SOB OS OLHOS DA DOGMÁTICA PENAL NO SISTEMA CAPITALISTA: O BEM JURÍDICO PENAL
Por Amanda Dias Saldanha | 22/12/2015 | DireitoSOB OS OLHOS DA DOGMÁTICA PENAL NO SISTEMA CAPITALISTA: O BEM JURÍDICO PENAL
Amanda Dias Saldanha
Mariana Pereira Nina[1]
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A missão do Direito Penal e a dogmática penal; 3 Conceitos de bem jurídico penal; 4 Sistema penal capitalista e inversão de valores; 5 Conclusão; Referências
RESUMO
Este projeto tem como objeto principal o bem jurídico, à luz da dogmática penal e busca compreender seu conceito que nos levaria a idéia de um Direito Penal mínimo e garantista. Procuramos analisar a grande relevância do capitalismo para o Direito Penal, associando como que a seleção dos bens tutelados por ele, acabam refletindo em um dos objetivos da dogmática penal e suas conseqüências para os valores expostos no sistema punitivo atual.
PALAVRAS-CHAVE
Dogmática Penal. Pena. Bem-Jurídico Penal. Garantismo.
1 INTRODUÇÃO
Tendo os bens jurídicos penais como principal aspecto no presente trabalho, procuramos entendê-los na perspectiva da dogmática penal, analisando os conceitos dos objetos e objetivos dessa dogmática, e sua ligação com o sistema capitalista penal, que vem regendo juntamente com os princípios implícitos e explícitos do Direito Penal.
Levando em consideração idéias existentes sobre qual seria a finalidade e a missão do Direito Penal, trazemos pensamentos de autores de extrema relevância para responder questionamentos como: seria o Direito Penal, um direito de função garantistica até que ponto? O que seriam os bens jurídicos penais e como se relacionam com o sistema penal capitalista? Como entender a visão de cada objeto e objetivo da dogmática penal ?
Procuramos trazer a resposta para essas perguntas de acordo com nosso estudo e análise do assunto central, acreditando que todos os termos trabalhados possuem um elo que nos leva a criar sua própria crítica e pensamento no que diz respeito aos valores hoje envolvidos e protegido pelo Estado e pelo próprio Direito Penal.
2 A MISSÃO DO DIREITO PENAL E A DOGMÁTICA PENAL
O Bem jurídico é de fundamental importância para o Direito Penal. De acordo com os princípios do Direito Penal, tratados por Rogério Greco em Curso de Direito Penal – parte geral - temos o principio da Intervenção Mínima, que limita a participação do Direito Penal, tornando-o necessidade somente quando nenhum outro ramo do Direito não satisfizer no que concerne a proteção dos bens envolvidos.
Portanto, a finalidade básica do Direito Penal seria a proteção dos bens de suma importância, a tutela dos bens e valores que possuam real e maior significância. A pena, muitas vezes acaba sendo tratada como elemento principal em estudos penais, porém, a tutela dos bens jurídicos caracteriza a completa finalidade, onde a pena se torna apenas o instrumento de coerção para a sua proteção.
Em análises de Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, podemos dizer que a dogmática penal possui duas funções: uma positiva, que seria instrumentalista e outra negativa, que seria a garantística. Identificando a proteção dos bens como um dos objetivos dessa dogmática, pode-se destacar o seu chamado caráter garantista, cumprindo a função garantística, a partir do momento em que os próprios princípios penais estão fazendo parte de sua interpretação, limitando o direito de punir do Estado.
Dogma nada mais é – como também nada menos – que uma verdade
incontestável, uma verdade que não necessita de explicações anteriores, é apriorística, vale a partir de seu próprio enunciado. Não depende da facticidade, de nenhuma forma de experiência, por ser gerada no interior da própria razão. Dessarte, o Estado se legitima no combate a criminalidade em razão dos comportamentos delituosos representarem ofensas aos interesses fundamentais dos indivíduos, que atentam contra a existência de toda a sociedade, sendo a lei penal igual para todos, pois a reação frente ao delito é aplicada de modo similar para todos os infratores. A lei penal, portanto, é o dogma que garantirá uma convivência harmônica no seio da sociedade e que deve ser interpretada pelo dogmático – cientista do direito –, encarregado de elaborar a dogmática jurídico-penal, cujo principal objetivo seria prover a sociedade de segurança jurídica. Tal processo hermenêutico passa necessariamente, frise-se, pela legalidade e pela igualdade.[2]
3 CONCEITOS DE BEM JURÍDICO PENAL
Um bem é tudo que é valorizado pelo ser humano, algo que é considerado importante, e cabe ao Direito tutelar esse bem em prol da sociedade. No Direito Penal, temos o bem jurídico penal, tutelado por ele, onde seu objetivo maior é protegê-los. O sistema punitivo surge a partir do momento em que um desses bens jurídicos penais é atingido, ou existe uma tentativa de atentado a ele.
