SURPRESA DE FREIRE: LIBERDADE E EDUCAÇÃO (Policritica) [Jacquerie Vogel, Direitos Reservados]
Por jacquerie vogel | 02/11/2009 | EducaçãoO papel da educação é discutido freqüentemente por profissionais extremamente capacitados, no entanto, as coisas não parecem mudar ou mudam muito lentamente. Apesar de não ser um profissional da área da educação e nem muito menos um destes capacitados que planejam e constroem a educação nacional, sinto-me completamente desimpedido para discutir o tema, baseado em quatro fatos: primeiro; em experiências de vários amigos professores com quem convivi e convivo, segundo; minha curta experiência ministrando (burguesamente falando) aulas, terceiro; minha condição de leitor e pseudo-pensante, e, finalmente; minha longa experiência assistindo centenas de milhares de aulas.
Percebe-se de modo geral os seguinte tipos: os professores que desistiram e não querem tentar nada fora do giz e cuspe e os jovens professores que não acreditam que tentar seja possível e nascem póstumos. Poderíamos somar os poucos que ainda acreditam, mas que logo as prestações de seu carro financiado o farão desistir e aqueles que organizaram escolas alternativas, e ótimas, mas que atendem os mesmos que serão os planejadores da elite próxima, e sendo assim, também póstumos. Fiquemos então, apenas com os novos jovens professores, que apesar de jovens professores, não mudam nada, ou pouco mudam seus métodos (se é que se pode falar em métodos, talvez não seja a palavra adequada) de trabalho e apresentam-se completamente desmotivados para trabalharem.
Entendo que ensinar seja um ato de amor acima de tudo, afinal conduzir um conjunto de conhecimentos e informações, trocá-las, aprender junto, somar e proporcionar encontros não é tarefa fácil, portanto, é mais do que "dar a matéria" como dizem alguns ao definirem o ofício. Dar aulas é construir uma disciplina com a participação dos alunos e ter sensibilidade para perceber o quanto estão ou não todos aprendendo. Ensinar-aprender é conduzir de modo adequado os alunos para que se tornem Sujeitos em todos os sentidos. Escuto de alguns professores que isto é idealismo e que a falta de atenção do aluno é culpa da internet; da sexualidade explícita e gratuita; das celebridades; da televisão e de toda a sorte de produtos sedutoramente rápidos; e, é certo que é, afinal de contas as coisas mudam, e quem não muda é o professor, que por natureza é de uma geração passada, obviamente, porém nega as condições da nova geração; que não é uma geração pior do que a anterior; pois a frase: "no meu tempo..." serve apenas como sinal de que o orador está velho e percebe sua velhice; não serve para justificar o desinteresse destes novos alunos.
Mas, como o professor de hoje, que vive situação (segundo os próprios informam em suas reivindicações) de calamidade e pobreza pode mudar isto? Afinal de contas para proporcionar estas ações ele precisa ler, mas livros são caríssimos no Brasil; ele precisa ter acesso ao mundo, mas a internet é para médios e ricos do sudeste; ele precisa pensar, mas não tem folga, pois tem centenas de aulas há serem dadas; ele precisa de apoio, mas as escolas, muitas vezes, nem tem infra-estrutura; eles precisam estudar, mas escolas particulares são caras e as públicas não têm espaço, isto quando tem programas do relacionados ao público; eles precisam ter encontros, mas o único encontro é com a pobreza, com a desilusão, com a indignação, com a violência e com todas as mazelas da sociedade brasileira. Como pode proporcionar o aparecimento de alunos Sujeitos se ele, professor, não é sujeito? Participando de alguma ONG suíça que faz caridade em países do terceiro mundo? Participando de escolas particulares que ensinam a elite, mas pelo menos pagam melhor, e assim, quem sabe arrumará uma bolsa de estudos para seus filhos igualmente pobres? Salvem-se quem puder ou caridade?
Professor é aquele que não sai de nossa memória, que arranja sempre um tempinho para conversar ou atender seus alunos, é aquele que não faz avaliação, aquele que tem coragem de participar de mudanças ou provocá-las, aquele que tem vontade de falar durante as aulas, de ver os alunos participando, alunos descobrindo. Aquele que não se importa com estas coisas, não é professor, deve perceber sua verdade de produto sem vida, é apenas um proletário moderno; deveria ao menos entender sua condição e ter a dignidade de deixar de se anunciar como professor; deveria procurar outra profissão e restringir sua luta criando notas junto ao Ministério da Saúde: Professor ruim pode prejudicar sua saúde. E sabemos que o prazer de estudar depende muito da 'metodologia' adotada pelo professor, recursos como envolver acontecimentos e aplicações práticas do que se ensina é fundamental. O aluno não pode esperar trinta anos para descobrir, por exemplo, que matrizes servem para digitalizações de imagens usadas em tratamentos do câncer, associando matemática, computação e medicina.
