Sobre honestidade
Por Diego Rosinha | 30/12/2009 | CrônicasTenho tantas coisas sobre as quais escrever. O pior é que prometo para mim mesmo, “porra, isso dá uma bela história”, daí fico nesse caminho de autopenitência ad eternum. Mas nada como uma tarde melancólica de chuva e calor para sentar aqui no meu sofá surrado, com meu velho amigo chimarrão e um palheiro de segunda. Há alguns minutos estava inquieto, terminei os fragmentos de Lima Barreto e tentei ler mais uma parte do Hell´s Angels, do mestre Thompson. Mas, para saciar essa maldita hiperatividade, ler não basta, de forma que tive que vir aqui espancar algumas teclas.
Descobri que o Lima Barreto odiava futebol, ou “football” como falavam os antigos. Chegou a criar uma liga antifutebol para combater o que ele e seus amigos de ideias diziam que estava desunindo a já desunida sociedade brasileira. Tudo bem, está perdoado. Ninguém é perfeito, nem mesmo eu. Meudeus! Fora isso, a esperança de descarregar um pouco de energia doente sem muito esforço está de pé hoje. É com ansiedade que espero o show do Elton e os Ghost Riders, em Ivoti.
Mas vamos ao que me fez abrir essa miniparafernalha tecnológica. Minas Gerais. Estive visitando este Estado no meio do ano. Lá conheci uma pessoa que não poderia traduzir em palavras, embora ela nunca acreditaria. Afinal, o mundo é da futilidade das conveniências e das falsas expectativas. Um dia há de aprendermos a somente viver. Somente! Fiquei fascinado com a energia de duas cidades: Ouro Preto e Lavras. A primeira fez parte de um lado negro – desculpe o trocadilho infame - da cultura tupiniquim. Ah, essa palavrinha, tupiniquim, que me fez ter um pequeno atrito com meu editor esses dias. Por que não designar o Brasil de um País de tupiniquins? Será que evoluímos? Do meu ponto de vista, até regredimos, de forma que, muito bem humorado, ainda utilizo o termo como sinônimo para designar o lamaçal moral que virou esse País.
Pois bem, em Ouro Preto encontrei algo que sempre me faz insistir em continuar. Honestidade. Além de toda a beleza daquele município mineiro, encontrei uma das partes da minha essência desgastada. As coisas inerentes à humanidade sempre me fascinam. Embora eu tenha essa carranca e esse discurso niilista, preciso de esperanças como essas para continuar respirando. Andando pelas ruas, na correria para pegar o próximo ônibus até Lavras, perdi minha carteira com tudo dentro. Dinheiro, documentos, cartão do banco, etc... A primeira ideia era de que fudeu tudo, teria que pagar tudo com cheque em Lavras. Não iria voltar para tentar resgatar o que já devia estar no bolso de algum espertalhão oportunista. Passei uma parte da semana em Lavras, pagando tudo com cheque. A parte boa do mundo arcaico é essa, não tem cartões, essa merda toda que só serve para encher o rabo dos banqueiros com nosso dinheiro. A segunda cidade é mais rural, natureza pura. Cascatas, verde, fumaça e amor. Sim, eu não tenho medo de ser clichê, embora possa ser mal interpretado pela mulhééééér. Muito bom, tão bom que seria demasiada pretensão minha tentar descrever aqueles momentos com palavras. Talvez numa poesia futura, num conto, estarão lá mascarados de nobres sentimentos...
Como é sabido, quando morremos, passa uma espécie de filme em nossa cabeça. Com uma média de 18 segundos, esse sonho que parece eterno, nos traz todos os bons e maus momentos que tornaram nossa existência possível. Para alguns, receio, não terá filme. Triste. Mas não serei vencido pela melancolia da chuva, essa melancolia que me inspira a tocar a vida, levando com a arte de ser o que sou: um autista por opção e esquizofrênico por conveniência. Não tentem conhecer um joker, se não tiverem as cartas certas. Pretencioso, não?
A rádio arrota Aqualung, do Jethro, enquanto vou tentar dar uma passada pelas notícias na internet com o sinal furtado do vizinho. Santodeus! Eu já não tenho mais a porra da paciência necessária. “TEGUCIGALPA (Reuters) - Uma disputa de quatro meses sobre quem é o presidente deixou muitos hondurenhos incrédulos demais para votar no seu próximo líder. Um golpe de Estado em junho que derrubou o presidente Manuel Zelaya e isolou Honduras do cenário”. Finalmente uma boa notícia! Espero que seja verdade. Governos só servem para desgovernar, desorientar e causar crises políticas. Por que não optam somente pelas crises existenciais? É tão fútil e vazio, o Poder. Mas eles embriagam-se de tal forma a afogarem-se nessa imundice. Mas tem o lado positivo para os jovens. Tudo bem, não sou um ancião, mas creio que já aprendi a não querer mudar o mundo, pelo menos de uma forma amigável. Versando com uma amiga esses tempos, estava comentando de como era bom achar que empunhar aquela bandeira vermelha e sair cantando pelas ruas “Lutar pela revolução” ou pixar muros da Previdência seria o suficiente. Eu acreditei e fui feliz daquela maneira. Mas não acreditar também traz um certo alívio, mas é necessário equilíbrio para não enfiar uma bala no meio dos cornos.