Toledo (1994) chama atenção em sua obra para a necessária distinção entre bem jurídico penalmente tutelado e o objeto material do crime. Ou seja, o objeto de tutela são valores ético-sociais, já o objeto material do crime são apenas as coisas materiais que recaem sobre a ação criminosa. E ainda cita como exemplo o homicídio, em que o objeto material é o corpo humano e o bem jurídico é a vida. Por isso, ainda que o autor do crime não alcance o seu objetivo, consumá-lo, quer dizer de não ter causado um dano concreto, ou ainda, sequer tenha chegado a ofender ao bem jurídico, é indispensável que ele seja punido, pois ele atacou um bem jurídico penalmente tutelado. Ainda que a pena de um crime tentado seja menor do que a de um crime consumado, justificado por fatores como política criminal, grau e intensidade de ofensa e frustração do ato criminoso.[3]
Luiz Régis Prado (1997, p. 18), afirma que “o bem jurídico em sentido amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano” e ainda destaca duas correntes conceituais: metafísica e subjetiva. Já Juarez Tavares (2003, p.03) considera quatro correntes conceituais: “uma positivista, uma neokantiana, uma ontológica e uma funcionalista”. Não faremos o estudo de cada corrente, porém observamos a amplitude dos conceitos de bem jurídico existentes.
Para Zaffaroni (2002, p. 462), temos que: “Bem Jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegido pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”. Podemos considerar a tipificação penal como elemento fundamental na dogmática penal e na missão do Direito Penal, onde essa tipificação é nada menos do que a maneira de identificar as condutas que possam atingir negativamente os bens jurídicos penais.
4 SISTEMA PENAL CAPITALISTA E INVERSÃO DE VALORES
Para se analisar qualquer situação dentro do Direito, interpretando leis e seus conteúdos temos o que chamamos de conflito de princípios, onde sempre um valor se sobrepõe a outro, e cabe ao legislador esta análise.
Levando em consideração o capitalismo, e como o sistema penal se tornou capitalista, é visível a permuta de valores e princípios que há entre eles quando nos deparamos com casos onde constatamos o enaltecimento do patrimônio em detrimento da vida, ou seja, crimes perpetrados contra o patrimônio, contra os bens materiais apresentam-se com importância superior ao de crimes que atentem contra a vida.
De acordo com o princípio da isonomia, teríamos uma igualdade perdurando na sociedade, considerando os tipos penais como iguais e justos, porém a realidade não se dá de tal forma, o que se deve ao cunho repressivo que o Direito Penal acaba por ganhar, pois a intenção inicial seria de uma norma que alcançasse todas as classes sociais tornando assim a igualdade em algo de grande abstração, uma vez que não há a possibilidade de nós a alcançarmos. Dessa forma então, podemos dizer que em concordância com o que diz o autor Alessandro Baratta, o Direito Penal igualitário seria um mito, já que segundo aquele, este não ocorre de maneira efetiva pra todos sendo desigual e fragmentária. Em uma de suas obras ele nós traz:
A crítica se dirige, portanto, ao mito do direito penal como o direito igual por excelência. Ela mostra que o direito penal não é menos desigual do que os outros ramos do direito burguês, e que, contrariamente a toda a aparência, é o direito desigual por excelência.[4]
O corolário disso, então, é que podemos afirmar que o Direito Penal concatenado ao Capitalismo, vem para assegurar o de direito de poucos, provendo a manutenção da base capitalista, valorando o patrimônio, e assegurando aos “burgueses” a continua acumulação de bens e a proteção da propriedade privada. Sem assumir tendências socialistas, podemos dizer que o capitalismo ao vir como base sustentadora do Direito Penal o deturpa e lhe priva de atingir uma maior igualdade, justamente por isso, por essa igualdade vir de encontro ao que mantêm e justifica o capitalismo: a desigualdade social.
5 CONCLUSÃO
Por fim, então, pudemos concluir que o sistema capitalista desde seu princípio, com suas principalidades dentre as quais podemos estar citando a acumulação de bens e “enaltecimento” da desigualdade social ao estreitar relações com o Direito Penal, o contaminou com suas prática desigualitárias em prol de uma minoria em detrimento dos demais fazendo com que, a partir de então surgisse uma inversão de valores, de modo impor uma valoração maior do o patrimônio, a propriedade privada e os demais bens materiais enquanto outros bens, imateriais como a vida assuma um caráter de importância inferior ao que ela realmente merecer ter.
Podemos observar que devido a essa inversão valorativa, as penas e solução de crimes também adquiriram uma inversão. Tendo como base o Direito Penal garantístico e mínimo, observamos como os princípios deste, estudados na dogmática penal, influenciam para escolha dos bens de suma importância para a sociedade e de que maneira isso se conecta no momento de aplicação da pena e reconhecimento da necessidade de se aplicar o Direito Penal.
REFERENCIAS
ALLEGRO, Romana Affonso de Almeida. Bens Jurídicos, o interesse estatal de tutelar bens jurídicos através de sua normatização.15 jun 2005
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2002
ALLEGRO, Romana Affonso de Almeida. Bens Jurídicos, o interesse estatal de tutelar bens jurídicos através de sua normatização.15 jun 2005
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
ZAFFARONI, Eugênio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 162.
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990
[1] Alunas do 3º período do curso de Direito vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.
[2] GUIMARÃES, Claudio A. G. . A dogmática jurídico-penal em questão: possibilidades e limites no século XXI. Âmbito Jurídico, v. 1, p. 1, 2008.
[3] ALLEGRO, Romana Affonso de Almeida. Bens Jurídicos, o interesse estatal de tutelar bens jurídicos através de sua normatização.15 jun 2005
[4] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 162.