SOB SUSPEITA

Por Claudia Curcio | 08/01/2009 | Contos

Marisa sorria à toa. Nunca vi uma ruga em sua testa e, o mais incrível, em treze anos juntos, jamais presenciei uma discussão sua. Creio que, tenha sido por isso que nosso relacionamento vingou, quando tudo apontava para o incerto, o improvável se confirmava. Juntos podíamos o impossível, mas separados éramos como um pássaro sem seu par de asas. Nada tinha graça sem Marisa, a casa perdia o colorido, a comida o sabor. Andar sozinho, quando ela estava trabalhando era morte certa para mim. Olhava o tempo passar, contando os frisos no teto, pois era no céu que meu pensamento se fixava em Marisa.

Ela metida naquele traje ridículo, usava um coque para lá de esquisito, com um redinha preta, não menos feia e que, em nada combinava com ela. Mas Marisa era feliz daquele jeito,então para não desagrada-la eu ficava mudo e, ela sorria. Um sorriso flácido e que eu acompanhava até o aeroporto. Nos despedíamos com um demorado beijo, ela gracejava que, daquele jeito eu fazia borrar sua maquilagem, eu pouco ligava para o batom, o que me atraia era a polpa de seus lábios e o calor de seu corpo esguio. Ah, daria tudo para te-la comigo, mais uma noite, por uma vida inteira. Mas o destino de Marisa estava escrito, assim como o meu.

Confesso que nunca fui muito esforçado, ela trabalhava e eu cuidava, com muito custo, da casa. Passava café, lavava roupa e fazia o jantar, também, nos intervalos enchia a cara. Metade do dia passava embebido em álcool, noutra me dividia entre as tarefas e a ressaca. Marisa não falava, mas sabia.  Como não reconhecer o cheiro na boca, as garrafas vazias esquecidas ao lado do sofá?

Marisa nunca me repreendeu, apenas, algumas vezes, suplicou com seu olhar de anjo:  “Amor, pára!”, desejo esse que não pude atender, então fui me afundando cada vez mais. Bebida.Comida.Bebida.Marisa.Bebida.Bebida.Marisa.Marisa.