SOBRE UMA CENA DE NOVELA

Por ADILSON MARIANO DE JESUS SANTOS | 13/07/2016 | Crônicas

SOBRE UMA CENA DE NOVELA

Hoje eu acordei mais leve, durante muitos anos eu assisti Glória Menezes e Tarcísio Meire, Regina Duarte e Tony Ramos, Letícia Spiller e Marcelo Novaes e vários outros casais trocarem beijos ardentes e se envolverem em lençóis arfantes... vi muito peito e muita bunda do gênero feminino sendo tocados por mãos masculinas ávidas de desejo...  os vi entrelaçados, suados e gemendo...os vi lábios tocando partes pubianas. ..deitados um sobre o outro em uma indicação clara de sexo. E, isto independente do horário...novelas da tarde, da noite e até de madrugada e assistir estas cenas não fez que eu me tornasse hétero.

Com tanta motivação visual para que eu me tornasse hetero, tive várias experiências com o genero oposto, mas ao mesmo tempo realizei experiências com o mesmo gênero, ainda que de forma velada, escondida e sem anuência de um beijo. Eu não sabia que era possível. Só senti uma boca masculina tocando meus lábios quando um estrangeiro roubou-me em um acampamento e isto eu ja tinha vinte e dois anos, contudo, eu já havia explorado por inteiros corpos masculinos e ao mesmo tempo sido explorado, exceto os meus lábios.

Assisto televisão, eu gosto de dramaturgia, mas as histórias contadas não me reconhecem como um ser social, sou invisível. E, quando resolvem me representar exageram nas cores e me colocam assexuado. Mas, ontem, não. Tamanha foi a minha emoção que as lágrimas banharam-me o rosto. Depois de tantos anos, consegui me ver em uma cena de uma novela.

Cada movimento, arfar, demonstrado na cena, me representa. É desta forma que fazemos, o beijo é forte, afinal são dois homens. Sim, a gente tira a roupa, se abraça. Um envolve o outro pelas costas! E por incrível que pareça dormimos abraçados, enlaçados um nos braços do outro.

Meu Deus, como eu queria gritar ao mundo afirmando que eu existo e que o que eu faço é bonito! Mas, a seqüência que os autores irão dar a novela irá satisfazer os desejos de quem não gostou da cena. O feito será descoberto e um dos personagens será preso e condenado por crime de lesa majestade, tendo como possível final a forca, como exemplo do que não pode ser feito.

O pano de fundo da novela é o inicio do século XIX, e graças à Deus, hoje não podem me prender. Melhor, querem que eu permaneça preso nas masmorras de meu ato, de meu beijo, de meu carinho e que qualquer manifestação de afeto seja restrita a lugares fechados e escondidos e se possível que ninguém saiba, enquanto os heteros escancaram os seus afetos, me vejo na masmorra de minha condição, ainda invisível. A única pergunta que me faço: Até quando?

Referencial:

http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/07/cena-emocionante-de-liberdade-liberdade-mostrou-o-amor-de-andre-e-tolentino.html