SORRIA
Por Romano Dazzi | 23/05/2009 | Crônicas
SORRIR?
De Romano Dazzi
- Sorria! dizem os anúncios – Sorria! Você está sendo filmado!
Sorria, ria, dê sonoras e gostosas gargalhadas!
Todos pedem que você ria: e se agitam, fazem caretas, estripulias e trejeitos, para arrancar um sorriso, ou uma risada de você.
E por que não?
Afinal, a vida não é mais do que uma curta e engraçada comédia, um espetáculo de circo, cheio de trapezistas e dançarinas, de palhaços e equilibristas, de feras e domadores, de mágicos e atiradores de facas. E que facas, às vezes!...
Basta ter olhos e ouvidos atentos para perceber um picadeiro armado em cada esquina, em que nós somos tanto atores quanto platéia; ora um, ora outro; e quando assistimos ao espetáculo que outros fazem, sorrimos, rimos, e chegamos a gargalhar gostosamente.
Ria, porque assim você exercita, com um mínimo de trabalho, os seus músculos faciais; ria, porque rir é o melhor remédio, o mais barato e eficiente, disponível a qualquer hora do dia ou da noite; ria, porque rir desopila o fígado, desentope as coronárias, abre o aparelho respiratório. Ria, finalmente, porque, contra os males desta vida não existe, de verdade e pensando melhor, remédio algum.
Mas enquanto todos lhe pedem para rir, permito-me oferecer-lhe uma modesta e humilde sugestão: Não se esqueça de chorar.
Preocupados em rir, deixamos de chorar, de nos chocar, de nos envolver, de nos comover; deixamos de sentir, de apreciar, com a alma aberta e o espírito em paz, todas as coisas simples e boas, que o dia – qualquer dia – nos oferece.
Não choramos mais; não temos mais lágrimas.
Lembro que, quando ainda criança, meu Pai lia para nós uma história a cada noite, antes de adormecermos. Cada noite se abria a cortina sobre uma nova aventura: tocante ou engraçada, patética ou soturna; torcíamos e participávamos da vida dos “nossos” heróis, roíamos as unhas, bebíamos as suas palavras e seus gestos e acabávamos sempre chorando, de alegria com as suas maravilhosas vitórias, de pena com as suas inevitáveis derrotas.
E aprendíamos com elas como seria, mais tarde, o nosso próprio caminho....
Naquele tempo, a gente chorava muito, me lembro bem .
Quando uma criança nascia, a família chorava – e que melhor prova que esta, do amor que desde aquele momento a criança receberia, ao longo de sua vida, por parte de todos?
Nos casamentos, a gente respirava a atmosfera, acariciava o vestido da noiva, se deixava embalar pelo sermão e finalmente, quando a marcha nupcial explodia, caia no choro.
Bobagem? Não. Participação, presença, comoção sincera e entrega total aos sentimentos.
Hoje não se chora mais. Difícil ver pessoas sinceramente comovidas, chorando em um velório. O último adeus já foi dado há anos, desde o tempo em que cada um se fechou em seus problemas e tentou sobreviver por si – e já tinha o bastante em preocupações para querer carregar também as dos outros.
Então, não lhe peço somente que ria, mas que reaprenda a chorar.
Reaprenda a se comover com as pequenas coisas, a observar com amor uma flor, uma borboleta, um passarinho, a parar as suas tão importantes tarefas, para apreciar um pôr-do-sol, e a comungar com todas as coisas bonitas que estão à nossa volta.
Chore sempre que tiver vontade, mesmo nos breves seus momentos de paz; nos instantes fugidios de alegria, nas horas de satisfação, olhando o que realizou, quando a sensação do dever cumprido lhe trouxer uma noite tranqüila.
Chore de comoção e orgulho, ao ver o primeiro passo do seu filho, ao ouvir as suas primeiras palavras.
E depois, a cada aniversário, a cada etapa vencida, a cada pequena realização, abra a alma e deixe que as lágrimas a lavem e a enfeitem, como se lava e enfeita um salão, ao prepará-lo para a festa do dia seguinte.
Sorria, ria, dê gostosas e barulhentas risadas; mas não esconda as lágrimas, quando elas vierem. Sinta-se feliz por poder chorar; porque as lágrimas são a mais pura e a mais profunda expressão do nosso equilíbrio interior.