SINOPSE DO CASE: FILIAÇÃO POS MORTEM

Por NAYRA LIMA MARTINS | 17/10/2017 | Direito

FILIAÇÃO POS MORTEM[1]

 

Nayra Lima Martins[2]

Anna Valéria de M.A.Cabral Marques[3]

 

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

            Ciro Alberto Castro Alencar, empresário rico, solteiro e homoafetivo sempre  desejou se tornar pai biológico. Em 2012, após descobrir uma propensão em sua família ao câncer nos testículos, resolveu coletar e armazenar material genético em uma clinica especializada para uma futura inseminação. Dois anos depois, diagnosticado com câncer no pulmão, em estágio inicial, e abalado com a morte prematura de um amigo que não possuía nenhum parente vivo, Ciro redigiu sozinho um testamento em francês, deixando 50% dos seus bens a seus pais e 50% a seu filho que deveria ser gerado através do material genético que se encontrava armazenado na Clinica Viva a Vida, desde que fosse inseminado em sua grande amiga Aparecida Margarida Lages, manicure, casada com ex-presidiário.

            Após preencher os requisitos legais de existência do referido testamento, Ciro apresentou o mesmo conteúdo, em português, ao seu médico particular, acrescentando que ficasse registrado que, em caso de ausência de sinais vitais, não autorizava qualquer procedimento de prolongamento de sua vida. Semana passada, ao sair da academia de ginástica Ciro é vítima de assalto vindo a ser baleado no coração morrendo a caminho do hospital. Ernesto e Mirtes, pais de Ciro, ainda abalados com a morte do filho, recebem a visita de Cumersino, advogado de Ciro a quem este confiou o testamento, informando-os do conteúdo do mesmo.

            Os pais inconformados entraram com uma ação contestando o testamento, alegando que material genético não trata-se de bem jurídico e que tal testamento não é válido em face da doença do testador, seu filho. Alegou ainda, a falta de previsão legislativa no que concerne a matéria, portando eles são os únicos herdeiros.

            Diante do exposto, cabe analisar a conduta do juiz frente àsituação, tendo em vista a sucessão testamentária.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição das decisões possíveis

 

2.1.1 Decisão pela procedência do testamento e consequente inseminação do sêmen em Aparecida Margarida Lages, bem como a sucessão dos bens deixados por Ciro ao seu futuro filho, como assim dispôs no referido testamento;

 

2.1.2 Decisão pela improcedência do testamento, tendo em vista que o Código Civil regulamenta a matéria.

 

3 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO

3.1       Sobre o testamento, sabe-se que este vem com expressa previsão no sentido da transmissão do sêmen para inseminação em sua amiga Aparecida Margarida Lages, tendo isso em vista pode-se afirmar ser legítimo, baseado nas palavras de Jones Figueiredo Alves em artigo que tem como tema: “Testamento Genérico Celebra a Dignidade da Vida”:

“É o denominado “testamento genético”, quando os futuros pai ou mãe, doadores de sêmens ou óvulos, deixam instruções inscritas no sentido de o material genético congelado ser utilizado para a concepção e nascimento de seus filhos, após suas mortes, com escolha pessoal de quem os utilize. Escolha feita pelo próprio testador ou pessoa por ele indicada. Em resumo: o material genético passa a se constituir um bem de inventário, destinando-se servir à procriação do(a) falecido(a)”

 

Nesse sentido, dispõe a Resolução 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina, que “não constitui ilícito ético a reprodução assistida “post mortem”, desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente” (Anexo único, VIII). Do exposto, viu-se que um testamento genético é considerado legítimo desde que deixado por escrito.

Já quanto à sucessão de seus bens, é de grande importância explanar o que se entende por testamento, meio pelo qual o hereditando pretende disciplinar o rumo das relações que o envolve e a terceiros, explicado em artigo escrito por Carla Caroline de Oliveira Silva:

“Na definição do jurisconsulto MODESTINO, testamento é a justa manifestação de nossa vontade sobre aquilo que queremos que se faça depois da morte. Por outro lado, ULPIANO assevera:  testamento é a manifestação de última vontade, feita de forma solene, para valer depois da morte.”

