Somos Convocados a Sofrer como Lavradores
Por george ferreira | 27/01/2009 | Bíblia·II Tm 2:6-7 O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a gozar dos frutos.7 Considera o que digo, porque o Senhor te dará entendimento em tudo.
Perpassa esta epístola uma linha mestra, que Paulo, certamente, não queria que Timóteo ignorasse — o lugar estratégico da Palavra de Deus na vida dele. Vinte referências são feitas a essa revelação gloriosa procedente do céu, identificando-a por quinze expressões diferentes: "vontade de Deus" (1:1); "o testemunho de nosso Senhor" (1:8); "o evangelho" (1:8, 10); "o padrão das sãs palavras" (1:13); "o bom depósito" (1:14); "meu evangelho" (2:8); "palavra de Deus" (2:9); "palavra da verdade" (2:15); "a verdade" (2:18, 25; 3:7, 8; 4:4); "a fé" (3:8); "as sagradas letras" (3:15); "Escritura é inspirada por Deus" (3:16); "a palavra" (4:2); "sã doutrina" (4:3); "a proclamação" (4:17).
Tendo o atleta de competir com honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente, extenuantemente, prosaicamente. O sucesso na lavoura só é conseguido com muito sofrimento e trabalho. Isso é verdade particularmente em países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanização moderna. Em tais circunstâncias, o sucesso da exploração agrícola depende tanto do suor como da habilidade. Mesmo sendo o solo pobre, o tempo inclemente, ou estando o lavrador indisposto, este deve permanecer em seu trabalho. Uma vez posta à mão no arado, não há que olhar para trás. Ao contrário do soldado e do atleta, a vida do agricultor é totalmente desprovida de emoção, distante de toda fascinação decorrente do perigo e do aplauso.
Contudo, a primeira parte da colheita pertence ao lavrador que trabalha. É seu direito! A boa produção deve-se mais a seu esforço e perseverança do que a qualquer outro fator. É por isso mesmo que o preguiçoso jamais será um bom agricultor, como ressalta o livro de Provérbios. Ele sempre porá a perder sua colheita, talvez por dormir quando deveria esta colhendo, talvez por ter sido pouco ativo no lavrar a terra no outono anterior, ou talvez por permitir que os seus campos se cubram de urtigas e espinhos (Pv 10: 5; 20:4; 24: 30-31). A que espécie de colheita se refere o apóstolo? Duas interpretações apresentam maiores evidências bíblicas.
Primeira, a santidade como colheita. Verdadeiramente, a santidade é "fruto (ou colheita) do Espírito", sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que fazer a nossa parte. Temos de "andar no Espírito" e "semear no Espírito" (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos, para fazermos a colheita da santidade. Mui¬tos cristãos surpreendem-se por não verificarem, em suas vidas, crescimento na santidade. Será que estamos negligenciando o cul¬tivo desse campo que é o nosso caráter? "Pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6: 7). Como J.C. Ryle enfatizava repetidas vezes em seu notável livro Santidade: "não há prêmio sem esforço". Por exemplo: "Jamais abandonarei a minha convicção de que não há progresso espiritual sem esforços. Não creio no sucesso de um agri¬cultor que se contenta em apenas semear os seus campos, abandonando-os em seguida até a colheita, assim como não creio ser possível que um crente alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica, em suas orações e no bom uso dos seus domin¬gos. Nosso Deus é um Deus que se importa com os meios, e nun¬ca abençoará a alma de quem se julga ser tão elevado e espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles". Na expressão de Paulo, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos". E a santidade é uma colheita.
A segunda interpretação é que a conquista de conversões é também uma colheita. "A seara na verdade é grande", disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e receber o evangelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13). Nesta seara é claro que "é Deus quem dá o crescimento" (1 Co 3: 6-7), mas ainda assim não temos a liberdade de ficar à toa. Não só isso, mas tanto a semeadura da boa semente da Palavra de Deus como a colheita são trabalhos duros, especialmente quando há poucos trabalhadores. Com muito custo almas são ganhas para Cristo, não com a engenhosa e automática aplicação de uma fórmula, mas com lágrimas, suor e dores, e especialmente com oração e sacrifícios. Novamen¬te, o "lavrador que trabalha" é que pode esperar obter bons resultados.
Este ponto de que o serviço cristão é um trabalho árduo é ho¬je tão impopular em certos círculos de cristãos festivos que sinto ser necessário sublinhá-lo com vigor. Já mencionei que o verbo significa "labutar, mourejar". Arndt e Gingrich apontam que, antes de tudo, o sentido é o de "cansar-se, fatigar-se", ou seja, "trabalhar arduamente, exaurindo todas as forças com o traba¬lho pesado; empenhar-se, esforçar-se". Tanto o substantivo Kopos como o verbo kopiaö foram termos favoritos de Paulo, e talvez nos seja salutar saber que ele cria ser necessário ao serviço cristão tão grande empenho.