Voltando ao que me deu esperanças na distante Ouro Preto. Chegando de Lavras, num local onde pegava sinal de celulares, minha mãe liga. “Diego, acharam tua carteira em Ouro Preto”. Primeiro achei ser um trote de algum mineiro filhodaputa, mas como saberiam que eu tinha perdido? Ou melhor, como saberiam meu telefone residencial? Ah, isso até hoje não sei. Mas o fato é que o cidadão que ligou, gastou uma porrada de ligação e disse que havia deixado na Rádio local. Primeiro pensei, “ah, pelo menos as porras dos documentos para me livrar da burrocracia de ter que fazê-los”. Mas o cidadão disse que tinha dinheiro, mas não sabia quantificar. Essas alturas nem eu sabia exatamente quanto tinha, sei que era o suficiente para uma semana bem nutrida de cerveja. Peguei um ônibus para Ouro Preto. Chegando lá na Rádio, me identifico e lá vem a solícita atendente equilibrando suas belas cadeiras mineiras. “Olha, tudo o que recebemos fica nessa caixa, mas já aviso que, se deixaram, é muito difícil que tenha o dinheiro”. Disse isso largando uma enorme caixa encima da mesa. Procurei e nada. “Po, não tem nada meu aqui, a não ser que tenha mudado de nome”. Ela pegou o telefone e fez uma breve ligação intersetorial. “Ah, está lá em cima. Vou buscar e já volto”. Tudo bem. E lá foi ela requebrando suas cadeiras mineiras. Ah, mas eu estava bem servido lá já. A atendente surgiu com a minha carteira. Só os documentos estavam ali. Daí eu disse que o vivente que a encontrou e entrou em contato com a minha família a tinha deixado com dinheiro. “Ah, mas não tem nada mesmo. Desculpe”. Subi as escadas putodacara. Sabe, as expectativas vão sempre aumentando. Antes, salvar apenas os documentos já estaria legal, mas daí com a insistência do dinheiro, agora eu queria minhas cervejas convertidas em Reais novamente. Liguei para a minha companheira lá e expliquei. Ela ligou para o vivente nativo de Ouro Preto e me retornou com seu tenro sotaque que não desgruda da minha mente. “Ele disse que deixou. É certo. Disse para você ir lá novamente e dizer que, se não te entregarem, vai rolar uma denúncia”. Entrei novamente no recinto. “Quem encontrou a carteira me confirmou que a deixou aqui com o dinheiro e, se não entregares, ele vai denunciar isso publicamente”. A atendente fez mais algumas ligações intersetoriais e disse para eu aguardar. Eis que, minutos depois, surge com o dinheiro todo amassado. “Uma pessoa tinha ficado com o dinheiro para garantir que não o furtariam”. “Há há, sim sim, tchau”.
O próximo passo agora era encontrar o endereço do bem feitor e entregar-lhe uma boa parte do dinheiro. No meio do caminho, estava pensando: se for pobre, entregarei uma parte maior, se for rico, um agradecimento está de bom tamanho. Eis que caminhei muito. Era subúrbio da bonita Ouro Preto. Nem parecia a mesma cidade. Entrei numas ruelas estreitas que mal cabiam um carro normal. Ônibus não passavam e já estava anoitecendo. Comecei a me preocupar e lembrar da máxima que os bonzinhos só se fodem. Achei a casa. Era um lugar bem humilde e cheio de crianças brincando na frente o que, de certa forma, me tranquilizou. Uma senhora estava na porta. Chamei pelo nome e ela, muito solícita, foi procurar. Apareceu um dos heróis dessa nação de fracassos – não de fracassados.
Um cidadão honesto e pobre. Um cidadão que deveria derrubar governos se tivesse cultura para isso. Um cidadão de fato.
Conversei com ele e sua família por um tempo, convidou-me para entrar. Mas já era tarde. Agradeci o ato e disse que era por causa de pessoas como eles que ainda acredito na humanidade, com lágrimas insistindo em sair dos meus olhos. Despedi-me, apaixonado por aquela gente que, com certeza, terão uma boa parcela dos meus 18 últimos segundos...