Sobre Teslas, Testas e Dentaduras

Por Wilson Roberto Rodrigues | 16/07/2024 | Crônicas

Não há como não se surpreender ao entrar pela primeira vez em um veículo Tesla. No modelo que conheci havia um porta-malas gigante na parte de trás e, à frente, ao se abrir o suposto capô do motor, uma surpresa: outro porta-malas.

Muito estranho não encontrar o motor em um carro e mais ainda vê-lo deslizando suavemente, sem ruído algum.

Lembrei-me de uma cena clássica de um filme do Jerry Lewis em que ele fazia o papel de um funcionário de hotel. Usava aqueles uniformes pomposos e, à medida em que os carros estacionavam, ele mecanicamente abria o porta-malas traseiro, pegava uma mala e a levava ao hotel. A parte hilária veio quando chegou um fusca. Ele abriu o suposto porta-malas e entrou no hotel carregando um motor. Cena incompreensível nos dias atuais.

Há outra novidade interessante, que exige um mínimo de adaptação do motorista: quando se tira bruscamente o pé do acelerador, ele para com relativa rapidez, quase como numa freada intensa.

Quando soube disso, senti saudades do Tio Lindo, a quem já rendi homenagem em escritos anteriores. Foi ele que me ensinou a dirigir. Na verdade, eu já não era tão jovem e sabia toda a teoria, mas nunca tinha sentado ao volante de um carro. Fomos para uma rua vazia da cidade e ele me entregou o comando. Comecei a dirigir cautelosamente pela primeira vez na vida. Uma sensação incrível da qual nunca me esqueci. Segundos depois ele me disse “freia!”. Eu pisei no freio e a testa dele foi parar no para-brisa. Foi assim que eu verifiquei na prática a Primeira Lei de Newton e vi um dos raros momentos em que o Tio Lindo ficou bravo.

Voltando à questão das novas tecnologias, meu velho pai tinha um bordão que recitava quando mostrávamos a ele alguma novidade: “pena que já estou de partida deste mundo, justo agora que está ficando tão bom!”. Ele não queria, mas, mesmo assim, o mundo se afastava dele. Não tem jeito. Vale também para todos nós.

            Seu João nunca foi além do telefone fixo, mas certa vez viu em uma revista um anúncio em que estava escrito bem grande “para iPhone e Android”. Quis saber do que se tratava. Meus trinta anos de experiência como professor não foram suficientes para arrumar um jeito de fazê-lo entender.

            Talvez eu nem fosse mesmo a pessoa ideal para isso. Lembro-me de quando a Apple lançou o Ipod. Mesmo lendo várias vezes a reportagem sobre o produto, continuei sem saber direito para que diabos aquilo servia.

            E assim, de novidade em novidade, o mundo que Seu João tanto apreciava fica a cada dia mais sofisticado. Afinal, como conseguimos viver tantos anos sem os recursos do novo celular ou sem aquele aparelhinho que mal sabemos exatamente para que serve? É isso. Algumas coisas são primeiro criadas para depois se produzir uma necessidade para elas. Consumir é o que importa.      

A tecnologia, entretanto, nem sempre nos leva a viajar por mundos inimagináveis, como o caso do carro “sem motor” ou da abstração necessária para entender o que é um aplicativo ou um sistema operacional. Às vezes ela também traz de volta velhas necessidades, apenas com nova cara. É como dar com uma mão e tirar com a outra. Penso nisso toda noite, ao me recolher.

 O mesmo mundo que permitiu que nos livrássemos das cáries dentárias e da perda dos dentes, introduziu com intensidade o stress que nos faz rangê-los e desgastá-los. Fácil solução: uma placa protetora, confeccionada, por sinal, com requintes de tecnologia. No frigir dos ovos, pouca diferença. Minha avó tirava a dentadura na hora de ir dormir. Nós colocamos a placa.

Eu até adequei aos novos tempos a despedida de boa noite a minha esposa. Em vez de pedir um beijinho, digo “vamos bater plaquinhas?”. Que bom que em nossa idade ainda fazemos isso todas as noites!

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