SUFOCO NO ÔNIBUS

Por Henrique Araújo | 11/09/2010 | Literatura

SUFOCO NO ÔNIBUS

Vida dura a do Manuel. Trabalho e só trabalho. Dia e noite. Um verdadeiro sufoco. Salário de fome. O Manuel se zanga, xinga todo mundo, mas o povo já se acostumou. Ninguém liga mais. Pobre que nasce pobre só morre pobre. O Manuel não queria, mas não tinha outro jeito.

Vez por outra Manuel viaja. Vai para uma outra cidadezinha perto. Vai procurar mulher, defeito de todo homem. Manuel gostava de mulher. Quem não gosta. Pra ele quanto mais melhor. Só que estava sempre na pior. Ia pro Areia, nome da cidade. Ele morava em Santana. São apenas 40 kms uma cidade da outra. Lá, Manuel dava panca de rico. Tomava cerveja, jogava sinuca, comia churrasquinho e na zona aprontava o maior ba-fá-fá. O povo já o conhecia. Todos estavam acostumados com o varão.

Num dia desse o Manuel foi pro Areia. Lá entrou no clube do Miro. Dançou muito com a meninada. Dançava bem o nosso Manuel. A bebida ajudava um pouco. E o Manuel bebia e bebeu. Creio não ter passado de um barril. E ficou tonto.Se já era molenga pra falar quando são, apingalhado é que a coisa fervia. Passou a contar estórias de lobisomens, que era isto, que era aquilo. Um outro bebum, mais entendido, não sei se em bebida ou em lobisomens, se intrometeu. Lá vem estória de mula-sem-cabeça, boitatá e o diabo a quatro. O Manuel teria que pegar o ônibus de meia-noite. Último carro a passar. Caso contrário teria que andar os 40 kms a pé. Pra um são já é difícil, imaginem para um bebum, inda mais o Manuel que dava 3 passos pra frente e 2 pra trás.

Um grupo de bebuns convida Manuel pra um churrasco. Era uma festa grande. Mulher demais. Forró às pampas. Manuel pensa um pouco, mas bebum não pensa e lá sai o homem. Chegando lá, observa o movimento. Gente como formiga, aliás mais gente que formiga. No Brasil onde há festa com comida e bebida de graça, não precisa convidar ninguém. Lá estava o Manuel.

Papo vai, papo vem, um amigo aqui, outro acolá.Manuel começa a dançar. Tira logo uma negrona doida e rodopia com ela. Todo mundo olha. Que casal mais estranho! E a negra ali agarrada ao Manuel. Ele se alegra e vai bebida pro bucho. E dança de novo. Começa a suar, tanto ele como a negra. E o calor e a bebida e o mundo rodando. Dez horas da noite. Vem o churrasco. Carne de porco das boas e muita. Manuel entra no porco, aliás o porco entra nele. Bebum comendo já é uma coisa, imaginem comendo porco. Manuel se lambuza todo. Ninguém sabe mais quem é o porco, se o porco ou se o Manuel porco. Só há uma diferença, não tem porco bebum e sim bebum porco. Come demais o Manuel. Toma mais uns tragos e volta pro ponto de ônibus. Lá chega o cata-jegue e Manuel parte. Dorme um bom sono, mas acorda logo com dor de barriga. Manuel quer descer, precisa descer. Quer cagar. No ônibus não tem privada, aliás toalete . Fala com o motorista que prazeirosamente pára o carro e espera. O Manuel esvazia a barriga. Que felicidade! Está no céu o Manuel. Livrou-se de um grande incômodo. Volta pro carro e o motorista segue em frente. Senta de novo o Manuel. Andam um pouco, mas com a estrada esburacada e com os baques do ônibus o porco faz efeito rapidamente na barriga do Manuel. Quer descer de novo. O motorista pára. Que alívio! Motorista bonzinho este. Manuel faz suas obrigações e volta. O motorista continua a viagem. Andam bastante, mas o porco ataca de novo. Corre o Manuel.O motorista já fica cabrolho. Diz que é a última vez. Que o Manuel faça tudo de uma vez e não fique cagando aos poucos a moda minhoca. Ele estava ali para carregar pessoas e não cagão. Manuel desceu sem reclamar, esforçou-se para cumprir as ordens do motorista. Conversou com as tripas. Provavelmente as lombrigas que estavam nas tripas do Manuel ficaram doentes. Já imaginou ter que tomar um barril de pinga e completar o restante com toucinho de porco? Não há lombriga que aguente. Volta o Manuel pro ônibus. Até dorme um pouco, mas o porco não lhe dá sossego. Manuel segura, mas não aguenta. É preciso livrar-se disto imediatamente. Manuel vai até o motorista que não para. Pára aí. Não páro. Pára. Não páro. Não pára? Então vai ser aqui mesmo brrr...Manuel deixa sair toda a merda ali mesmo. Estava bem na frente, ao lado do motorista. Tudo enegreceu no ônibus. Só se via negro tapar o nariz e abrir as janelas. Mulheres colocavam lenços na cara, alguns punham o rosto pra fora. Muitos deles vomitavam. O toca-fita dos playboys emudeceu na hora. Mulheres que fofocavam a vida dos outros, fecharam a matraca. O motorista com o nariz e a boca tapados quase entrou embaixo de uma jamanta. Quase jogou o ônibus no rio, pois a catinga era demais que escureceu os olhos dele.As luzes da cidade apareceram. O carro chegou ao destino. Pára. Saiu todo mundo correndo do ônibus com medo do homem cagado. Alguns esqueceram até as malas. Teve um que esquece até a mulher.

Manuel vai descendo de perna aberta, bem devagar. Não sabe onde por a cara. Que vergonha! E agora, Manuel? Como será a fofoca amanhã? Vai direto para casa. Nem entra. Toma banho lá fora mesmo. Lava a roupa pro povo da casa não desconfiar. Entra bem de mansinho. Vai direto para a cama. Bate raivoso no travesseiro. Está revoltado o Manuel. Que azar! Por que o Manuel só sai por baixo. Nada de que faz dá certo. Será que não é filho de Deus?