SOLUÇÕES IMPERFEITAS NUM MUNDO POSSÍVEL.
Por João Lúcio Filho | 23/12/2014 | HistóriaJ. Lúcio Filho.
Soluções imperfeitas num mundo possível.
Todos já devem ter ouvido a máxima atribuída a Voltaire que diz “o ótimo é inimigo do bom”. Em que pese a aparente inconsistência dessa frase, ela pode guardar um dos maiores segredos das nossas escolhas em um mundo em que as perdas e os ganhos de todos não se equivalem.
Vilfredo Pareto conceituou no inicio do século passado o que seria, afinal, ótimo para grupos de pessoas tão diferentes. O ótimo de Pareto é a situação na qual ninguém pode ganhar mais de alguma coisa sem que outros percam também, como, por exemplo, sorvete na geladeira, terras numa determinada região, dinheiro na bolsa de valores ou votos em eleições.
O pensador Franco-italiano que na política cometeu o desastre de apoiar o fascismo de Mussolini alcançou na academia o cerne do que talvez seja a maior questão do convívio social em todos os tempos, isto é, qual o efeito das nossas decisões e ações cotidianas sobre os demais, e a maneira encontrada de dividir os bens desejados por todos que por eles concorrem.
Segundo sua formulação que revolucionou boa parte das ciências econômicas e sociais, inclusive com demonstrações matemáticas, as pessoas podem até competir uma com as outras sem acarretar em prejuízo a ninguém, mas existe um ponto depois do qual isso muda. Exatamente esse ponto nas relações humanas seria o mais eficiente ou simplesmente ótimo e, portanto, aquele que melhores benefícios trariam a todos.
Tal teoria pôs por terra toda a filosofia utilitarista que predominava na política e na economia da época. Para Pareto, o “bom” não pode ser mensurado, cada um tem seu próprio, e, portanto, não deve servir de orientação para a vida social, o que significa abandonar de uma vez por todas a ideia chave de autores que vão desde Jeremy Bentham até John Stuart Mill de que a sociedade deve seguir o princípio do “maior bem para o maior número de pessoas”.
O utilitarismo que marcou a formação das sociedades democráticas e capitalistas deu lugar às noções de equilíbrio dinâmico, nas quais o ótimo de Pareto ocuparia um lugar muito especial. O mercado de competição perfeita seria aquele que distribui as riquezas entre as pessoas de uma maneira “peretiana”, cabendo ao seu dinamismo estabelecer o que ganha cada um, separadamente, e todos juntos.
De tão perfeita era sua fórmula distributiva que o próprio Pareto desconfiou dela. Na verdade, de economista acabou se transformando em sociólogo justamente porque duvidava que os seus princípios, identificados em equações racionalistas, pudessem ser aplicados em sociedade. As pessoas no final das contas não agiam dessa forma e suas teorias abstratas não funcionavam na prática nas relações sociais e de poder.
O idealizador do ótimo passou a concluir, então, que os indivíduos na realidade fazem suas escolhas dominados, alternadamente, por sentimentos conservadores ou de mudança, mas sempre governados pelas elites, que circulavam com o passar do tempo. A competição que ele imaginava perfeita nos mercados, capaz de alcançar situações eficientes na distribuição da riqueza, simplesmente esbarrava na inexorável concentração de recursos em detrimento da grande maioria.
O ótimo de Pareto o levou a uma saída teórica elitista que nada tinha a ver com isso. Somente décadas mais tarde foi que outros pesquisadores encontraram uma maneira de se chegar ao seu ótimo por intermédio de instituições. São as regras que regulamentam a interação humana as responsáveis por permitir soluções ótimas ou próximas disso. Autores neoinstitucionalistas, como o premiado Nobel Douglas North, demonstraram que as regras do jogo ajudam os atores a cooperarem entre si de modo a que todos se beneficiem mais, ou se prejudiquem menos, embora isso aconteça fora do mundo perfeito.
A democracia foi a melhor saída institucional para a política nas sociedades modernas, assim como o mercado para a economia. Nenhum desses mecanismos é perfeito ou ótimo. Longe disso. Estão repletos de falhas. Basta olhar o que acontece desde a crise global de 2008 e o descontentamento com as instituições representativas para verificar isso. No entanto, são até aqui as soluções possíveis que têm nos afastado de todo tipo de autoritarismo e outros “ismos” que propagandeiam (mas nunca entregam) uma sociedade supostamente sem defeitos. As soluções possíveis institucionalmente ajustadas são as melhores em meio a um mundo de seduções idealizadas que nos conduzem com muita frequência ao desastre ideológico, como acontece agora mesmo na Venezuela bolivariana, onde prometeram justiça social e entregaram um regime autocrático.
Pedir para que “não deixe o perfeito ser inimigo do bom”, como diria o velho iluminista Volteire, não significa matar a vontade de fazer melhor, de evoluir ou se libertar, mas apenas implica em saber que “os sonhos vêm e os sonhos vão, e o resto é imperfeito.”
Brasília, 28 de agosto de 2014.
Jota.luciofilho@gmail.com