Depreende-se que esse verbo pode ser empregado com refe¬rência ao trabalho manual, e Paulo aplicou-o ao seu serviço de confeccionar tendas. "E nos afadigamos", ele escreveu, "trabalhando com as nossas próprias mãos" (1 Co 4: 12; cf. Ef 4: 28; 1 Ts 4: 11). Mas, em seu modo de ver, o trabalho espiritual envolvia também muito esforço. Ele reconhecia de imediato a de¬dicação das pessoas, tendo enviado saudações especiais no final de sua carta aos Romanos, "a Maria que muito trabalhou por vós" e "à estimada Pérside, que também muito trabalhou no Senhor" (Rm 16:6, 12b). Não que dos outros Paulo esperasse mais do que ele próprio podia dar de si mesmo. Suas labutas pelo evangelho eram fenomenais. Ele podia escrever sobre "trabalhos, vigílias, jejuns" porque, assim como fora o seu Mestre antes dele, não pou¬cas vezes as suas atividades sobrepujavam a sua necessidade de comer e dormir. Por isso mesmo é que pôde reivindicar em rela¬ção aos outros apóstolos: "trabalhei muito mais do que todos eles" (2 Co 6: 5; 1 Co 15: 10; cf.Gl 4: 11; Fp 2: 16).Se instássemos com ele sobre a natureza de sua lida, creio que ele nos res¬ponderia em termos de duas prioridades apostólicas: "oração e ... ministério da palavra" (At 6: 4), já que aludiu em sua primeira carta a Timóteo aos seus anciãos "que se afadigam na palavra e no ensino" (1 Tm 5: 17), e aos colossenses descreveu a sua labuta com as palavras "esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1: 29 - 2: 1; 1 Tm 4: 10), num contexto que parece referir-se à luta em oração a que se entregara em favor dos colossenses.
A bênção de Deus foi abundante no ministério do apóstolo Paulo. Não há dúvida que a este respeito muitas explicações pode¬riam ser dadas. Mas até que ponto consideramos essa bênção decorrente do zelo e do interesse, da quase obsessiva devoção com que Paulo se entregava ao trabalho? Ele se dava ao trabalho sem pensar no que isso lhe custava; lutava sem dar atenção às feridas; trabalhava sem procurar descansar; servia sem procurar pela recompensa, a não ser o gozo de fazer a vontade do seu Senhor. E Deus fazia prosperar os seus esforços. Mais uma vez, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos".
Até aqui, então, temos visto três metáforas com as quais Paulo ilustra as responsabilidades do obreiro cristão. Nelas ele isolou três aspectos da sinceridade que deveria ser encontrada em Timóteo e em todos aqueles que, como Timóteo, procurem compartilhar "o bom depósito", já recebido anteriormente. Elas são: a dedicação de um bom soldado, a obediência de um bom atleta as regras da competição, e a diligente labuta de um bom agricultor. Sem isso não podemos esperar resultados. Não haverá vitória para o soldado se ele não se entregar aos seus deveres militares; não haverá coroa para o atleta, se ele não observar o regulamento; e não haverá colheita para o lavrador, se ele não trabalhar na exploração da terra.
Olhando retrospectivamente para este capítulo, podemos agora compor em nossas mentes o retrato completo do obreiro ou ministro cristão ideal, que Paulo vem pintando com toda essa variedade de palavras e imagens. Como bons soldados, como atletas fiéis ao regulamento, e como laboriosos agricultores, devemos nos dedicar completamente à obra.
Paulo também utilizou as metáforas do obreiro que não têm do que se envergonhar- sendo assim, devemos ser acurados e claros em nossa exposição ( II Tm 2:15); Como vasos para uso nobre, devemos ser corretos em nosso caráter e em nossa conduta, gentis e bondosos em nosso trato. 2 Tm 2:20 20 Ora, numa grande casa não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém, para desonra. Deste modo, cada metáfora se concentra em uma característica particular, contribuindo para o todo do retrato e, de fato, delineando a condição necessária para ser útil.
Somente se nos entregarmos sem reservas às nossas labutas e sofrimentos como soldados, corredores e agricultores é que poderemos esperar excelentes resultados. Somente se cortarmos a verdade em linha reta e não nos desviarmos dela, seremos aprovados por Deus e não teremos do que nos envergonhar. Somente se nos purificarmos do que é ignóbil e de todo erro e pecado, seremos vasos para uso nobre, úteis ao Senhor da casa. Somente se formos bondosos e avessos às intrigas, como fiéis servos do Senhor, Deus concederá aos nossos adversários arrependimento, conhecimento da verdade e livramento do diabo.
