Sobre Ilich Ramírez Sánchez
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 17/07/2024 | HistóriaA bipolaridade ideológica que marcou o século XX foi algo, realmente, semelhante a um dos próprios sistemas que se pretendia fazer dominar: totalitária, eis que, para a sobrevivência do mesmo, necessária era a conversão total dos dispostos a materializá-lo. E um daqueles foi, e ainda é (apesar de cumprindo estar sentença de prisão perpétua na França) o revolucionário e mercenário venezuelano de extrema esquerda Ilich Ramírez Sánchez.
Filho de um advogado marxista (que pôs nos dois irmãos de Ilich os prenomes Vladimir e Lênin), Ilich seguiu desde muito cedo sua vocação para a luta armada. Em 1970, por exemplo, quando estudava na Universidade Patrice Lubumba, em Moscou, foi expulso por incitar a desordem, tendo, provavelmente lá, se tornado fluente em russo.
Após a expulsão, se instalou no Oriente Médio, onde ingressou na Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), um dos braços principais da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), participando de diferentes atos terroristas contra pessoas e alvos sionistas, a exemplo do atentado contra a vida de um corporativo judeu, que foi frustrado por falha da arma no momento do pretendido tiro. Até então, Ilich havia permanecido relativamente desconhecido dos serviços de inteligência ocidentais, não obstante seu talento de centralizar, na sua própria pessoa, a execução de todas as ações militares, dando aos demais papéis de meros coadjuvantes, e de, além do espanhol nato, do russo e do árabe, também ser fluente em inglês e francês.
A ação terrorista que mais lhe rendeu fama foi, em 1975, o sequestro, em Viena e na sede da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP, o cartel internacional fundado por Venezuela, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Irã) de onze dos ministros dos países membros, que se encontravam presentes. O ato custou as vidas de três pessoas, passando Ilich a atuar de modo mais exibido e a ser o protagonista de vários outros atentados, como o perpetrado contra aviões no Aeroporto de Orly, em Paris, além de haver estabelecido como neutralizáveis diversos alvos sionistas na França e no Reino Unido, numa onda de ataques em que dezenas de pessoas viriam a falecer. Foi em uma das perseguições realizadas pela polícia francesa que, em um quarto de hotel de que acabara de escapar, foi encontrado o livro O Dia do Chacal, de Frederick Forsyth (por sinal, um grande romancista, razão pela qual indico, aos que se interessarem, a leitura do clássico O Dossiê Odessa, em que narra a pretendida e suposta fuga de criminosos de guerra nazistas para a Argentina), que serviu para lhe alcunharem "Carlos, o Chacal".
O Chacal sempre conseguia se evadir dos serviços de inteligência ocidentais, bem como do Mossad, de Israel, e por isso, no começo da década de 1980, era considerado o homem mais procurado do mundo, em especial após o atentado não consumado ao transporte em que estava o então Primeiro-Ministro e futuro Presidente da República Francesa, Jacques Chirac. Naquela época, já havia iniciado seu romance com Magdalena Kopp, terrorista alemã-ocidental do grupo Fração do Exército Vermelho, também conhecido como Baader-Meinhof (Magdalena, inclusive, escreveu um livro sobre seus anos ao lado do Chacal). Como se pode perceber, ele só militava em favor da esquerda e dos não-alinhados, de modo informal ou para vários de seus regimes, como os de Muammar Kadafi, Saddam Hussein, Hafez Al-Assad e outros. Por isso, recuso-lhe o rótulo de "mercenário comum". Era um mercenário, ao menos, coerente.
No final da década de 1980, o Chacal não encontrava, mais, facilidades de ofertas, em parte devido à Queda do Muro de Berlim e do Bloco Socialista Europeu Oriental, com o consequente contágio das oportunidades que lhes eram comumente facilitadas. Assim, buscou refúgio no Sudão, onde foi capturado pelo serviço de inteligência francês após tencionar uma cirurgia nos testículos, num procedimento que lhe tornou inconsciente, servindo para levá-lo à França, onde até hoje cumpre várias penas de prisão perpétua.
Nos últimos anos de sua Presidência, Hugo Chávez exigiu da França a deportação do Chacal, para que pudesse cumprir suas penas em solo venezuelano (ou, talvez, ser libertado).