da disciplina.(ARGOLO, 214).

 

                      Sobre tais pessoas rotuladas, há apenas o repúdio com o objetivo de acabar com elas. Elas são individualizadas, colocadas como diferentes na sociedade, e a ação das autoridades sobre elas é muito mais rígidas. Isso é visto no caso e Waldeanderson, aonde ele não fez nada e no entanto a ação do policial contra ele foi totalmente rígida, cruel e sem fundamento. São de fato individualizados por meio da disciplina, ao contrário do ouro lado, que não acontece nada. A teoria do etiquetamento, foi a grande responsável pela causa da morte do jovem que almejava um futuro na área da medicina. O policial apesar de passar diariamente por todos os tipos de traumas não poderia em hipótese alguma deferir um tiro contra um jovem que não apresentava nenhuma ameaça a ninguém, muito menos para o policial. Muitos são os jovens que na sociedade atual buscam um meio de expressar aquilo que eles sentem no momento, e uma das maneiras é justamente a tatuagem. O que significa uma tatuagem nos dias atuais? Veremos que representa uma pintura feita sob a pele que carrega muitos significados e dependendo do contexto pode surtir efeitos e significados diferentes.

Vejamos o que um estudo abordando as tatuagens e seus significados no mundo do crime, vale lembrar que é o “MUNDO DO CRIME” e não a vida de um cidadão que está colocando sob sua pele uma figura emblemática que significa para ele a ironia das coisas da vida vejamos a abordagem( MIRANDA,2015)

Não é regra, mas no mundo do crime, desenhos infantis e símbolos religiosos simbolizam crimes. As tatuagens servem para que eles se reconheçam dentro dos grupos criminosos. No código do crime, tatuagens formam um código onde cada uma representa o delito cometido ou mesmo uma afinidade com uma corrente criminosa.

Como aborda o autor Rafael Miranda no seu estudo sobre o caso das tatuagens, informa que desenhos e símbolos religiosos alem de palhaços, não sendo em regra, nota-se que não é uma regra e sim algo que somente quem está no meio concebe tal ideia no seu meio social.

“Entretanto, a existência da tatuagem não é condição para ser bandido e na maioria das vezes, as tatuagens dos criminosos não são feitas em estúdios profissionais e sim nas próprias celas.” (MIRANDA ,2015), vemos aqui que a tatuagem não e uma regra, não significa que por a pessoa ter uma tatuagem um policial, um civil, um delegado ou quem quer que seja da segurança publica ou privada, através de um simples etiquetamento, saia deferindo tiros contra pessoas que buscam representar no seu corpo algo que para ele tem significado único.

Como observamos, a teoria do etiquetamento, ou mesmo, labeling approach, busca diferenciar dentro de uma sociedade pessoas e pessoas pelo simples fato de taxar se baseando em fatos históricos e do contexto daquela sociedade. Pelo que se entende dentro de tal teoria levantada por Baratta(2002) é que o Estado é nada mais e nada menos do que a representação dos que estão no poder. Se para o Estado o cidadão de bem que mora numa favela é alguém de má índole, toda a sociedade vai pensar daquela maneira, por uma simples taxação sem nexo algum.

