SPINOZA E NIETZSCHE, COMPANHEIROS DE SOLIDÃO

Por Vera Borba | 28/03/2011 | Filosofia

Apesar de Spinoza e Nietzsche, construírem a imanência a seu modo, respectivamente os seus postulados ontológicos possuem tanto na prática como na ética, um equivalente ponto de vista, uma vez que voltados para a ação: a clausula ontológica da imanência que define a substância infinita de Spinoza, corresponde a uma potência de pensar, de existir. da mesma forma que em Nietzsche temos a imanência da vida no sentido ontológico correspondente á maneira de viver em que favorece a afirmação da vida.
Spinoza e Nietzsche representam, cada um a seu modo, pedras de tropeço na marcha triunfal da racionalidade emergente na modernidade, tanto em seu apogeu, no século XVII, quanto no esgotamento de suas virtualidades, ao final do XIX. Suas filosofias ousaram pensar a partir de uma perspectiva que fora posta sintomaticamente à margem de toda a história tradicional da filosofia: a perspectiva da imanência e da afetividade.
Estudar a contribuição destes pensadores, requer que trilhemos um caminho inevitável, que é o de analisar com rigor filosófico a crise da modernidade e a própria contemporaneidade, em sua continuidade e ruptura com aquela, a fim de buscar alternativas inovadoras para os problemas filosóficos, existenciais e sociais atuais.
Tanto o filósofo holandês, filho de pais portugueses, Benedictus (ou Baruch) de Spinoza (Amsterdã, 1632 - Haia, 1677), quanto o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (Röcken, 1844 - Weimar, 1900), foram incompreendidos em vida e tidos como malditos ao longo da história da filosofia. O próprio Nietzsche listou seis pontos de proximidade entre sua filosofia e a de Spinoza em sua célebre carta a Franz Overbeck, postada no dia 30 de julho de 1881, onde diz ter em Spinoza seu único precursor, e que a partir de então sua solidão passava a ser uma dualidão. Quais sejam: fazer do conhecimento o mais potente dos afetos (portanto, considerá-lo como um afeto); negar o livre- arbítrio; negar a teleologia e as causas finais; negar a ordem moral do mundo; negar o desinteresse; negar o mal. Cada um destes itens nos instiga, enquanto estudiosos da filosofia, duplamente: são a base de um pensamento ousado, que se opõe à tradição filosófica da forma mais radical, fundando o interesse filosófico pela imanência; e, ponto que decorre do primeiro, pelo fato de virem de dois filósofos distantes entre si em mais dois séculos, e ainda mais de nós, e no entanto constituírem propostas filosóficas que nos são, nos dias de hoje, extremamente atuais e que continuam sendo de vanguarda. Afinal, ainda mais do que novos pontos de doutrina, Spinoza e Nietzsche inauguram novos modos de pensar e de filosofar. Ambos filosofaram contra seu tempo, em favor de um tempo por vir. Símbolo de ousadia e coragem. Com pensamentos que ultrapassaram fronteiras interditadas do conhecimento intelectual de nossa época, assim é a filosofia de Spinoza, em relação ao poder teológico e político. Ele examinou a natureza humana e seu imaginário, desvendou como as paixões de medo e esperança são paixões fundadas na dúvida. Afirmou que qualquer ser humano está sujeito a elas. Assim, elas transformam-se em poderosas ferramentas para sustentação de um poder bastante específico: a superstição. Diz em sua obra "ética" que o medo e a esperança são as paixões fundadas na dúvida que qualquer ser humano pode ter em relação a seu futuro, Entretanto é pela ignorância , que o se humano é levado a vaguear entre o medo e a esperança. Mas tanto um quanto o outro são frutos do desconhecimento. Isto sustenta os mistérios teológicos, milagres e o segredo da vontade divina. Portanto, o que sustenta tal fenômeno é a ausência de conhecimento das causas naturais que comandam o universo, que por ser regido por um Deus que é onisciente, onipresente onipotente e transcendente tudo está em perfeita ordem, apenas e por não conhecer as causa dedas próprias ações e seus efeitos, as pessoas são vulneráveis á tais sentimentos.
