Surumbático-man

Por Raphael Moreira | 10/10/2006 | Contos

...dos tortuosos e obscuros becos de uma - ipor assim dizer/i - pacata cidade, desesperados passos percorrem a longa passagem revestida da mais pura desordem visual; latões de lixo tombada, torneiras tortas e respingando uma água duvidosa até mesmo para um animal, e vapores que temporariamente exalam suas baforadas como se mostrassem a cada um a repugnância de existir um lugar como aquele.

Os passos, cada vez mais desajeitados e tropeçantes rasgam aquele beco numa velocidade alarmante, como uma criança que aprendeu a andar e corre desesperadamente até ser barrada pela quina de uma mesa de jantar.

Mas não era uma criança. Era um homem. Aparentemente 30 anos, cabelos encardidos e escuros pela oleosidade resultante da falta de shampoo apropriado. O óleo em sua cabeça era de tamanha viscosidade que chegava a escorrer pela testa em forma de uma gota de gel. Salgadinho? Não... tatuzinho de nariz e lágrimas são salgadinho. Mas o óleo... ah, o óleo é muito menos apetitoso.

O terno do homem esvoaçava com o correr, todo estraçalhado à lá mordida de cachorro, como trapos pendurados num varal de uma família que certamente participa da fila do SUS. Começava a fica ofegante. Não aguentava mais correr. Não corria simplesmente para mostrar sua boa forma - isemi-barrigudo, diga-se de passagem/i -. Corria para se salvar de um mal maior. Um ser que seria capaz de dar um fim à sua vida se acaso o alcançasse. Para ele, uma criatura demoníaca.

O demônio...
...a maldade...
...o filho do Belzebu.

É então, que num brecar pasmático em cima de um poça o homem se deparou com a silhueta da criatura logo a frente. Os olhos, vermelhos, brilhavam intensamente sob a luz enevoada da lua. Uma densa capa farfalhava ao vento como música de funk, sem sentido algum.

Paralisado pelo medo, o homem tenta inultimente gritar, mas sua voz simplesmente desaparece, sendo completamente encoberta pela tenebrosa voz da criatura:

- Quem tem luz no coração, não teme a escuridão! - Dizia a voz.
- Err..? - O homem tentou inultimente exprimir alguma aversão àquela frase.
- Você é surdo? - Retrucou a voz com indignação - Eu disse que quem tem luz no...

Passos ecoavam pelos corredor após a fuga do homem-farrapos.

- Ah, maldição. Isso sempre acontece... - O então misterioso homem gira sua capa de desaparece na escuridão.

Enquanto corria e olhava para trás, o homem em frangalhos sentia gradativamente um alívio. Havia escapado daquela coisa medonha que dizia ter luz no coração. Estava salvo. Estava livre. Era um homem completamente...

- Quem tem luz...
- Ah não! - Gritou o farrapo.
- Quer fazer o favor de ficar quieto? - Disse a tenebrosa voz.
- Chega. Não vou mais correr. Se quer me pegar, venha! Vamos! - Desafiou o farrapo.
- Se é sua vontade. - Num salto preciso, o homem misterioso desce até o beco, ficando de frente para o farrapo. Seus braços, descançando ao lado do corpo, refletiam sua total confiança no que fazia.

- Muito bem. - Disse o misterioso - Como prefere que eu o... - Um tiro de revolver ressoou como um trovão, e quando dissipou, só o que se ouvia era o misterioso homem caído sob os joelhos, com as mãos na barriga e urrando de dor. - Ah, droga... no baço não... putz, como doí...

O farrapo então vira por uma ruela e desaparece nas trevas, deixando para trás o avariado ser misterioso que com muita dificuldade e se escorando na parede, se levanta e caminha provavelmente para sua casa, resmungando baixo enquanto estancava com as mãos a ferida da bala.

- O Batman leva tiro no braço, o Rambo leva na perna e o Neo desvia. Porque EU levo um no baço? Arrgh... como doí. Porque não fazem um filme do Super-Homem levando um tiro de criptonita no baço? Tenho certeza que ele gritaria feito uma moçinha... haha..  uught... hahaha...

...cueca por cima da calça... hahaha...

E então o misterioso caminhou, rumo a sua casa, ou a um hospital - italvez um SUS/i -, mas o que importa que ele havia aprendido a lição. E na próxima vez seria mais prudente em suas abordagem...

...da próxima vez, Surumbático-Man prenderia o ladrão!

- Ah, meu baço...