 

Assim sendo, o testamento de Ciro deve ser executado do modo como ele deixou, levando em consideração a citação ora exposta.

No que se refere ao tipo de testamento escolhido por o testador, entende-se ser o Cerrado, pois este é aquele escrito pelo próprio testador ou por alguém a seu pedido, em caráter sigiloso e depois aprovado pelo tabelião, na presença de duas testemunhas, podendo ser redigido de forma escrita, mecânica ou digitada. Para o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, a característica do sigilo é considerada como a principal vantagem deste tipo de testamento, considerando que apenas o testador conhece o teor do testamento.

Considerando que os pais são os únicos herdeiros necessários, é válida a alegação destes, segundo a qual eles afirmam fazerem jus a 100% da herança? Diz o Código Civil, art. 1789, que havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança. No entendo, sabe-se que 50% dos bens de Cícero ele destinou a seus pais, portando, estes não podem reclamar o restante, segundo a disposição legal ora citada.

Destarte, considerando o que foi explanado, os pais de Cícero não poderão ter seu pedido julgado procedentes, tendo em vista que embora não exista vasta legislação sobre o assunto, já se admite esse tipo de testamento e que tal testamento não pode ser anulado por não preencher os requisitos.

3.2       O testamento deve ser considerado inválido, tendo em vista o disposto no Código Civil, no capítulo das Sucessões, art. 1.798: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, desse modo não se encaixa o filho havido desse material genético, pois ainda não foi concebido.

            Nesse sentido, Ulhoa entende que na “data da abertura da sucessão, ainda não há embrião, mas simplesmente gametas crioconservados, provenientes do autor da herança. Esse material genético pode vi a ser empregado na concepção de uma nova pessoa. Ela, porém, não terá nenhum direito sucessório relativamente ao patrimônio do fornecedor do gameta”. (2012, pág. 607/608)

            Além disso, assegura o Princípio do Melhor Interesse da Criança que está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, caput:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

           

            Do exposto, viu-se que é assegurado constitucionalmente à criança o direito de não sofrer descriminação, no entanto sabe-se que o marido de Aparecida é ex-presidiário bem como se sabe que a rejeição da sociedade quanto a ex-presidiários, tendo isso em vista, será que o assegurado por este princípio será efetivado? Será que esta criança, uma vez concebida como quis o testador, não vai sofrer descriminação, ou até mesmo violência, crueldade e opressão da população?

            Desse modo, fica clara a impossibilidade da efetivação do testamento, pois além de não ter previsto previsão legal acerca da material, traria prejuízos ao desenvolvimento da criança.           

4 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES (EXPLÍCITOS E/OU IMPLÍCITOS) CONTIDOS EM CADADECISÃO POSSÍVEL.

2.3.1 Critérios levados em conta na seguinte decisão: foram usados como critérios desta decisão artigos científicos, a doutrina, bem como a legislação concernente a matéria.

 

2.3.2 No posicionamento contrário, o qual se alega a improcedência do testamento, usou-se como critério o código civil e o princípio do melhor interesse da criança, além da dotrina que defende este posicionamento.

 

REFERÊNCIA

ALVES, Jones Figueiredo. Testamento Genético Celebra a dignidade da vida. Consultor Jurídico, 15 de março de 2014. Acesso em: 22/03/2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-mar-15/jones-figueiredo-testamento-genetico-celebra -dignidade-vida>.

BRASIL. Vade Mecum: Saraiva. 16. ed. Atualizada e ampliada. São Paulo, Saraiva, 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Sucessões. 7° edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil: família e sucessões. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2012

SILVA, Carla Carolina de Oliveira. Sucessão testamentária: análise à luz do Codígo Civil de 2002. Conteúdo Jurídico. 10 de novembro de 2011. Aceso em: 22/03/2015. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,sucessao-testamentaria-analise-a-luz-do-codigo-civil-de-2002,33760.html>

 

[1] Case apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 6º período do Curso de Direito, noturno, da UNDB.

[3] Professora especialista, orientadora.