Com ousadia Spinoza denuncia a superstição como sendo alienante e desumana, mas admite que deve-se ter coragem para se livrar destas amarras: por ser mais confortável acreditar no amparo e conforto divino, do que desvendar o real e admitir, que é parte da natureza e que o bem e o mal não são valores absolutos, mas relativos a uma construção social, e entender a realidade como ela é. Afirma ser esta a verdadeira liberdade.
Para Nietzsche, a oposição entre bem e mal é uma característica da moral dos escravos, agora dominante. Os aristocratas desprezavam o rebanho como mau, mas os escravos, com maior malevolência, condenaram os aristocratas não apenas como maus, mas como demoníacos. Deve-se lutar contra a dominação da moral dos escravos: seguir em frente é transcender os limites do bem e do mal, e introduzir uma segunda transmutação dos valores. Tendo a capacidade de fazer isso, erguer-se-á, como síntese da tese e antítese do senhor e do escravo, o Super-Homem.
O Super-homem será a mais elevada forma de vida. As pessoas começam a aperceber-se, diz Nietzsche, de que o Cristianismo é indigno de crença e de que Deus está morto. O conceito de Deus foi o maior obstáculo à plenitude da vida humana: agora somos livres para exprimir a nossa vontade de viver.
As diferenças existentes entre Spinoza e Descartes, assim como as existentes entre Nietzsche e os pós-kantianos, de quem um e outro partira e se distanciara, informam sobre esta proximidade e nos permitem considerar as filosofias de Nietzsche e Spinoza como precursoras das filosofias imanentistas contemporâneas.
A proximidade se dá através da imagem do pensamento, lançada pelos dois pensadores: a imanência. A comparação feita entre o Paralelismo ontológico em Spinoza e vontade de potência em Nietzsche, evidenciando o papel central conferido ao corpo. A unanimidade de pensamento sobre o repudio a ordem moral do mundo e afirmação de uma ética voltada para a imanência. Imanência e transcendência. Exemplificando : Kant imanência contradizendo com o pensamento de ambos, levando a imanência mais longe, não fazendo acordo com a representação, portanto, imanência pura, isto é, não tirar o pensamento de seu próprio plano, é o que mais aproxima Spinoza de Nietzsche. Em Spinoza temos o caráter imanente da substância divina e em Nietzsche a vida como princípio imanente.
Para Nietzsche não existe nada superior à vida. E todas as coisas estão no mesmo plano dela, não havendo privilégios nem para os seres humanos. E existem duas formas de a encararmos: a primeira é pela renúncia, ou fuga, configurando-a como valor negativo, negando-a, ou aceitá-la como ela é tomando uma atitude positiva diante dela. Negar á vida quer dizer não suportar viver no mesmo plano que ela, porque para a essência humana é muito perigosa a existência do plano da vida, pois quando o homem não consegue suportá-la como ela é, pode falseá-la e levá-la para o transcendente, cria para si valores superiores para aliviar suas tensões e medos.
Pelo próprio plano de imanência nietzscheano, esta conquista de Spinoza, seria homenageada, pois ele critica todo o conceito de vida retratado pela história da filosofia. O conceito de Nietzsche sobre a imanência, é aquele em que a maioria dos pensadores deixam enrustido e sufocado pelos valores superiores à vida. Isto é, sua filosofia pode ser resumida em dois grandes passos: revelar que debaixo de todo o pensamento existem torções e adulterações que o plano da vida sofre com a suspeita do plano da imanência. Dar prioridade aos pensamentos da vida que respeite a imanência do pensar transmitida por toda a história da filosofia, que defendia que a vida é impossível de ser vivida por ser tão sofrível a ponto de ninguém conseguir vivê-la sem ter ilusões ou esperanças.
A obra de Spinoza e Nietzsche instigam a nós, estudiosos da filosofia, pois constituem a base de um pensamento ousado e radical. Suas propostas se mostram extremamente atuais, e de vanguarda mesmo nos dias de hoje, o que motiva a cotejar a filosofia destes dois pensadores maiores de nossa história, de modo a evidenciar não apenas suas proximidades mas também suas eventuais divergências
A leitura da obra destes dois grandes pensadores, exige que se abandone todos os tipos de preconceitos e refúgios, para então, compreender a natureza humana, que faz parte do todo que está no seio da Natureza, para Spinoza e a força da vida e para Nietzsche. Segundo Spinoza isto é muito perigoso.