Sim, nosso problema é conjuntural, é necessário contrapartidas do governo, da família, da escola, mas acima de tudo dos professores; vejo crianças de nove ou dez anos fazendo contas de adição com os dedos, e será que porque a escola não tem dinheiro? Será que porque esta criança fica muito tempo na frente de um vídeo-game? Não, claro que não. Qualquer pessoa cuja capacidade mental lhe permita aprender a escrever é também capaz de aprender somar sem necessitarem de habilidades ou talentos especiais; sim, sim, existem preferências, vocações, facilidades, ainda bem que não são todos que gostam da cor verde, mas sabemos que não é disto que escrevo.
Será necessária conscientização arraigada na cultura nacional, de que a educação, além de ser porta para transformar humanos em Sujeitos, é um direito que deve ser absolutamente garantido, é dever do Estado. As pessoas não precisam de milhares de igrejas, milhares de bares e cinemas, não precisam ter a melhor seleção de futebol do mundo e nem ser sede da próxima olimpíada em seu último suspiro de esperança para um futuro melhor. Os brasileiros não precisam de ídolos: Sennas, Robertos, Chicos, Lulas, Gugas e Pelés. Precisam de milhares de Sujeitos e não de alívios, precisam de ensino público, gratuito e de qualidade; este país precisa de livros, escolas e bons professores.
Um educador deve estimular os alunos a perguntarem tudo, tudo o que quiserem perguntar, tudo o que não entenderem, perguntarem sempre o porquê das coisas, perguntar e pensar, analisarem o que é certo, se não for, falar, discutirem possibilidades, analisarem o que é justo, e se não for lutar e mudar. Ensinar estes Sujeitos a buscarem o que for certo e justo, ensinar a estes alunos a serem disciplinados e entenderem que ser disciplinado não é ser obediente, pois quem obedece tudo sem pensar não presta, não tem espaço, não é cidadão, não têm direitos. O educador deve buscar as soluções que mais lhe agradam e precisa também buscar as soluções que mais agradam aos alunos.
Não precisamos de ONG´s suíças e nem de escolas particulares, precisamos de professores livres, de homens livres, esta classe deveria lutar por uma educação mais digna de modo mais alinhado e nacional, deveria parar de lutar por mendinquices em seus salários e lutar por condições justas; não se assistem greves de professores que não concordam com determinados temas da lei de diretrizes, nem sequer em movimentos municipais, o que dirá em movimentos nacionais. Precisam de organização e mobilização ampla, com igual amplidão de pauta, paralise por de dinheiro, sim, mas também por falta de livros, internet, borracha, lápis, seja lá o que for, mas lutem livres e não por dinheiro apenas, não aceitem poucas organizações, aceitem o país inteiro.
Sou levado a crer que é isto, justo o que o homem sequer pode compreender; para o homem e para a sociedade humana nunca houve nada mais insuportável do que a liberdade. Alimenta-os e então cobra virtude deles – eis o escrito na bandeira que está erguida; é preferível que nos escravize, mas nos dêem de comer, e aceitando os "pães" alguém haverá de responder a este tédio humano universal e eterno, tanto de cada ser individual quanto de toda a humanidade em seu conjunto: 'a quem sujeitar-se?'. Não há preocupação mais torturante e constante para o homem do que, estando livre, encontrar depressa a quem sujeitar-se. Mas, o homem procura sujeitar-se ao que é irrefutável, e irrefutável a tal ponto que de uma hora para outra todos os homens aceitam uma sujeição universal a isso. Porque a preocupação da criatura humana não consiste apenas em encontrar aquilo a que eu ou outra pessoa deve sujeitar-se, mas em encontrar algo em que todos acreditem e a que se sujeitem, e que sejam forçosamente todos juntos. Pois essa necessidade de convergência na sujeição é que constitui o tormento principal desde o início dos tempos [Dostoiévski].
Podemos concordar que se por um lado, os novos rumos da acumulação na nova ordem capitalista constroem, sem dúvida, um mundo mais excludente; temos que não permitir que tranqüilizem nossas consciências, e assim, não permitir que dominem nossa liberdade, e acreditar que o segredo da existência humana é só viver; daí criarmos novas alternativas para outro mundo sem negarmos este presente; para que assim, possamos criar Sujeitos neste país de miseráveis pacatos. www.opassaro.com
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'O que me surpreende na aplicação de uma educação realmente libertadora é o medo da liberdade. '
[Paulo Freire]