Sobre pingos e letras
Por Edson Terto da Silva | 29/07/2010 | FilosofiaEdson Silva
Recentemente uma conversa com o amigo Tito e outros colegas, em Sumaré, sobre comunicação discorreu para um interessante embate filosófico sobre antigos ditados, como: "para quem sabe ler, pingo é letra" ou "para bom entendedor uma palavra basta". É interessante como todas as coisas, qualquer assunto, por mais simples que seja, possam despertar diálogos produtivos, que nos fazem pensar e quando o reproduzimos levam outras pessoas a pensarem.
Um pingo, uma única letra, um traço faz diferença em comunicação ou é capricho, exagero ou mesmo descuido, seja da parte de quem produz a mensagem ou de quem a recebe, ou como se diz tecnicamente a decodifica? Alguém estabanado dirá que o "detalhezinho" de um pingo, vírgula ou de uma letrinha trocada, colocada no lugar errado não fará diferença... Pensei, pensei e entre um gole de guaraná light e outro conclui que pensar assim é equivocado.
Pois bem, vamos aos meus argumentos, alguns até que não cheguei expor totalmente ao Tito e demais colegas. Uma letra a mais ou a menos faz diferença e muita. Alguém que chama Daniel transforma-se em Daniela se o escriba, por descuido, colocar um simples "a" a mais. Já pensou o burocrático e sério carimbo dos cartórios judiciais, dos protocolos de repartições públicas vira alegre ritmo carimbó e tudo por causa de um acento agudo, que podia passar de maneira despercebida numa revisão?
E a simples perninha da cedilha? Tão pequena quanto importante e transformadora. Ela pode fazer uma canção virar "cancão", que deve ser o nome popular de um pássaro, que nossos irmãos nordestinos chamam de "cancão-de-fogo". A falta de um "r" transforma o murro do lutador no muro que o pedreiro constrói. Este mesmo "r" acrescido faz do mais bravo soldado um pacato soldador, que só luta pelo pão dentro de alguma metalúrgica. Enfim, como estamos filosofando se pingo, letra, a perninha da cedilha tem imenso valor, imaginem então o valor de cada ser humano, por mais falho que ele possa ser?
Para encerrar e não deixar dúvida sobre a importância de qualquer pingo ou letra, uma história real. Certa vez notei intenso clima de stress num grande jornal em que eu trabalhava. Chefias arrancando os cabelos, buscas de culpados e tudo o que tinha acontecido foi ter faltado, na Coluna de Necrologia, uma letra no sobrenome de um dos falecidos. Pensei que gravidade tal detalhe teria? Compreendi ao ler que o sobrenome era Carvalho e vocês já imaginam que letra faltou. A família lamentou perder alguém querido e irritou-se com o jornal, pois algo tão triste quase virou piada... Vai dizer que uma única letra não é importante?!
Edson Silva, 48 anos, jornalista, Campinas
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