Sobre Carl von Clausewitz

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 21/07/2024 | História

A verificação dos sucessivos acontecimentos históricos pode nos transmitir, erroneamente, a sensação de que todos os integrantes de determinada classe profissional tencionam, e não apenas se preparam, para sua atividade-fim. E o exemplo mais evidente deste parco julgamento recai sobre os militares, sendo o mais notório expositor da honrosa ética o oficial romano-germânico Carl von Clausewitz.

Nascido na Prússia, Clausewitz é o autor da célebre frase segundo a qual “a guerra é a política por outros meios”, eis que, na sua obra (em especial Da Guerra) e nas aulas ministradas nas mais altas instituições militares de Berlim, sempre repetia a necessidade de, sendo improvável a paz, estar a guerra precedida das máximas negociações a fim de evitá-la. Então, na certeza do eventual estado de beligerância, dever-se-ia estabelecer o objetivo político, mormente a defesa do território vítima de uma guerra de conquista.

Na moralidade, também, se inclui a necessidade de evitar a erradicação física dos inimigos se eles podem, simplesmente, ser desarmados, caso contrário os algozes tornam-se aéticos, ainda que façam parte das forças defensivas (que Clausewitz festeja, em detrimento dos grupos ofensivos: por, em tese, representarem o lado moralmente favorecido, e, também, ao serem faticamente favorecidos pelo terreno, que bem conhecem, ao revés dos invasores, assolados por guerras de resistência e atrito até virem a capitular). Para Clausewitz o melhor ataque é a defesa. Como exemplo de ética e coerência, exonerou-se quando soube que a Prússia aceitou ceder parte de seu território para Napoleão Bonaparte usá-lo, como ponte geográfica necessária, à invasão do Império Russo, ainda que a França tenha, anos antes, dado um fim ao Sacro Império Romano-Germânico por ocasião de Austerlitz.

É, realmente, triste que sua doutrina não seja tão disseminada nas academias militares quanto a antítese de que a melhor defesa é o ataque, permitindo, por entendimento a contrariu sensu, a normalização, pelos cadetes, das “guerras preventivas”, em atitudes docentes que mais lembram o realisticamente humano Maquiavel, especialmente na sua obra O Príncipe (ao denominar como “realisticamente humano” Maquiavel, não estou ofendendo-o ou elogiando-o, mas, sim, taxando-o de representante da espécie que ele, nua e cruamente, expõe, uma forma de vida bárbara, dotada de felonia e de desonra).

Assim, não se pode negar que o bendito e inumano Clausewitz foi uma das inspirações do Direito Internacional Moderno, tendo seus pensamentos, dentre tantos, servido de base intelectual para as Convenções de Genebra, mesmo que as forças militares de todo o mundo (inclusive de países ditos democráticos), insistam em ignorá-las. Afinal, a doutrina de Clausewitz poderia ser enquadrada, muito bem, na hipótese de “guerra justa” aceita pela Igreja Católica Apostólica Romana, única forma eticamente aceitável de um conflito armado (falou-se sobre isso em 1991, durante a Guerra do Golfo, eis que o Iraque havia invadido o Kuwait meses antes, e tentou-se também pôr falsas palavras na boca do então Papa João Paulo II, que apoiaria as forças da Coalizão Reativa, liderada pelos EUA: nada mais inverídico, pois, numa questão de dias após o fim do prazo dado pelo Conselho de Segurança da ONU à eventual desocupação do Kuwait, o Iraque passou de inicial agressor a totalmente destroçado, negando as circunstâncias, desta forma, a aplicação dos Princípios de Clausewitz e das Convenções de Genebra).

Clausewitz nos fez pensar que, dentro da própria distopia da guerra, ainda há uma utopia possível, de respeito aos civis e até mesmo ao inimigo, se ele puder ser neutralizado sem extermínio. Há alguma força militar no mundo que mais se mais aproximou da ética de Clausewitz? A Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial. Dividindo suas comidas com os civis italianos, e, sempre que possível, rendendo os inimigos em vez de matá-los, capturou uma divisão inteira da Wehrmacht e fez um “acordo de cavalheiros” com os opositores capturados, de modo que suas celas ficariam abertas, apenas sob o comprometimento pessoal com a não fuga, o que funcionou perfeitamente. A FEB, definitivamente, provou ser possível a “distopia utópica” de Clausewitz.