SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA BIOLÓGICA....

Por Dérick Macêdo Silva | 07/11/2016 | Direito

SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA BIOLÓGICA: DIREITO DE PROPRIEDADE SUCEDIDO E O DIREITO À FAMÍLIA CONCEDIDO[1]

Dérick Macêdo Silva[1]

Paulo Silas Pereira Boás[2]

Anna Valéria de Miranda Araújo Cabral[3]

RESUMO

O objetivo geral deste trabalho é conhecer e debater acerca da sucessão testamentária biológica e sua aceitação. Para tanto, far-se-á, inicialmente, uma abordagem sobre os principais pontos do direito sucessório, analisando seu conceito, fundamento e espécies, focando-se, no que tange a estas, em sua espécie testamentária. Visto tais pontos, conhecer-se-ão os direitos de propriedade e à família, pois se farão como armas a serem utilizadas no enfoque central do trabalho. Dando continuidade, adquirida a base necessária para uma eficaz discussão, relatar-se-á como adveio a ideia da sucessão testamentária biológica e os pros e contras de sua utilização.

INTRODUÇÃO

De que adiantaria à pessoal almejar progresso patrimonial se, com sua morte, tudo se esvaísse, quer dizer, se, com sua morte, não se transmitisse suas conquistas para quem o falecido quisesse privilegiar? A resposta seria “nada”. Assim sendo, o direito de sucessões, dentre as inúmeras características que se mencionará mais adiante, possibilita que as lutas pela preservação e acréscimo patrimonial não sejam em vão. Com a successio causa mortis, tem-se um porquê de lutar, e este porquê favorece não só o indivíduo, mas também a sociedade, pois, com pessoas buscando melhorias, impulsiona-se seu quadro socioeconômico.

Todavia, ante o avanço principalmente tecnológico e científico e a impossibilidade do direito como um todo prever toda e qualquer situação, algumas situações vão aparecendo e requerendo mudanças/adaptações jurídicas. E, quanto ao âmbito do direito sucessório, certamente não se foge à regra, encaixando-se perfeitamente a sucessão testamentária biológica como uma delas.

Com o progresso que se vem tendo no contexto medicinal, faz-se possível o congelamento de gametas para seu uso após um bom período transcorrido. Não se tem por incomum esta prática, havendo n motivos para sua ocorrência, e inclusive já se encontra amparada juridicamente. O problema que surgiu recentemente não diz respeito ao ato de congelamento, mas sim na disposição do gameta depois de congelado.

Foi dito que o gameta congelado pode ser utilizado ainda que transcorrido um bom tempo. Assim sendo, pode ocorrer de um indivíduo congelar seu material genético e depois de um curto período morrer. O material congelado ainda possui condições de uso, mas seu autor já faleceu. É exatamente aqui que entra a questão da sucessão testamentária biológica. Através do testamento, o autor dispõe deste material a um sucessor, mas se indaga se tal material se enquadra dentre os bens constituintes do patrimônio passível de sucessão.

Ora, o indivíduo não possui o direito de propriedade sobre seu material genético congelado? E sendo o direito sucessório a transmissão da propriedade, estando intimamente relacionado ao direito sobre esta (direito de propriedade), como se verá mais a frente, aquele direito não incide sobre este material? E a família? Impossibilitar-se-á que o sucessor tenha direito de formar uma família com o material congelado? São estas perguntas que se objetiva responder, constituindo-se o enfoque do trabalho.

1 DIREITO DE SUCESSÃO: CONCEITO, FUNDAMENTO E ESPÉCIES

Não seria muito promissor debater acerca da sucessão testamentária biológica sem sequer saber em que consiste a sucessão, o direito sucessório, quais suas características, ou seja, sem se ter ao menos o mínimo necessário de conhecimento para o debate.

Sucessão, na acepção da palavra, pode ser dada a partir de uma visão ampla ou de uma visão estrita. “Em sentido amplo, indica a passagem, a transferência de um direito de uma pessoa (física ou jurídica) para outra. A relação jurídica inicialmente formada por determinados titulares passa, pela sucessão, a outros” (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 21). Enquanto que “emprega-se o vocábulo sucessão em um sentido estrito, para identificar a transmissão do patrimônio apenas em razão da morte, como fato natural, de seu titular, tornando-se o sucessor sujeito de todas as relações jurídicas que àquele pertenciam” (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 22). E é justamente neste sentido, no estrito, que se têm o Direito Sucessório.

“O direito das sucessões, como ramo do direito civil [...], trata exclusivamente da sucessão decorrente do falecimento da pessoa” (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 22), ou seja, trata exclusivamente da sucessão em sentido estrito.

