Sobre viagens e leituras - carta de sêneca a lucilio
Por Luiz Antonio Moraes | 17/12/2011 | Filosofia
Não fiques viajando e fuja da agitação dos deslocamentos. Essa mobilidade é própria de um espírito doente. O primeiro sintoma, no meu modo de entender, de uma alma bem ordenada, é de estabelecer-se num determinado lugar. Agora, preste atenção: a leitura de uma grande quantidade de autores e de livros de todo gênero é sinônimo de capricho e inconstância. Faça uma seleção de escritores e procure conter-se e alimentar-se do seu estilo, se quiser formar uma provisão de recordações facilmente recuperáveis. Quem quer estar em todo lugar acaba não ficando em nenhum. Aqueles que passam a vida viajando podem ter milhares de colegas donos de hospedagem, mas nenhum amigo. A mesma coisa acontece com aquele que não tem um autor favorito e faz uma leitura diagonal de vários livros ao mesmo tempo. Esse é um alimento que não será aproveitado e nem assimilado pelo organismo porque será rejeitado. Nada dificulta tanto a cura de alguém como a troca contínua de remédios. Uma ferida não cicatrizará se os aparelhos forem colocados e logo em seguida retirados. Uma muda de árvore não vingará se for replantada inúmeras vezes. Nada pode ser útil apenas sendo “de passagem”. A multidão de livros dissipa o espírito[1]. Assim, não podendo ler todos os livros que possuis, ao menos escolha os que você pode ler. “Ah, mas eu gosto de folhear ora um livro, ora outro”. Meu caro Lucilio, o fato de querer degustar apenas um pouco de tudo, é sintoma de um estômago insosso. Procure, portanto, ler os livros prediletos[2], e se for o caso pegue outros para distrair-se, mas volte logo aos primeiros. Das várias páginas percorridas escolha um pensamento para ruminar durante o dia... É o que eu faço do livro que estou lendo. Minha escolha de hoje caiu sobre um pensamento de Epicuro (às vezes costumo entrar no campo inimigo, como sapador) e retive essa frase: “É uma bela coisa estar contente na pobreza”. Mas onde há contentamento, não existe pobreza. O que caracteriza um pobre, não é possuir pouco, mas, querer sempre mais. Você dirá: “Qual será a medida da riqueza?” Primeiro ter o necessário, depois o que dá contentamento.
Oeuvres complètes de Sénèque le philosophe – Tome II – traduction de J. Baillard – Lettre II – A Lucilius
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