Superdotação e Educação Inclusiva

Por Julia Nascimento | 06/06/2016 | Educação

Um dos mitos resistentes em nosso imaginário é o do gênio incompreendido, um artista ou intelectual com talento tão acima do comum que as pessoas apenas alcançariam o sentido de suas realizações em gerações posteriores. Um exemplo sempre citado é o de Vincent Van Gogh, pintor que não vendeu o que produziu em vida, e cujas obras são hoje disputadas por museus e colecionadores.

Embora constitua uma generalização simplista, não podemos ignorar o grande número de artistas geniais que se envenenaram com drogas e álcool, e privaram o mundo de suas realizações cedo demais: Jannis Joplin, Cazuza, Polock, Tim Maia, Amy Winehouse, e tantos outros.

Uma derivação desta lenda é a referencia à inadaptabilidade social das pessoas abençoadas com capacidades muito acima da média em determinadas áreas. Isso pode ser consequência das suas próprias altas habilidades (intelectuais, criativas, cognitivas), o que no processo educativo é denominado superdotação.  

Embora menos abordado fora do espaço estrito das escolas, a superdotação constitui-se em aspecto delicado de nossa visão sobre educação. Nem sempre bem compreendido, e muitas vezes até estigmatizado, o portador de altas habilidades pode ser considerado um gênio, e ser idolatrado, ou um excêntrico, e ser execrado.

O que se sabe com certeza é que o sistema educativo pode interferir significativamente sobre a inclusão deste aluno, aproveitando em prol de toda a sociedade as suas características, ou, pelo contrário desadaptando esta criança ou jovem para a vida comunitária.

A precariedade ou até mesmo a ausência total de pessoas qualificadas para identificar, ou prover metodologia adequada para esta educação tem sido uma preocupação constante desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação na década de 1970, que coloca a educação especial como necessária não apenas àqueles com deficiências físicas, mentais ou múltiplas, mas também aos que apresentam superdotação. No entanto, pouco foi feito neste sentido, à exceção de uma inclusão um pouco forçada e sem os cuidados necessários aos “diferentes”; implantar programas destinados aos estudantes com altas habilidades esbarra inclusive na habilitação de docentes para sua correta detecção. A própria confusão entre alunos simplesmente hiperativos com aqueles superdotados é lamentavelmente comum, criando confusões e principalmente decepções em familiares e círculo social mais próximo; enquanto que o contrário leva muitas vezes à medicalização perigosa e desnecessária de jovens que poderiam representar inovação e avanços em diferentes áreas do saber.

Embora não obrigatoriamente, as altas habilidades costumam estar relacionadas também a certa criatividade, como em música, pintura, escultura, tecnologia e ciência, com novas formas de ver o mundo e realizar as tarefas cotidianas.

Vários estudos sobre adolescentes talentosos demonstram que a perseverança diante das dificuldades parece influir decisivamente na manifestação daquilo a que denominamos genialidade; assim como também a concentração, ou seja, o envolvimento que leva à total disponibilidade mental e/ou física para a realização de uma tarefa.

A questão parece centrar-se no equilíbrio entre os problemas que somos desafiados a solucionar e a capacidade que sentimos ter (ou podemos mobilizar) neste intuito; um desafio muito alto para uma baixa competência trará ansiedade, enquanto um desafio irrisório para uma grande capacidade de realização certamente trará tédio e desejo de afastamento desta atividade. Motivação, ou seja, um bom desafio apresentado a quem tem confiança na própria capacidade – e nisso vai uma boa dose de autoestima – parece ser o caminho mais adequado para a manifestação da inventividade, mas o caminho é longo para que o país atinja uma educação de qualidade.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.