Sobre Erasmo de Roterdã

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 09/08/2024 | História

 Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

Artigo Escrito e Publicado em 2024

A análise superficial da Baixa Idade Média nos dá, de início, a ilusão de que a religião na Europa Ocidental era voltada, unicamente, às determinações da Igreja Católica Romana, e de que aqueles que não as seguissem estariam sujeitos às horríveis penas de tortura e consequente morte nas fogueiras totalitárias do fanatismo, pelos mais diversos motivos, enquadráveis nos conceitos de heresia. Sim, tal é a impressão que temos ao verificar as atitudes de autoridades eclesiásticas como Torquemada, determinador dos primeiros passos da Inquisição Espanhola, bem como as expulsões dos judeus da Espanha, em 1492, e de Portugal em 1498 (estes dois últimos fatos já dentro do liâme temporal que costumamos definIr como "Idade Moderna"). Mas, o que a maioria nem imagina, é que tivemos, no Crepúsculo Medieval, um religioso ocidental tão iluminado como Erasmo de Roterdã.

Neerlandês de nascimento, Erasmo de Roterdã foi um filósofo, cientista e religioso católico nascido na referida cidade, pertencente ao hoje conhecido Reino dos Países Baixos. Como submisso, hierarquicamente, à estrutura da Igreja Católica Romana, não contestava os níveis hierárquicos, mas as razões da Inquisição, bem como as práticas corruptas a ela atreladas, como a obrigatoriedade da doação de indulgências pelos respectivos fiéis, que eram perpetradas, sempre, sob a sombra de uma ou mais ameaças metafísicas, cujos fundamentos não eram tanto as Escrituras, mas obras, realmente, lindas e atrativas, a despeito da Divina Comédia, de Dante Alighieri, em que há um inferno imaginado pelo gênio que a escreveu. Bela, mas irreal.

Esses arbítrios o levaram a elaborar doutrinas baseadas não somente na religião, mas no conjunto interpretativo desta com as observações filosóficas e científicas da realidade. Embora, como dito, não contestasse a hierarquia, questionava vários dogmas, como o da infalibilidade papal e a consequente oferta de indulgências. Se o Papa era e humano ainda é, não teria como ditar níveis de comportamento aos diversos Estados Nacionais em formação, e, de modo simultâneo, aos seus autodeclarados monarcas (cuja legitimidade seria e era confirmada pelo Pontífice), bem como às suas populações, vez que tal era de modo formalmente unilateral - mas, de facto, aconselhado pelo séquito de membros de seu círculo íntimo, o que denotava a falsidade de sua perfeição: esta simples observação, por si só já detratora do mais egocêntrico dogma perpetrado, fez com que, junto a outras observações, Erasmo de Roterdã, na condição de filósofo e cientista, juntasse economias para deixar suas funções formais da Igreja Católica Romana e lecionar em universidades Europa afora, passando pelas mais diversas organizações sociais, como Portugal, Espanha, Inglaterra, França e o próprio Sacro Império Romano-Germânico, sem temer quaisquer retaliações por parte do Papado.

Nas Instituições daqueles Estados, ensinava idiomas, como neerlandês, francês, inglês, latim e outras, bem como filosofia e ciências naturais. Por não ter criado uma nova entidade difusora da fé, como Martinho Luthero o faria em 1517, é errôneo afirmar, por parte de Erasmo, a invocação de um Cisma, como havia sido o surgimento da Igreja Católica Ortodoxa Grega, em 1054. Mas procede a afirmação de que Luthero foi influenciado por Luthero no seu próprio Cisma Pessoal, também chamado Reforma Protestante. Além disso, Erasmo era tão à frente de seu tempo que precedeu aos Tratados de Paz de Augsburg e Vestfália, tendo, involuntariamente, sido uma grande inspiração das normas que hoje denominamos Direito Internacional.

Se nem só de rótulos são as pessoas, é correto afirmar que as diferentes épocas tambêm têm, na sua essência, rótulos e exceções, sendo Erasmo a mais honrosa, e, por que não, influente personalidade de um mundo em constante mutação, especialmente nas suas visões e conceitos.