Súmulas Vinculantes: legislação ou interpretação
Por Thales de Castro Torres | 03/07/2016 | DireitoSúmula Vinculante: Legislação ou interpretação? [1]
Paulo Ricardo Martins
Rogério de Sousa Teles
Thales de Castro Torres[2]
Gabriel Cruz[3]
SUMÁRIO: Resumo; Introdução; 1. Súmula Vinculante.; 1.1 Definição; 1.2 Origem; 1.3 Importância. 2. Criação e alteração das súmulas vinculantes; 3. Aspectos positivos e negativos das Súmulas; 4. Legislação ou interpretação; Considerações Finais; Referências.
RESUMO
A partir de informações elucidativas, primeiramente será feito um breve estudo acerca das súmulas, definindo-as, lecionando sobre sua origem e importância. Além disso, tratar-se-á do processo de criação e edição das súmulas, trazendo pontos aspectos positivos e negativos assim como os autores prós e contras desse dispositivo. E, enfim, depois de estudada, argumentos serão expostos para definir se as súmulas vinculantes são objeto de legislação ou interpretação do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Súmulas vinculantes; Poder Judiciário; Poder Legislativo; Funções típicas e atípicas; Normas; Enunciados normativos.
INTRODUÇÃO
O presente paper tem como pontapé inicial um estudo à respeito das Súmulas Vinculantes, no qual tem por objetivo confrontar a doutrina que diverge sobre tal instrumento, no que tange a sua real função, ou seja, confrontar a ideia de quem defende que as súmulas vinculantes não vão na contramão da obrigação do judiciário, pois a mesma não age legislando, mas interpretando, já que parte de uma decisão reiterada baseada nas leis; contra quem acredita que a súmula vinculante extrapola os deveres do judiciário pois além de decidir algo novo, ainda a torna vinculante aos demais, uma função típica do poder legislativo, e ainda, a súmula vinculante, para alguns, gera transtornos dentro do próprio judiciário, uma vez que fere também o princípio da inexistência de hierarquia entre os tribunais.
Todavia o paper percorrerá um longo caminho de estudos sobre a súmula vinculante, antes de confrontar a polêmica que à cerca. Estudar-se-á a relevância desse instrumento do judiciário, um apanhado histórico anterior a Emenda Constitucional nº 45/04, para entendermos onde/como surgiu. Além disso, abordar-se-á todos os requesitos de uma súmula vinculante, no que tange a sua criação, como legitimados para tanto, como ocorre esse processo e ainda a possibilidade de alterar uma já existente.
O trabalho terá outro momento polêmico, que apesar de não ser o foco, é de suma importância o estudo deste para um esclarecimento mais completo das súmulas vinculantes, o qual trata dos prós e contras das mesmas, esmiuçar-se-á a doutrina em busca disso, trabalhar as ideias, contrapondo-as, de o Judiciário ser uma máquina engessada ou de se tratar de uma forma de descongestionar os trabalhos de um Tribunal. E por fim, à luz de tudo que for exposto, tirar uma conclusão se há um rompimento com a tripartição de poderes e se as Súmulas Vinculantes são de matéria interpretativa ou legislativa.
- SÚMULA VINCULANTE
1.1 - DEFINIÇÃO
Em sentido amplo, uma súmula é o resumo do resultado dos julgamentos e de teses jurídicas que demonstram o posicionamento jurisprudencial reiterado e predominante nos Tribunais. Nas sábias e resumidas palavras de Nelson Nery Júnior “súmula é o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência dominante do tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados”.
A Súmula Vinculante, devido seu poder de vinculação, sobrepondo-se aos demais órgãos do poder judiciário, é de edição restrita pelo Supremo Tribunal Federal. Desta forma, os tribunais federais e estaduais, superiores tais como Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de justiça, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar, podem editar somente súmulas simples, sendo de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, além da súmula simples, a edição das súmulas vinculantes.
