Sujeito do desejo e cultura do consumo: uma leitura psicanalítica

Por FABIANA GUEDES PEREIRA | 28/05/2009 | Psicologia

Este trabalho foi desenvolvido buscando compreender qual é o lugar do sujeito e o desejo, no que tange, às relações que se estabelecem entre esse sujeito e a cultura do consumo. Para tanto, consideramos que cultura e sujeitos estão intimamente ligados, afetando-se mutuamente. O conceito de sujeito apresenta-nos como uma questão complexa que ultrapassa épocas e, no decorrer da história este já fora compreendido de diversas maneiras e, para compreendermos um pouco dessas mudanças na concepção do sujeito partiremos do sujeito do conhecimento para que este nos conduza ao sujeito do desejo, que é o que mais nos interessa. Este trabalho, portanto, está pautado em conceitos fundamentais para a compreensão do sujeito, além de oferecer uma explicitação de características predominantes da sociedade moderna.

A contemporaneidade tem assumido, assustadoramente, novas formas de enredo no que tange ao lugar do sujeito pós-moderno. Podemos pensar, inicialmente, no sentido que o corriqueiro dito popular nos traz 'tempo é dinheiro' e não 'tempo é construção'. Nesse sentido, o capitalismo aliado à globalização age com voracidade sobre os sujeitos envolvidos nessa trama, seja diante de questões econômicas, políticas, sociais ou subjetivas. Segundo Aguiar (2002) a globalização não pode ser pensada somente no sentido econômico, mas como um processo com ausência de fronteiras em todos os níveis. Essa ausência de fronteiras traz serias conseqüências para a sociedade e, em particular para o sujeito do desejo, pois simbolicamente, percebemos uma ausência de limites morais e éticos. Assim os valores são também transformados velozmente, parece que em sintonia com o surgimento desenfreado de novas tecnologias.

Neste sentido, podemos perceber que estamos diante de uma sociedade do consumo que segreda e individualiza, em outras palavras, uma sociedade narcísica.

O consumo, segundo Canclini citado por Mancebo (2002) pode ser definido como o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos. (CANCLINI apud MANCEBO, 2002, p. 327) para atender as necessidades de sobrevivência humana. Contudo, a atividade de consumir passou a ser o ponto central da existência [...] quando nossa capacidade de 'querer', 'desejar', 'ansiar por' e particularmente de experimentar tais emoções repetidas vezes de fato passou a sustentar a economia do convívio humano. (BAUMAN, 2008, p. 38-9). É a partir dessa capacidade experimentada repetidas vezes que o consumo adquiriu o status de consumismo. Dessa forma, compreendemos que o consumo diz respeito ao indivíduo, enquanto o consumismo é um atributo da sociedade.

O consumismo enquanto atributo da sociedade compreende um tipo de arranjo social produto da reciclagem de desejos, vontades e anseios dos seres humanos expressos de maneira rotineira. Segundo Bauman (2008) para que uma sociedade adquira esse atributo é necessário que a capacidade de querer, desejar inerente a cada indivíduo seja destacada, colocada para fora do mesmo para ser reificada por uma [...] força externa que coloca a 'sociedade de consumidores' em movimento e a mantém em curso como um forma específica de convívio humano. (BAUMAN, 2008, p. 41). A partir dessa ação específica a sociedade de consumidores estabelece parâmetros eficientes para as estratégias individuais além de manipular as possibilidades de escolhas e condutas individuais.

Na lógica do sistema capitalista de que a produção em massa também deve ser consumida em massa, o consumo assume várias vozes, ora como criador de produto e mercadoria e ora como criador de demanda. Ora, para que haja publico consumidor da mercadoria produzida compulsoriamente, cria-se a necessidade de formar também o consumidor, este que é diariamente assediado e 'violentado' pela cultura midiática. Assim, o capitalismo assume também uma posição de violentador racionalizado.

