Sobre Voltaire

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 03/09/2024 | História

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

Artigo Escrito e Publicado em 2024

A análise dos filósofos iluministas nos transporta ao final do século XVIII, tendo ali sido a consolidação de suas grandes idéias, irradiadas naquele que, como nos centênios anteriores, foi a época da sua materialização em acontecimentos de grande vulto, como as Revoluções Francesa e Estadunidense. E um deles foi, certamente, François-Marie Arouet,  mais conhecido como Voltaire - um de suas dezenas de pseudônimos.

Voltaire nasceu no final do século XVII, e foi muito influenciado pela obra liberalista de John Locke, defensora da democracia representativa em quaisquer formas de governo - seja monárquica ou republicana - e de uma economia ultracapitalista, pois só a ausência de letargia de uma sociedade, em que vigorem o livre mercado e a livre concorrência, poderia garantir seu crescimento e consequente prosperidade. Para Locke, aquele que trabalha transformando matéria no seu produto final seria o seu legítimo dono, e dele poderia dispor como quisesse (ao contrário de um trecho do hino socialista A Internacional, em que se canta 'todo o produto de quem sua, a corja rica o recolheu..queremos que nos restitua, o povo quer só o que é seu" - se o povo transformou a matéria com suas próprias mãos, por uma interpretação nua e crua de John Locke poderia se apropriar do produto final, destroçando a Teoria da Mais Valia e, paradoxalmente, materializando o capitalismo...bem, mas aí, é assunto para outro artigo, que não vou discutir aqui).

Voltaire verificava que o liberalismo de Locke havia dado certo na Inglaterra, ao revés de sua Pátria Natal, a França, que ainda vivia um regime absolutista, bem à moda de Thomas Hobbes, e economicamente não industrializado e pobre. Por isso, teve altos contatos com gente que, saberia, tinha potencial de mudar os rumos do país, a despeito de um jovem Maximilien de Robespierre, que tentou, em vão, dar um fim naquele estado de coisas por métodos não próprios, eis que o fez pela tirania, traindo os ideais de Locke e sendo enviado à guilhotina no dia seguinte à sua prisão. E, na cela, nada deve ter lhe aliviado tanto quanto a incerteza sobre o pós-morte como a convicção de Voltaire de que "se Deus não existisse, teria que ser inventado".

O fato de a França mudar os rumos de sua política e economia subsistiu em Voltaire até que desaparecessem, ao menos de seu país, os indícios da certeza de Locke bem como, também, de Adam Smith (incluída a sua "mão invisível" que controle o mercado) e de seu fiel amigo David Richard. Afinal, os séculos de evolução desde a defesa de Hobbes acerca do adsolutismo lhes deram duas certezas: "Toda verdade começa como heresia e termina como ortodoxia" - o que ele jamais veria, já que as consequências da inevitável jornada da França no caminho do desenvolvimento inglês se deu no decorrer do século XIX, impulsionadas pelas Revoluções Industriais Inglesas.

Além disso, talvez numa conversa fictícia com Hobbes, cravou que "discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”. Especialmente em relação à política, poderia, se ainda estivesse vivo, lançar tal máxima ao próprio Napoleão Bonaparte, que se se autoproclamou Imperador em 1804. E, no tocante à economia, a um filófico igualmente gaulês de séculos antes, Saint-Simon, para quem a "propriedade privada era um roubo", num arroubo de socialismo utópico.

A História é uma ciência que explica todo o mundo ao nosso redor, eis que feita de seres humanos que se destacam do grupo, bem como de anônimos, cujos nomes, infelizmente, não constarão em seus livros. Triste, pois seu esforço individualizado não foi, é e será reconhecido. Mas, por mais que haja injustiça na distribuição dos créditos históricos, feliz ou infelizmente são os cabeças a serem laureados. E Voltaire foi um dos cabeças mais brilhantes que já pisaram no solo que, anos depois, seria o da Revolução de 1789.