SÓ DOS OLHOS PRA FORA

Por Israel Ferreira | 17/03/2010 | Contos


Aqui as ruas não falam,
mas implicitamente elas congelam em nossas memorias as diligencias de outrora em seus tapetes betumados,
o primeiro olhar por estas bandas veio com o brilho da coragem presente em cães valentes,
em um bando, caminhou despojado com cara de mal que chupou limão, mas vestiu-se laranja,
todos rolavam mas jamais soltavam-se das coleiras de seus donos, mas ele marcava território e fincava bandeira,
o verão ia passando e os cães ia voltando para suas casinhas de madeira, e o vento começava a soprar cada vez mais frio,

mas ele ainda apostava corrida nas madrugadas que na rodoviária eram extremamente divertidas,
ficava horas perdido na fumacinha gelada que o frio fazia-lhe sair das narinas largas,
mas depois das quatro da manhã não tinha muita graça, os outros sumiam, só as mãos de picolé lhe faziam companhia,
o silêncio, gota a gota esmigalhava sua alma de sol de verão,
ele não se importava pois pensava ser só dos olhos pra fora,
os dias nasciam e nasciam e suas forças pouco a pouco se perdia no termino dos chás das cinco,
sua pele laranja já em farrapos saiu de cena e deu lugar a uma coleira de zebra novinha que ganhou por ter andado numa só pata,
agora, já não aposta mais corridas,
a ultima disputa para ver quem ladrava melhor foi um fracasso o qual ele teve que sentir sozinho,
não se lembra mais o caminho pra casa, nem o quer, não teria forças mesmo,
em uma caixa de cimento que o deram provisoriamente pra morar ele sente no rosto o gosto do desprezo dos pombos, que sobrevoam-lhe,
ele sabe que um simples rosnar seu afastaria pra muito longe todos eles, mas também sabe que os pombos só querem um pouco da sua comida,
o que ele queria era sentir o cheiro de uma louça nunca usada uma única vez,
afastou-se e via os pombos tripudiarem dele por cima de seu prato, do prato que foi dele, do prato que nunca foi dele,
tira a coleira e espera pela carrocinha que não vem,
compra uma passagem e vira palhaço de circo,
e descobre que é típico dos comediantes chorarem nos bastidores.