1.2 - ORIGEM
A súmula vinculante é produto de uma reforma no Judiciário ocorrida em 2004 com a Emenda Constitucional número 45. Com a Emenda, foi acrescida à Constituição Federal o artigo 103-A que consolida que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Porém, na década de 60 do século passado, a expressão súmula já havia começado a ser pronunciada pelo então ministro do STF Vitor Nunes Leal para designar, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo de maneira reiterada a respeito dos temas que se repetiam frequentemente em suas sentenças.
Lapidando o que o ministro Vitor Leal afirmara, Evandro Lins e Silva coadunou e simplificou que a súmula teria enfoque “primordialmente, a descongestionar os trabalhos de um Tribunal, simplificando e tornando mais célere o trabalho dos juízes na atividade jurisdicional. Servindo também como meio de informação e direcionamento a todos os magistrados e advogados que conheceriam as principais orientações dos Tribunais Superiores, sobretudo o STF sobre as questões mais frequentes que lhes eram apresentadas recorrentemente para julgamento.”
Vale ressaltar, todavia, que até tal ponto não se trata de súmula efetivamente vinculante. Ou seja, não possuindo efeito erga omnes. A partir do momento que a decisão passa a ter efeito vinculante, surge um instituto que não transcorre a nossa tradição típica do civil law, mas combina mais com o comon law anglo-saxão. É mister salientar, contudo, que o efeito vinculante já estava presente no direito brasileiro por meio do controle concentrado de constitucionalidade, já que em 1993 foi concedido o referido efeito vinculante às decisões proferidas pelo STF nas ações declaratórias de constitucionalidade.
1.3 - IMPORTÂNCIA
Apesar de parte de juristas se posicionarem de maneira contrária às súmulas, uma outra gama de operadores do Direito se posta numa posição favorável a elas, afirmando que seriam uma espécie de instituto racionalizador que traria uma maior certeza e previsibilidade das decisões judiciais, aumentanto com isso a segurança jurídica.
Outra série de juristas favoráveis às súmulas consideram que elas seriam uma forma de obtenção de uniformização da atividade legislativa e, consequentemente, desenvolvendo-se o princípio da isonomia.
E, por último, mas não menos citado como ponto positivo, é a celeridade das decisões provenientes das súmulas, pois permite-se respostas mais ágeis para questões idênticas que envolvessem uma grande quantidade de jurisdicionados, destravando não apenas nosso Supremo Tribunal, mas as instâncias ordinárias conjuntamente. Pois, como leciona André de Albuquerque Cavalcanti Abbud:
A excessiva sobrecarga dos órgãos judiciários, que lhes confere trabalho para além de sua capacidade de absorção, tem por resultado não apenas a demora na prestação jurisdicional, como ainda a diminuição da qualidade dos julgamentos.
- CRIAÇÃO E ALTERAÇÃO DAS SÚMULAS VINCUNLANTES
Em face às características citadas das súmulas em estudo, obviamente é de se imaginar que, para obter validade, as súmulas vinculantes devem seguir um intenso e peculiar percurso.
De acordo com o artigo 103-A da nossa Magna Carta, os seguintes requesitos são essenciais para que uma súmula seja editada:
- Reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, com a demonstração que há uma multiplicação de questões iguais à respeito do tema a ser explicitado na súmula;
- Aprovação por dois terços (oito ministros) ou mais dos membros da Corte, que pode agir de ofício ou mediante provocação;
- Dilema entre orgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública que provoque grave insegurança jurídica.
Além da criação, outro ponto que merece um devido cuidado é quando se fala em edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. Os legitimados para propor ediçãosão:
- Os mesmos legitimados da Ação Direta de Inconstitucionalidade presentes no art. 103 da Constituição Federal (o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; o Conselho Federal da OAB; partidos políticos com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal.);
- Além dos: Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça de Estados ou Distrito Federal, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Tribunais Militares e o Defensor Público Geral da União.
Além de todos esses orgãos citados, o parágrafo primeiro do artigo 3º da lei 11.417 legitima também os Municípios, no iter de processos e que eles sejam partes, a propor incidentalmente a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, todavia não autorizando a paralisação do processo.
- ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DAS SÚMULAS
A inserção da súmula vinculante em nosso ordenamento, ao contrário do que diversos doutrinadores alegam, não busca mitigar o princípio da independência da magistratura, nem sequer violar a Separação de Poderes - cláusula pétrea de nossa Constituição Federal – mas simplesmente visa promover a uniformização da jurisprudência, combater as demandas múltiplas e fornecer ao jurisdicionado a possibilidade de saber, antecipadamente, qual a decisão que o Poder Judiciário proferirá.
Relevante assinalar também que a súmula vinculante objetiva combater uma ocorrência frequente no sistema jurídico brasileiro, a chamada “loteria judiciária”, em que dependendo de qual magistrado receba o processo sua causa poderá receber uma decisão totalmente diferente, ou seja, o Judiciário não promove uma segurança jurídica à sociedade. Como ministra Alexandre de Moraes:
As súmulas vinculantes nasceram a partir da necessidade de fortalecer a idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de modo a possibilitar que seja assegurada a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário, não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.
Não precisa titubear para afirmar que o instituto em pauta não será a resolução de todos os problemas do Judiciário. Existem pontos fracos, entretanto, não estão entre eles a mitigação da independência da magistratura, a violação da separação dos poderes, nem o engessamento jurisprudencial.
A instalação de instituto novo no ordenamento jurídico sempre acarreta dificuldades de aplicação e o equilíbrio de prós e contras dá-se em face de um choque de princípios. Destarte, assim como o Direito não é absoluto, a independência do juiz também não é, deve ser pautada em critérios racionais. “A independência da classe no seu conjunto é mais ampla que a do juiz individual”. Até porque, caso a demanda consiga chegar até o STF, por Recurso Extraordinário, por exemplo, é o entendimento desta corte constitucional que irá prevalecer ao final. Portanto, não há sentido em esperar todo o trâmite recursal, que facilmente atingirá uma década, para se obter a mesma decisão que já poderia encerrar o processo na primeira instância por meio da aplicação de súmula vinculante.
Vale salientar que as súmulas terão aplicação apenas aos casos idênticos aos já enfrentados e com entendimento consolidado pelo STF. Deste modo, caberá àquele que se sentir prejudicado demonstrar que seu caso tem elementos fáticos diferenciados e que a sua demanda não deve ser decidida consoante o entendimento vinculativo proferido pelo STF. Da mesma forma, caso o juiz queira afastar a aplicação da súmula ao caso concreto, deverá fundamentar sua decisão, demonstrando que a lide em apreço não possui identidade com as demandas que consolidaram o posicionamento do STF.
Doutrinadores alegam que há violação à separação de poderes, entretanto, não é segredo que seu entendimento passou por vastas alterações desde o clássico paradigma de Montesquieu, sendo que verificamos situações em que há a atuação do legislativo como julgador e até mesmo do judiciário como legiferante, de forma que não há o que se questionar quanto a uma possível atuação legislativa do Judiciário, já que sua função principal não deixou, em momento algum, de ser a jurisdicional.
Além do exposto, os críticos alegam um possível engessamento da jurisprudência, porém tal sustentação é facilmente refutada a partir da Lei 11.417/2006 que previu as formas de edição, revisão e cancelamento da súmula, de forma que, se as mudanças sociais exigirem, existem meios próprios para se propor o cancelamento da súmula, ela não será eterna como os críticos buscam demonstrar.
De fato, a revisão ou cancelamento de uma súmula vinculante será um meio mais dificultoso de mudança da jurisprudência. Entretanto, esta é exatamente um dos pontos almejados pelo dispositivo, a uniformização da jurisprudência com a potencialização da segurança jurídica. Ressalte-se que a súmula vinculante é fruto de decisões amadurecidas e já estabilizadas, logo, não será necessária revisões constantemente.
- LEGISLAÇÃO OU INTERPRETAÇÃO?
Como já foi elucidado anteriormente, A Reforma do Poder Judiciário (EC nº45/04) tentou solucionar o problema da demora e da insegurança jurídica ao acrescentar o artigo 103-A à Constituição da República. Este artigo criou a súmula de efeito vinculante, assim o STF pode, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar súmulas com efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.