Podendo ser chamado também de direito hereditário, o direito sucessório apresenta inúmeras características, abrangendo inclusive algumas pertencentes à sucessão em sentido amplo.

Como já exposto, tratando-se da sucessão em ambas as acepções, tem-se a transmissão da titularidade da relação jurídica, porém sem modificação de seu objeto, e, novamente se valendo das palavras de Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2014, p. 22, grifos do autor):

A transmissão pode ser da totalidade dos direitos, identificando-se, nesta situação, a sucessão a título universal, ou limitada a um ou alguns direitos, quando então se diz que a sucessão é a titulo singular, sub-rogando-se o novo sujeito neste caso, apenas nos direitos e obrigações decorrentes da relação jurídica transmitida.

Vale mencionar que no direito sucessório ocorre a successio causa mortis, diferentemente da sucessão em sentido amplo, na qual ocorre a successio inter vivos, obviamente porque naquela o titulas a ser substituído morreu, enquanto nesta não. Todavia, ambas podem ocorrer por determinação legal ou por convenção dos titulares.

Pois bem. Viu-se que o direito sucessório trata exclusivamente da sucessão em sentido estrito, podendo ocorrer a transferência dos direitos por determinação legal ou convencional (vontade dos titulares) e a título universal ou singular. Entretanto, as características do referido direito não param por aqui.

Consagrado pela Constituição Federal, mais precisamente no inciso XXX de seu artigo 5º, o direito em análise se qualifica como direito e garantia fundamental. Ademais, encontra-se regulamentado pelo Código Civil, em seu Livro V, nos artigos 1.784 a 2.027, sendo dividido em Sucessão em geral (Título I), Sucessão legítima (Título II), Sucessão Testamentária (Título III) e Inventário e partilha (Título IV); e por legislação esparsa. Devido ao enfoque do debate, ressaltam-se as principais características apenas da terceira sucessão.

“A sucessão testamentária [...] consiste em um ato de última vontade representado pelo testamento elaborado pelo autor da herança, na forma e condições estabelecidas na lei. Nesta hipótese, não é a lei, mas a pessoa que elege seus sucessores” (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 45), sendo que “o patrimônio endereçado pelo testador ao seu sucessor constitui o que se designa por herança” (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 261).

De acordo com todo o transpassado pelos dois autores supramencionados acerca da sucessão testamentária e em conjunto com o explicitado nos artigos do Código Civil, pode-se afirmar que o testamento consiste em um negócio jurídico personalíssimo e unilateral, revogável, por meio do qual o titular dispõe do seu patrimônio para depois da morte e faz outras declarações de vontade (patrimoniais e não patrimoniais). Ademais, possui eficácia causa mortis e deve obedecer às formalidades legais, tanto ao modo de elaboração quanto ao disposto pelas cláusulas testamentárias. Ressalta-se também que o testamento requer que quem o elabore possua capacidade testamentária ativa, quer dizer, capacidade para elaborá-lo, e quem for incumbido de receber algo (herdeiro ou legatário) possua capacidade testamentária, porém, passiva.

Por fim, dando procedência às características do direito sucessório, uma de extrema importância consiste exatamente no porquê de sua existência. Este direito, como já mencionado, trata da transmissão do patrimônio do falecido e, assim sendo, ora se fundamenta, ora complementa o direito fundamental de propriedade.

A transmissão causa mortis é a decorrência lógica da propriedade, tal como caracterizada, dentre outros aspectos, pela perpetuidade e estabilidade da relação jurídica formada; ou, sob outro ângulo, é o complemento do direito de propriedade prolongando-se além da morte do seu titulas. (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p 24)

No mesmo sentido, tem-se também:

A morte não finda a propriedade, mas tão somente o direito do proprietário sobre a coisa, que se transmite, em seu domínio, automaticamente em favor dos sucessores legítimos e testamentários por ventura existentes (doirt du saisine). (LISBOA, 2012, p. 205, grifos do autor)

Em outras palavras, com o direito sucessório, pode-se ratificar a existência e eficiência do direito de propriedade, dando-lhe continuidade, pois este apresenta como característica a perpetuidade, que significa justamente a transmissibilidade post mortem.

Ainda, amparando-se na ideia transpassada por Silvio Rodrigues e Washington de Barros Monteiro acerca do direito de sucessão, o supramencionado autor complementa seu raciocínio afirmando que, com tal direito, valoriza-se não apenas a propriedade, mas também “o interesse individual na formação e avanço patrimonial, estimulando a poupança e o desempenho pessoal no progresso econômico, fatos que, direta ou indiretamente, propulsionam o desenvolvimento da própria propriedade” (CAHALI; HIRONAKA, 2014, p. 24).

[...]

Artigo completo: