Sobre Pierre Laval

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 09/08/2024 | História

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

Artigo Escrito e Publicado em 2024

O conceito de honra varia de acordo com a formação de cada indivíduo. Mas, segundo muitos, pode ser enquadrado, nas hipóteses circunstanciais, a situações específicas que não ultrapassem os limites dos valores globais nos quais se insere. E este pode ter sido o caso do jurista e político francês Pierre Laval.

Quando a Segunda Guerra Mundial iniciou-se na Europa, a Alemanha Nacional-Socialista atacou e ocupou a maior parte dos países do velho continente, sem declarar-lhes guerra formal. Eram ocupações de facto. No entanto, ao entrarem diretamente na guerra, os EUA foram confrontados com a primeira e única declaração de guerra, em si, feita por Hitler. Os EUA foram o único país fora do contexto Europa-Ásia a determinar o destino da Alemanha no pós-guerra, com a ocupação de parte do seu território. Os outros foram a URSS, o Reino Unido e a França. 

Cabe afirmar que os ataques iniciais das Forças Armadas Nacional-Socialistas foram realizados por meio de Blitzkrieg ("Guerra-Relâmpago"), uma espécie de organizada tática militar diante da qual o tempo dispendido para a ocupação do territóio alvejado, o volume de recursos perdidos e as baixas da potência ocupante são mínimos. Por isso, a maior parte das nações que caíram sob o jugo de Hitler se rendeu logo, depois de uma parca resistência inicial. E a França não escapou a esse destino. Ali, foi instalado um governo colaboracionista na cidade termal de Vichy, sob o comando formal do Marechal Philippe Pétain. Já a chamada "França Livre", liderada pelo então general e futuro Presidente da República Francesa, Charles de Gaulle, era o canal oficial da Resistência desde suas bases, no Reino Unido.

Durante o governo colaboracionista, a França não abdicou da sua condição de República Parlamentarista, cujo cargo de primeiro-ministro foi ocupado, por mais tempo e durante mais oportunidades, por Pierre Laval. Laval, desde o início do século XX, havia se mostrado um indivíduo notoriamente esquerdista, proclamando-se socialista pelos muitos anos em que atuou como grande advogado em causas envolvendo sindicatos. Mas, como os conceitos - e, decorrentemente, as ideologias - se amoldam às situações críticas nas quais se inserem, Laval tornou-se uma constante mutação política, sem abandonar as teses centrais que seguia e defendia, dentro da vasta amplitude que é o esquerdismo e dando vazão, por vezes, aos seus arroubos autoritários.

Laval era, assim, a presa fácil que a Alemanha Nacional-Socialista precisava para o cargo de Primeiro-Ministro, numa entidade política colaboracionista: afinal, era ela a potência ocupante (isto é, um país que adaptou os conceitos socialistas às suas necessidades nacionais, e, portanto e supostamente, às dos países-satélites que conquistou), e induziria, nos valores de Laval, a sua próptia definição de socialismo, em tese de esquerda, embora, hoje, quase todos concordemos que se tratava, e se trata, de uma ideologia direitista. Vale lembrar que Laval ainda desconhecia a existência do Holocausto, e havia sido acusado de poucas deportações, sem noção de sua real dimensão.

Após o fim do governo colaboracionista, Laval foi julgado, junto a muitos de seus pares. Durante fala da acusação, foi chamado de "corrupto", e por isso agrediu fisicamente um dos acusadores, afirmando que admitia ser chamado de traidor, de colaboracionista, de nazista e outros deploráveis impropérios, mas jamais de corrupto. Veja, aqui, como o conceito de honra se adaptou e subsistiu, embora enquadrado num sistema execrável como o Nacional-Socialismo, pois Laval julgava, diante das circunstâncias, que as democracias ocidentais eram nocivas, e que ser Nacional-Socialista se apresentava como uma solução menos pior. E tal escolha se dava por convicção íntima, nunca por corrupção, o que a valolaria.

Foi executado, por fuzilamento, aos sessenta e dois anos de idade.