Só me faltava essa! (Cap 8 - Final)

Por Romano Dazzi | 09/12/2009 | Contos

284 – Só me faltava essa! (Cap. 8)

 

  Menos de dez minutos depois, Felícia apareceu.

  Tranquila e feliz, aparentava não ter tido dificuldade nenhuma em superar o momento crítico da substituição.

- Talvez você se sinta realmente bem – começou Teresa que não estava de muito bom  humor – mas eu me sinto como se tivesse levado uma surra...

- Não faça assim, amiga! - atalhou  Felícia,  oferecendo-lhe um pouco de conforto – você está arrependida? Agora já foi. Não adianta olhar para trás! Vamos seguir em frente! Há muito caminho a percorrer, você vai ver.

- Mas eu estou me sentindo muito mal...

- Por quê? – Felícia bancava a tonta, para deixar a amiga mais a vontade.

- É que nunca pensei que me aconteceria uma coisa dessas. Nunca pensei em me entregar assim, como uma...

- Cuidado com o que diz, Teresa! Como o que?

- Ah, Você entendeu. Como uma mulher à toa, sem moral, sem princípios...

- Eu não me sinto assim, absolutamente. Eu também senti certo mal estar

  ao acordar junto do Daniel, não posso negar... mas logo passou. E é tudo para

   uma boa causa, não acha?

- Minha amiga, quem você pensa que vai enganar?  Não a mim, viu? Somos duas mulheres descontroladas, isto é o que somos. E...

- Cale a boca já, sua boba! -  

Felícia estava subindo o tom para não perder o controle.  

Tinha imaginado que Teresa teria arrependimentos, como uma espécie de ressaca. Mas sabia que seria uma reação passageira.

As duas ficaram refletindo um pouco e os ânimos serenaram.  

Sabiam o que haviam feito. Bastava enquadrarem este fato no panorama sem esperanças e sem horizontes, em que estavam mergulhadas até o dia anterior.   

A decisão podia não ter sido sábia, mas aliviara a pressão que as duas sentiam.  

 

- Agora me conta – Felícia estava ansiosa para saber – Como foi a sua noite?

- Você não tem vergonha mesmo, não é?

- Tenho, sim, mas conheço o Jorge e sei que você estava nos sonhos dele.  

   Fizeram muitas loucuras?

-  Não, não! Pelo amor de Deus, menina! Fizemos apenas o que sentimos no

   momento. Com carinho e consideração. Com um pouco de amor, também.

- Ia contar-lhe que o Daniel também foi muito carinhoso, educado, polido; mas

  eu liberei-me como não me acontecia há muito tempo! Que experiência! Valeu!

 

Teresa estava ainda toda encolhida e não se tiraria dela nem mais uma palavra. Felícia, pelo contrário, agitava-se e insistia, toda animada e alegre.

 

Finalmente Teresa retomou as rédeas

- Minha amiga – começou dizendo – sei que você está feliz e que ficará assim, provavelmente, até o fim de nossa experiência. Conheço bem o Daniel. Só achei que estivesse com as pilhas descarregadas. Devo reconhecer que sou eu, que não consigo  mais ligar seus circuitos...

- Deixa de ser boba, Teresa; ele é tão bom quanto o Jorge; só precisavam de novos ares; a mudança vai fazer muito bem aos dois.

- O que me preocupa agora são os que estão em volta. Minha mãe vai entender... eu espero. As crianças teriam que ficar com ela uns seis meses, e isso não vai ser fácil.  Não temos vizinhos íntimos e acho que ninguém vai notar  

a troca de maridos...

- Ouça, Teresa. Ninguém tem nada a ver com isso. Fizemos o que achávamos   melhor para salvar as nossos casamentos. Se alguém meter o bedelho, vai se dar mal. Precisamos só que nossos maridos entendam isso e que fiquem do nosso lado.

- Mas  como vamos responder se as pessoas perguntarem ?

- Duvido que alguém tenha o topete de vir perguntar. Mas se tive toda esta coragem – e curiosidade – deixa que venha falar comigo. Vou encher a boca dele de sabão em pó!

 

À tardinha, os homens voltaram para casa. Vinham caminhando juntos, trocando idéias e pareciam  ter assimilado a mudança. As mulheres decidiram então que era a hora certa para uma nova conversa geral.

 

 Sentaram-se novamente à mesa, os quatro, e desta vez foi Felícia que tomou a rédeas do assunto.

- Creio que tudo correu bem, a noite passada – falou, usando de uma ligeira ironia  - e que ninguém tem do que reclamar...

- Por favor, Felícia – atalhou Teresa – passe por cima disso e vá logo ao que importa!

- Ok, ok! Só queria a confirmação que tudo está bem, também da parte deles, como está do nosso lado.

- Sim, sim, tudo está bem,- apresaram-se em confirmar os dois.

- Agora, nos pensamos que poderá haver alguns problemas, se não tomarmos as atitudes corretas.

- Por exemplo?

- Por exemplo, com as crianças. Vamos mandá-las para as casas das avós enquanto dura a nossa experiência.

- Segundo, com as famílias. Por muito que gostem da gente, sempre vão achar que fizemos uma bobagem – ou pior.

- Terceiro, com os vizinhos e conhecidos. Não vamos escapar das críticas, das meias palavras, dos olhares de censura...

- Mas eu – Felícia, que vinha da cozinha com um prato de comida,  entrou de cheio na conversa – eu disse e repito, que não me importo com a opinião de ninguém. Quem se sentir incomodado, que se mude. Eu sei o que é bom para mim e não aceito que ninguém mande na minha vida!

 

Seu olhar ficou duro e frio, como se estivesse sofrendo. A sua reação exagerada deixou todos com certo mal estar.

 

- Eu já tive que lidar com a crueldade das pessoas. Eu era jovem, sem estudos, sem profissão, sem dinheiro; tinha fome e era ingênua. Fui uma mulher da vida. Uma prostituta.  Foi o Jorge que me salvou. Nunca mais olhamos para trás. O passado está morto.

 

A confissão levantou um sentimento de solidariedade, um calor inesperado. Teresa a abraçou, o Jorge também.  Daniel ficou de lado, pensativo, distraido.

 

- Mas agora vamos jantar! – exclamou quase com alegria, a nova Felícia. Tinha tirado das costas o peso enorme de seu segredo, que vinha carregando sozinha há tempos.

 

Depois do jantar, foi Daniel que recomeçou o assunto principal.

 

- As mulheres estão sempre um passo à frente do diabo!

- E as nossas, pelo menos dois! – acrescentou o Jorge.

 

- Nós só queríamos que vocês entendessem o que estava acontecendo conosco. – disse Felícia

E Teresa acrescentou:

- Uma mulher deve ser acarinhada. Precisa receber atenções, sentir que é amada, que faz falta, que a família precisa dela.  Não adianta receber presentes no dia das mães e ser tratada com pouco caso o resto do ano.

- Lembra-se quando éramos recém casados, Jorge? – perguntou Felícia –  Lembra-se de todas as pequena atenções, os carinhos, os olhares?  Agora, se quero meus chinelos, tenho que levantar e ir busca-los no quarto. Você passa cem vezes por mim, e não percebe que estou ai. Nem me vê. Fiquei transparente. Menos quando tem jogo rolando na TV e passo na frente .

- E você, Daniel, nem se dá conta das mil pequenas coisas que faço o dia inteiro; da roupa que lavo, passo e guardo; das suas comidinhas preferidas; da casa sempre em ordem, do pó que tiro dos móveis, da paciência com as crianças, dos pequenos problemas que resolvo o dia inteiro!

- Ah, como queria ser uma executiva! Sair às sete e meia da manhã e voltar  à noite, tomar um banho, encontrar o jantar pronto e me esticar na poltrona para ver televisão! Ter alguém que cuida da minha casa e deixa tudo limpo e arrumado....

 

A litania teria continuado, não fosse o Daniel, que repôs a bola no campo.

- Devo confessar que fiquei muito contente por estar com a Felícia. Minha auto estima subiu ao céu. Mas...

Deixou a palavra suspensa no ar, atraindo  a atenção de todos.

- Mas? – era Teresa, afobada que perguntava – Mas o que?

- Mas é desta moça aqui, que gosto de verdade. É com ela que quero estar. É com ela que vou ficar, se ela me quiser de volta. Isto é, se ela não tiver gostado demais do meu concorrente! E juro que aprendi a lição. Vínhamos conversando no caminho, eu e o Jorge, e concluímos que estamos muito errados. Tratamos nossas esposas como se fossem maquininhas e não gente. Esquecemos quão importantes  elas são. Eu não seria nada, sem a Teresa. Desculpe, meu bem; eu andava esquecido de nós.

 

Felícia estava agora sorrindo abertamente. Lição aprendida, por parte dos homens e um gostinho tirado, por parte das mulheres; afinal, elas também experimentaram algo novo, satisfizeram uma curiosidade – uma perigosa curiosidade.  E tudo seria esquecido em poucos dias.

 

- Então, voltamos ao início?

- Não, não! Estamos muito à frente hoje!

- Sim, mas cuidado, porque o diabo vem atrás....