Nesta cultura pós-moderna o valor do produto, objeto ou mercadoria, não é mais baseado naquele valor apresentado por Marx, o da necessidade ou do prazer, mas um novo valor, o valor dos símbolos. O capitalismo investe, cada vez mais, nas produções de signos, imagens e sistema de signos e, não mais nas próprias mercadorias. Assim, os sujeitos sociais vão se produzindo, ou melhor, se (re)produzindo a partir de linguagem instituída pelo capitalismo através dos padrões de beleza, moda, jóias, bijuterias, marcas, família e, nem mesmo o sistema de ensino fica fora dessa dinâmica que a cada dia surgem mais e mais propostas de "formação" baseadas em transmissão de informações e não em produção de conhecimento, vendem suas mercadorias baseados nas supostas vantagens e benefícios, e não pela real necessidade. Nesse sentido, a cultura pós-moderna vem cada vez mais, congelando a sociedade e os indivíduos em virtude da acumulação de capital pelos donos dos meios de produção.

De acordo com Monteiro (2004),

o consumo é a nova ordem e a nova lei que eternizam o bem descartável, no seu tempo veloz, enquanto não chega a nova tendência, ditadas pelos interesses econômicos que tornam tudo substituível e superado, para a garantia de novos lucros. (MONTEIRO, 2004, p. 3)

Na sociedade do consumo a satisfação deve ser imediata, não há tempo para que a satisfação seja adiada e somente satisfeita num outro momento mais oportuno. É uma sociedade do agora, do sem fronteiras para mente. Se a satisfação é imediata, logo os objetos também tornam-se descartáveis e ao serem descartáveis precisam imediatamente serem substituídos o que implica em nada mais, nada menos do que uma acumulação, nunca vista antes, de toneladas de lixo. Lembramos que todo lixo tem que ser removido e, para a cultura em que vivemos isso não é um problema, mas uma solução, já que ela oferece serviços de remoção: de gordura, cicatrizes, rugas, odores, depressão, entre outros tantos que se listássemos 'consumiríamos' folhas e folhas.

Assim, o sujeito, na ilusão de ser livre para fazer escolhas vai se orientado através de propagandas e, assumindo uma posição objetalizada e alienante de si. É uma cultura do excesso, mais do ter do que do ser.

Para se manter perpétua a sociedade de consumo se orienta, por um lado, pela não satisfação dos desejos e, o método utilizado por ela são a depreciação e a desvalorização de um produto logo após seu lançamento no universo dos consumidores. Por outro lado, mesmo que de forma não tão explicita, é segundo Bauman (2008) a suposta satisfação da necessidade, desejo, vontade de maneira que através dessas surjam novas e mais novas vontades, necessidades e desejos.

A internalização dessas 'transmissões' capitalistas faz com que os sujeitos valorizem a si mesmos como o único bem e a alteridade fica à margem do desejo do outro, o bem descartável em detrimento do bem não descartável ou realmente necessário, pois é uma sociedade da imagem, ou seja, vale o que a imagem passa e não o conteúdo, por isso a necessidade de estar sempre trocando.

Para Monteiro (2004) o despertar do desejo pelo consumo é comum em todas as camadas sociais e, quem não pode satisfazer essas 'necessidades' acabam por se frustrarem. [...] A frustração também causa a 'doença dos nervos' que se manifesta nos corpos e no psiquismo dos enquadrados, dos que se resignam.. Sobre essa temática, Birman (2006) alerta para as novas formas do mal-estar se manifestar na contemporaneidade. Para ele o assedio dos excessos do mundo pós-moderno evidencia-se nos registros do corpo, da ação e do sentimento. Assim, [...] o mal-estar se transformou numa indagação ética para leitura das subjetividades contemporâneas. (BIRMAN, 2006, p. 174)

Portanto compreendemos que a posição do sujeito diante da cultura do consumo é uma posição de objeto frente ao desejo do Outro e, que as saídas encontradas são expressas através de sintomas cada vez mais ameaçadores para o sujeito. Pois o sujeito aliado à pulsão de morte entrega-se ao gozo de sentir-se livre numa sociedade que tem as chaves da prisão muito bem guardadas.