Tal é a nossa responsabilidade de labutar e sofrer pelo evangelho. Assim, não é de se estranhar que este capítulo 2 tenha começado com a exortação: fortifíca-te na graça que está em Cristo Jesus. Fortificar (gr.: endunamou) – "fortalecer… alguém… com Deus ou Cristo, os quais dão poder… Filipenses 4:13; 2 Timóteo 4:17… 1 Timóteo 1:12… de força religiosa e moral…. ficar mais forte na fé, Romanos 4:20… em observar os mandamentos… Efésios 6:10… 2 Timóteo 2:1" (Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature ["Léxico Grego-Inglês do N.T. e de Outras Literaturas Cristãs Primitivas"], 2a ed. rev. William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich. Chicago: University of Chicago Press, 1957, p. 263).O imperativo significa que era preciso fazer e a voz média diz, com efeito: "Timóteo, faça isso para si mesmo. Seja o instigador dessa missão". Paulo ordena que Timóteo busque fortalecimento na graça de Cristo. Com esta expressão fica evidente que Paulo está propondo que seu filho na fé lance fora a preguiça e a indiferença, porque a carne é preguiçosa, de modo que até mesmo aqueles que são dotados por Deus com dons e ministérios, precisam frequentemente ser exortados a não caírem no quietismo.
·Implicações Conclusivas:
A ilustração final do custo do discipulado e a recompensa do Evangelho foi retratada por Paulo no árduo trabalho do agricultor cujo suor e labuta lhe deu preeminente alegação sobre a seu cultivo. A ênfase deste versículo encontra-se na palavra "trabalho" (kapiao). Esta palavra especial difere das outras palavras gregas para "trabalho" em que se fala de um trabalho até se esgotar (Reinecker). O ministério é algo exaustivo, a semeadura e colheita nos campos de Deus nos trará ao ápice da fadiga física, mental e espiritual. Na parábola dos trabalhadores da vinha, os trabalhadores foram chamados a suportar "o peso e o calor do dia." (Mt. 20:12) Assim, temos de resistir à tentação de uma vida espiritual light, uma religião banheira quente (Packer).
O lavrador deve cultivar da terra sagrada do Evangelho o alimento espiritual para ele mesmo, bem como para muitas outras pessoas famintas de Deus. Se não compartilhamos das riquezas insondáveis de Deus, de seus frutos excelentes, nós iremos perecer e outros sofrerão fome do mesmo juízo. Portanto, o ministro de Deus deve participar primeiro dos frutos do Espírito que se manifestam no cristão (Gl. 5:22-23), antes de que possa compartilhá-los com outros. Ninguém pode compartilhar o que não tem. O mundo precisa do esforço e do produto do Lavrador.
·William Barclay tem resumido estas ilustrações bem nas suas palavras,
"Uma coisa permanece em todas as três imagens. O soldado é confirmado pelo pensamento de vitória final. O atleta é confirmado pela visão da coroa. O lavrador é acolhido pela esperança da colheita. Cada um deles se submete à disciplina e à labuta em prol da glória e dos resultados finais. É assim com o cristão. O cristão não luta sem uma meta, mas está sempre indo em algum lugar. O cristão pode ter a certeza de que, após o esforço da vida cristã, aí vem a alegria do céu..."
No versículo 7, a palavra " Considera ou Entende" (BJ, NC); Paulo exorta a Timóteo a compreender todo o significado de suas símiles ou comparações. [Ver esta semelhança na instrução de Cristo a seus ouvintes em Mat. 24:15]. O apóstolo recorda a Timóteo que toda as informações consistem em fatos que podem ser memorizados, mas há muitos problemas que só podem ser resolvidos meditando a nossa própria experiência pessoal ou na de outros. Semp´re surgiram novos problemas para os quais não existe um paralelismo com as vivências do passado. Todavia, qualquer que seja o caso, Timóteo poderá está certo que Deus que lhe dá "entendimento em tudo". O fiel ministro cristão sempre escutará atenciosamente a voz de Deus, e em cada dia sentirá a plena confiança de que a resposta a toda oração sua lhe será dada no momento mais necessário.
Seguindo o exemplo de Onesíforo (II Tm 1:15-18), e em contraste com o malogro de outros, Paulo exortou a Timóteo a buscar forças em Cristo e que esteja sempre preparado para sofrer dificuldades. Resumindo, duas tarefas são supremamente importantes: primeira, que o depósito da verdade, o pleno Evangelho, seja fielmente transmitido a homens fiéis, que por sua vez o transmitam a outros; e segunda, que o propósito de Deus na entrada do Evangelho fosse cumprido na salvação eterna dos eleitos. Essas tarefas exigem para seu desencargo uma devoção, uma disciplina e uma diligência tais como as que se encontram no soldado (vs. 3-4), no atleta (v. 5) e no lavrador (v.6). Essas tarefas envolvem sofrimento, conforme se podia ver na experiência Cristã diária do próprio apostolo Paulo. Em face do possível martírio, que era a expectativa de Paulo para futuro imediato, e que poderia tornar-se também a expectativa de Timóteo, é conveniente relembrar a fidelidade de Deus e a recompensa celestial garantida em vista do presente sacrifício e constância dos trabalhos terrenos com vista ao Reino de Deus, mas também relembrar a vergonha correspondente que deve acompanhar o fracasso.