SINOPSE DO CASE: PENA PODE SER CUMPRIDA APÓS DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA, DECIDE STF

Por Clara Leda Rodrigues | 10/07/2018 | Direito

Clara Léda²

José Cláudio Cabral Marques³

1. DESCRIÇÃO DO CASO

Um ajudante-geral, condenado em 1º grau a 5 anos e 4 meses de reclusão pelo crime de roubo qualificado, recorreu da sentença, porém seu provimento foi negado, e expediu o mandado de prisão. Ele então entrou com recurso especial para o STJ , que acabou por indeferir o pedido em liminar de Habeas Corpus que foi apresentado, a defesa então impetrou o Habeas Corpus nº 126.292 no STF, já que, expedição do mandado de prisão antes do trânsito em julgado da decisão, ofendia o princípio da presunção de inocência (art. 5ª, inciso LVII,CF ) e também jurisprudências do Superior Tribunal Federal. Desse modo o HC nº 126.292 foi negado pela maioria dos ministros do STF, que passou a entender que  execução da pena após confirmação da sentença em 2º grau de jurisdição, não ofende princípio da presunção de inocência. Assim sendo, diante do caso em debate, na colisão de princípios gerada, tais como princípio da proibição de excesso e proibição da defesa deficiente, qual deve prevalecer?

 

2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descriçõesdas Possíveis Decisões

Há apenas duas decisões possíveis: o princípio da Proibição do Excesso deve prevalecer frente ao princípio da Proibição de Defesa; e a segunda possibilidade é que o princípio da Proibição de Defesa deve prevalecer frente ao princípio da Proibição do Excesso.

 

2.2Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

2.2.1 O princípio da Proibição do Excesso prevalece em relação ao princípio da Proibição de Defesa Deficiente.

O art. 5º, LVII da Carta Magna “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1998). Dito isso, fica mais que claro que a decisão tomada pela Suprema Corte viola o princípio fundamental da presunção de inocência, haja vista que execução penal só produz efeitos, de acordo com a Constituição, após o transito em julgado.

Em subordinação a tal direito constitucionalizado, o Código de Processo Penal reforça o principio da não-culpabilidade:

Art. 283, CPP: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIl, 2011).

 

Ressalta-se que a decisão do STF em sede do HC 126.292 não alterou tal dispositivo, ou seja, o art. 283 do Código Processo penal não foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte, ele apenas deixou ser aplicado nesse caso específico, e fica o questionamento: é possível o judiciário escolher quais casos pode ou não aplicar a lei?

Bom, Lênio Streck esclarece melhor o que foi dito acima, pois defende que o Supremo “esqueceu” de discutir a constitucionalidade do art. 283 do CPP. Ele diz que a decisão é um exemplo de ativismo judicial, não existindo qualquer fundamento constitucional capaz de sustentá-la, não há coerência,pois, não respeita o conjunto normativo vigente do sistema jurídico. Streck é direto ao dizer que “[...] o STF errou. Reescreveu a Constituição e aniquilou garantia fundamental. Gostando ou não, essa é a Constituição que temos.” (STRECK, 2016).

Desse modo, é alarmante como o considerado Guardião da Constituição – Supremo Tribunal Federal – rasgou a Magna Carta e decidiu por não acatar o seu conteúdo normativo, modificando algo que não pode ser mudado, pois direitos fundamentais são cláusulas pétreas.

Decidindo em sentido contrário a maioria no HC 126.292, o Ministro Celso de Mello, vota de maneira coerente ao defender que deve-se esperar até o transito em julgado para execução da pena criminal, como observa-se nessas passagens:

A nossa Constituição estabelece, de maneira muito nítida, limites que não podem ser transpostos pelo Estado (e por seus agentes) no desempenho da atividade de persecução penal.Na realidade, é a própria LeiFundamental que impõe, para efeito de descaracterização da presunção deinocência, o trânsito em julgado da condenação criminal.Veja-se, pois, que esta Corte, no caso em exame, estáa expor eainterpretarosentida dacláusulaconstitucionalconsagradora  da presunçãode inocência, tal como esta se acha definidapelanossaConstituição, cujoart. 5º, inciso LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsitoemjulgado de sentença penal condenatória”), estabelece, de modo inequívoco, quea presunção de inocência somenteperderáa sua eficáciaea sua forçanormativaapósotrânsitoemjulgadoda sentença penal condenatória.É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática ea experiência registradas nos Estados Unidos da América e na França, entreoutrosEstados democráticos, cujas Constituições,ao contrário da nossa, nãoimpõem a necessária observânciado trânsito em julgado da condenaçãocriminal.Mais intensa, portanto, no modelo constitucional brasileiro, aproteção à presunção de inocência.(HC nº 126.292. rel. Teori Zavascki, STF, 2016).

 

Defende-se, portanto, o Principio da Proibição do Excesso – que nada mais é que uma das facetas do princípio proporcionalidade, estando ligado a idéia de limitação do poder estatal pra evitar ingerências administrativas na seara de liberdade e garantias individuais - deve prevalecer nesse caso concreto, pois o sistema carcerário brasileiro está muito longe de cumprir com a sua função ressocializadora, não sendo razoável, e nem constitucional, prender qualquer pessoa que seja antes do trânsito em julgado. (FERREIRA, 2009).

 

2.2.1 O princípio da Proibição de Defesa Deficiente deve prevalecer frente ao princípio da Proibição do Excesso.

Em contraposição ao Princípio da Proibição do Excesso, eis que surge - derivado também do Princípio da Proporcionalidade - o Princípio da Proibição da Defesa Deficiente, que nada mais é que uma omissão do Estado ao seu deve de punir aqueles que infringem a lei e viola o direito de terceiros. (FERREIRA, 2009). Ou seja,

Esse paralelo deve, obrigatoriamente, ser traçado, sob pena de se inverter valores, colocando-se em cheque a própria existência do Estado, visto que se este não consegue mais, por exemplo, com suas ações positivas dar um mínimo de segurança aos cidadãos não há mais para quê existir. (FERREIRA, 2009).

 

A omissão do Estado em cumprir sua função de punir aquele que infringir o ordenamento jurídico gera sensação de impunidade e inseguranças nos indivíduos, pois  como bem explica Vladimir de Freitas, apenas aqueles que possuem recursos financeiros é que possuem o privilégio de esperar até o trânsito em julgado para ser preso, mas a grande maioria não tem essa prerrogativa. Para os pobres a aplicação da pena é imediata.Vladimir Freitas defende que a decisão do Supremo foi correta, já que, ouviu os anseios da população brasileira em face da sensação de impunidade aos bandidos de “colarinho branco”. (FREITAS, 2016). Seguindo essa linha, completa o mesmo autor sobre a demora dos julgamentos de recursos:


[...] cada recurso, ou mesmo petição avulsa, significa alguns meses de atraso em idas e vindas processuais.  Somados, eles representam anos. Até transitar em julgado uma sentença, facilmente poderiam passar 12, 15 ou 20 anos.  Este longo tempo resultava na prescrição (perda do direito do Estado punir) ou mudança na vida das pessoas (v.g., morte, mudança, envelhecimento etc.), o que levava a punição a tornar-se inútil ou prejudicada. (FREITAS, 2016)

 

Como bem frisou a Ministra do Supremo, Ellen Gracie, no julgamento do HC nº 85.886 em 2005 que:

[...] sobrevindo condenação, mantida em segundo grau de jurisdição, e observadas as regras de ampla defesa e do contraditório, sem qualquer reclamação da defesa, não há mais lugar para um segundo reexame. A fase de análise de provas e fatos e sua ponderação está definitivamente encerrada. Eventuais recursos, especial ou extraordinário, não se prestam ao reexame do decidido. Destinam-se esses apelos raros, no nosso sistema processual, a outro objetivo, o de preservação e uniformização do direito federal e do direito constitucional. [...]em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo graude jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte. Aqui não pode ser diferente. E bem por isso que o legislador dispôs que esses recursos raros – especial e extraordinário – não têm efeito suspensivo (Lei 8.039, art. 27, § 2º). Daí porque a subsistência do vetusto art. 637 do CPP, que dispôs a respeito da execução de sentença, independentemente da interposição de recurso extraordinário. (HC nº 85.886. rel. Min. Ellen Gracie, STF, 2005).