Outro ponto a ser defendido para que possa mostrar que a atitude do policial foi nada mais e nada menos um ato de revolta e de insubmissão ao poder do Estado e descaso com a sociedade é o problema da marginalização excessiva sobre pessoas que estão em determinado contexto social é a chamada criminalização terciária e foi isso que aconteceu com o jovem futuro médico, uma breve situação sobre do que se trata a criminalização terciaria ou interacionismo simbólico (CARDOSO, 2014)“A criminalização terciária ou interacionismo simbólico, significa que existem agentes estigmatizantes que vão desde o mercado de trabalho até o próprio sistema penitenciário que rotula o indivíduo em seu interno”. O individuo é rotulado pelo simples meio no qual está localizado sem qualquer meio de defesa. Levando para um estudo mais próximo do contexto, busca-se mostrar isso dentro da ilha de São Luís, mas também irá ser mostrado no geral. Quando uma pessoa fala que é do bairro da Ponta do Farol, todo mundo pensa nele como uma pessoa que vive uma vida bela, sem infringir a lei e com bom comportamento e todas as pessoas querem ser amigas e é na maioria das vezes uma pessoa popular. “Já quando o polo se inverte e se fala” você e de onde? : moro na ilhinha!” a reação de quem ouve essa resposta é ter um certo receio e imaginar, traficante ele deve conhecer e vou tomar cuidado e não me aproximar dela, ou ele ouve a expressão “ me roubaram” o que é muito utilizado no meio atual. Com esse breve relato, foi possível perceber o que significa a teoria do etiquetamento mostrada não na sua totalidade e sim num breve relato do dia-a-dia para ter uma ideia de porque o policial matou o jovem sem motivo aparente.

O policial levou esse mesmo pensamento que as pessoas atualmente tem, porem é um pensamento errado que não legitima qualquer tipo de conduta que possa matar alguém por uma simples tatuagem. O processo penal ou direito penal busca somente aplicar uma taxação as condutas e comportamento das pessoas, mas essas pessoas geralmente são vitimas por estarem em um contexto social, como demonstra a figura a seguir mostrando a diferença de tratamento de um jovem de classe media para um jovem também, porem que mora numa favela em fortaleza e apesar de ser a mesma situação a pessoa de fortaleza sofreu a taxação na maneira que se espera que o Estado taxe.

Observa-se na imagem a diferença na quantidade de drogas apreendida com o jovem e com morador de Fortalza, são 30 vezes mais do que o jovem morador do bairro da tijuca, porem não importa a quantidade para o Estado, o que importa é o contexto onde a pessoa está, no caso o garoto Waldeanderson, estava num campo de várzea e só por esse motivo o policial vendo a situação por também coadunar com o pensamento do Estado, desferiu o tiro fatal que acabou tirando a vida do garoto que buscava um futuro promissor no ramo da medicina.

Para terminar o argumento levantado para defesa do garoto indefeso e vitima de uma fatalidade sem tamanho, vale lembrar que o policial não tinha se quer qualquer relação com a vitima e muito menos sabia algo sobre ela para poder constatar que ele era algum matador de policial simplesmente pelo fato do mesmo estar com uma tatuagem de coringa, pois para o mesmo aquilo era simplesmente para mostra para todos o seu contentamento com a sua aprovação em medicina, mas infelizmente o Estado taxa as pessoas pelo seu bairro e pelo seu contexto social sem sequer saber da vida da pessoa.

CRITERIOS DE VALORES

Teoria do Etiquetamento, Labeling approach

Contexto Social e a figura das tatuagens em relação a conduta do agente

Figura de palhaços e seus significados práticos dentro do mundo do crime, bem como a abordagem da relação da figura com o comportamento do individuo 

 

REFERÊNCIAS

ARGOLO, Pedro. O Panoptismo em vigiar e punir de Michel Focault. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/28147/o-panoptismo-em-vigiar-e-punir-de-michel-foucault-1926-1984 > Acesso em: 24 de Outubro de 2016.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal. Rio de Jneio 2011.

CARDOSO, Fábio Fettuccia. O criminoso segundo a teoria do "labelling approach". Disponível em https://fabiofettuccia.jusbrasil.com.br/artigos/175496748/o-criminoso-segundo-a-teoria-do-labelling-approach. Acesso em 25/10/2016

KAFER, Josi. Labeling Approach ou etiquetamento. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6204/Labeling-Approach-ou-etiquetamento. Acesso em 25/10/2016

MIRANDA, RAFAEL. Conheça o significado de 10 tatuagens no mundo do crime. Disponível em: http://www.fatosdesconhecidos.com.br/conheca-o-significado-de-10-tatuagens-mundo-crime/ Acesso em 25/12/2016.

SELL, Sandro César. A etiqueta do crime. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime > Acesso em 24 de Outubro de 2016.