Em face do exposto, a partir de agora será feita uma análise para sabermos se o Judiciário estaria ou não exercendo indevidamente as funções do Poder Legislativo ao editar súmular vinculantes, já que estas são abstratas e gerais assemelhando-se às leis tradicionais.
Como pontapé inicial, pode-se afirmar a validade das súmulas vinculantes é inquestionável, uma vez que entraram no ordenamento jurídico brasileiro através de emenda constitucional, galgando todo processo solene em que participaram os poderes Legislativo e Judiciário, como cobra nossa Constituição no artigo 60.
O próximo passo tange a gama da separação dos poderes que, embora consagrada por Monterquieu na obra “O espírito das leis”, teve sua evolução com o passar dos anos, até a nossa CF de 1988 garantir que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”. Assim como o Conde de Montesquieu, Beccaria corrobora com a ideia de que as súmulas iriam de encontro com o princípio da separação dos poderes, uma vez que “o juiz não poderia interpretar a norma jurídica por não ser legislador”. Um pensamento totalmente obsoleto na hodiernidade!
Glauco Salomão Leite auxilia na refutação dos argumentos que seguem a linha de raciocínio de Montesquieu ao afirmar que:
o estabelecimento de metas e programas sociais, veiculadas por leis vagas e imprecisas, acarreta uma maior liberdade na interpretação jurídica por parte do juiz. Isso representa o alargamento da discricionariedade interpretativa, com a possibilidade de incremento da criação judicial do direito.
Essa discricionariedade citada por Leite diferencia-se da arbitrariedade, uma vez que esta última não possui limites, já a criatividade/discricionariedade impõe limites processuais e substanciais ao magistrado. E é exatamente nesses limites que podemos diferenciar a criação do Direito pelo Poder Legislativo e a criação do Direito pelo Judiciário, tendo em vista que em se tratanto de processo legislativo esses limites são inexistentes.
Poderia se chamar, portanto, em Judiciário legiferante usurpador de funções do Legislativo se as súmulas editadas não possuíssem a mínima conexão com casos concretos. E como ocorre exatamente o inverso disso, uma vez que um dos requisitos para criação de súmulas são as reiteradas decisões sobre uma determinada matéria, não é possível falar que os tribunais exercem competência legislativa.
Outro argumento capaz de defender que as súmulas vinculantes não são objetos de legislação provenientes do Judiciário pode ser concedido através dos conceitos de norma e enunciado normativo. Enquanto este é elaborado pelo Poder Legislativo, aquele é fruto de interpretações feitas das leis (enunciados normativos) presentes nos diplomas legais. Na acepção de Canotilho:
Deve distinguir-se entre enunciado (formulação, disposição) da norma e norma. A formulação da norma é qualquer enunciado que faz parte de um texto normativo (de <<uma fonte de direito>>). Norma é o sentido ou significado adscrito a qualquer disposição (ou a um fragmento de disposição, combinação de disposições, combinações de fragmentos de disposições). Disposição é parte de um texto ainda a interpretar, norma é parte de um texto interpretado.
Portanto, seguindo a linha de raciocínio do citado autor, conclui-se que, uma vez que as súmulas vinculantes são feitas a partir de decisões reiteradas acerca de determinada matéria constitucional, seu conteúdo é a interpretação feita pelo Supremo Tribunal Federal de enunciados normativos a partir de casos concretos.
Nossa Suprema Corte, portanto, não estaria legislando, pois como afirma Glauco Salomão Leite “o enunciado da súmula apenas sintetiza a essência do entendimento consolidado jurisprudencialmente pelo Supremo Tribunal Federal sobre determinada matéria” com objetivo de prover segurança jurídica. É interessante salientar ainda que o Legislativo pode criar leis de entendimento contrário às súmulas, já que não está vinculado ao seu efeito.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007
RESENDE, Aline Castello Branco. Súmulas vinculantes e usurpação de funções do poder legislativo pelo poder judiciário. Disonível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12777/sumulas-vinculantes-e-a-usurpacao-de-funcoes-do-poder-legislativo-pelo-poder-judiciario
TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007.
[1] Paper apresentado à disciplina Direito Constitucional I–Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB;
[2] Aluno do 3º período noturno, da UNDB;
[3] Professor, orientador.