 

Dito isso, o princípio da presunção de inocência consiste na premissa “sou inocente até que se prove o contrário”. Dessa forma, no caso concreto foi provado tanto em primeira como na segunda instância que réu é culpado. Então não há mais nada à ser feito em sede de recurso extraordinário como bem disse a Min. Ellen Gracie, já que este recurso não enseja reexame de provas, apenas preservar e uniformizar o direito constitucional. E no art. 637 do CPP diz que a execução da sentença se realiza independente do recurso extraordinário pois o mesmo não possui efeito suspensivo.

Em relação aos efeitos dessa mudança de entendimento do Supremo, realizou-se um projeto de pesquisa do Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, demonstrando os impactos da decisão no sistema carcerário. E, de acordo com a pesquisa, o número de penitenciáriossão de aproximadamente 622.202, segundo dados Ministério da Justiça (BRASIL, 2014), e poderá sofrer uma expansão 0,6% no número total com a nova jurisprudência. Sendo assim, “longe, portanto, de previsões catastróficas propaladas pelos críticos do novo entendimento do Surpremo sobre a execução da pena após condenação em segunda instância (FGV, 2016). O que faz total sentido, pois a classe pobre – que representa a grande maioria dos presos -  jamais teve acesso suspensão da execução da sentença condenatória em razão da interposição de recurso extraordinário, isso era apenas aplicado para os bandidos de alto escalão.

3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES  UTILIZADOS

 

No caso apresentado utilizou-se os princípios da não-culpabilidade/presunção de inocência, principio da proporcionalidade, princípio da proibição do excesso e o princípio da proibição de defesa insuficiente, e também, utilizou-se indiretamente os princípios da ampla defesa e do contraditória

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>Acesso em: 30 de setembro de 2016.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII) SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. Habeas Corpus nº 126.292. Relator Teori Zavascki. 17/02/2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246> Acesso em: 30 de setembro de 2016.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal.EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE. Habeas Corpus nº 85.886. rel. Min. Ellen Gracie. 06/09/2005. Disponível em:http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STF/IT/HC_85886_RJ-_06.09.2005.pdf?Signature=DPcc%2FSmtyo68Don4egsqiTknlPY%3D&Expires=1476821015&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=8341875ef8e3dbbf1777e6685aac4fcb

 

BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional  de informações Penitenciárias  INFOPEN – Dezembro de 2014. Disponível em: < http://download.uol.com.br/fernandorodrigues/infopen-relat-2016.pdf> Acesso em: 30 de setembro de 2016. 

 

FGV. Fundação Getúlio Vargas. O Impacto do Sistema Prisional Brasileiro da Mudança de Entendimento do Supremo Tribunal Federal Sobre a Execução da Pena Antes do Trânsito em Julgado no HC 126.292/SP. Disponível em: <file:///C:/Users/USUARIO/Downloads/SSRN-id2831802.pdf> Acesso em: 30 de setembro de 2016.

 

STRECK, Lênio Luiz. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-prender-transito-julgado> Acesso em: 30 de setembro de 2016.

 

FERREIRA, Vasconcelos Gecivaldo. Princípio da Proibição da Proteção Deficiente. In: Consultor Jurídico, 2009. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-out-04/principio-proibicao-protecao-outra-face-garantismo

 

FREITAS, Vladimir Passos de. Supremo restaura equilíbrio ao determinar execução provisória da pena. 2016.Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-21/segunda-leitura-stf-restaura-equilibrio-determinar-execucao-provisoria-pena> Acesso em: 30 de setembro de 2016.

Artigo completo: