SINODALIDADE: NOSSA IDENTIDADE É CAMINHAR JUNTOS

Por Douglas Diego Palmeira Rocha | 29/03/2024 | Religião

SINODALIDADE: NOSSA IDENTIDADE É CAMINHAR JUNTOS

 

DOUGLAS PALMEIRA[1]

 

1. O QUE É SINODALIDADE

 

Nos últimos tempos, por inspiração do Papa Francisco, seguimos um caminho de compreensão sobre a Sinodalidade, sobre sermos uma Igreja Sinodal. São termos presentes em nossas liturgias, planejamentos e assembleias, roteiros de oração e reflexão. E que bom que este movimento vem acontecendo! Uma comunidade fecunda é aquela que age e se reconhece sinodalmente. Mas o que, de fato, estes termos querem dizer? São uma novidade na Igreja? Ou um retorno às nossas fontes?

Sinodalidade deriva da palavra Sínodo. O termo Sínodo, por sua vez, é composto por dois termos de origem grega: o prefixo “syn”, que significa ajuntamento, simultaneidade, a ideia de união, de junção (presente em palavras como sincronia, sindicato, simultâneo, todas relacionadas ao coletivo); e o substantivo “hodos”, que significa via, caminho (presente em palavras como método, que é o procedimento, técnica ou o meio de se fazer alguma coisa, ou seja, o caminho escolhido; presente também na palavra Odisseia, a longa viagem, longo caminho). Destes dois termos, forma-se o verbo “synodéo”, que se traduz como “caminhar juntos”.

Os sínodos referem-se a uma assembleia ou reunião de líderes religiosos para discutir, refletir, e até mesmo deliberar sobre questões da fé, da liturgia, da disciplina, da administração e, sobretudo, da pastoralidade de uma Igreja ou comunidade religiosa específica. São comuns em várias tradições cristãs, sobretudo na Igreja Católica, mas também na Igreja Ortodoxa e algumas denominações protestantes. Estas reuniões são conduzidas para promover a unidade, abordar desafios ou questões específicas enfrentadas e tomar decisões coletivas sobre questões importantes. E cada tradição religiosa pode ter suas próprias estruturas e procedimentos específicos para a realização de um sínodo.

Também as Dioceses podem ter seus momentos de Sínodo, que não se restrinjam apenas em encontros de formação e reflexão, mas que permitam grandes assembleias nas quais o povo de Deus e seus pastores possam avaliar a caminhada realizada e traçar os passos a serem percorridos neste caminho comunitário e eclesial.

Então, tratando especificamente do Sínodo dos Bispos, sua origem, como o conhecemos, se deu a partir 1965, quando São Paulo VI, através da Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Apostolica Sollicitudo” definiu o que seria este Sínodo, de acordo com o pensamento dos padres conciliares expresso na Lumen Gentium[2]. A função do sínodo é consultiva, mas podendo também ter função deliberativa, ainda que tenha que ser esta ratificada pelo Papa. É também de São Paulo VI o decreto Christus Dominus[3], a respeito do múnus pastoral dos bispos na Igreja, no qual ele afirma:

 

Alguns Bispos das diversas regiões do mundo, escolhidos do modo e processo que o Romano Pontífice estabeleceu ou vier a estabelecer, colaboram mais eficazmente com o pastor supremo da Igreja formando um Conselho que recebe o nome de Sínodo Episcopal. Este Sínodo, agindo em nome de todo o Episcopado católico, mostra ao mesmo tempo que todos os Bispos em comunhão hierárquica participam da solicitude por toda a Igreja.

 

2. O SÍNODO SOBRE A SINODALIDADE

 

De tempos em tempos, bispos de todos os continentes se reúnem com o Sucessor de São Pedro para refletir, rezar e direcionar os passos da Igreja que caminha nas estradas do mundo rumo ao céu, cada dia renovando a esperança de chegar junto a Deus[4]. A este movimento dá-se o nome de Sínodo. Assembleias extraordinárias do Sínodo dos Bispos acontecem também refletindo e discernindo temas urgentes na própria Igreja, como os novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral na região pan-amazônica (2019), os jovens, a fé e o discernimento vocacional (2018), a vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo (2015), os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização (2014) e a nova evangelização para a transmissão da fé cristã (2012), dentre muitos outros.

Contudo, ao convocar a última Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, Papa Francisco ampliou o panorama, convidando a refletir sobre a própria Sinodalidade da Igreja, nosso modo de ser e viver, a maneira como a Instituição eclesial precisa caminhar em nosso contexto atual, propondo como tema “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. É, portanto, um evento histórico, uma vez que que as conversas entre os Bispos se encontram na fase final do processo sinodal. Isto porque, seguindo a inspiração deste caminho comum, o Papa abriu espaço para a participação de toda a Igreja, desde as comunidades paroquiais. A Assembleia Sinodal de 2023 foi, então, o resultado de todas as etapas realizadas, começando nas dioceses de todo o mundo.

O Sínodo sobre a Sinodalidade foi dividido em três etapas: diocesana, continental e universal, que se estenderam de 2021 a 2023. Em sua Homilia, na Missa de abertura, Papa Francisco pediu que todos estivessem dispostos a se “encontrar, escutar e discernir”. Não é apenas um encontro, ou um congresso, mas é um grande caminho, sem pressa, que perpassa por todas as instâncias da Igreja e abraça a todos, chamando-nos à corresponsabilidade de nossa missão batismal. Não é uma simples reunião, mas um momento de escuta do Espírito Santo. Isso orienta a Igreja a discernir como agir na complexidade da sociedade atual. É uma oportunidade de reflexão, com sensibilidade aos grandes desafios do mundo e das pessoas de hoje.

Na primeira etapa desta XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, que ocorreu de forma universal em outubro de 2023, participaram 363 membros com direito a voto, sendo 85 mulheres (54 com direito a voto e duas delas como presidentes delegadas). Também houve a presença de 12 Delegados Fraternos, ou seja, de outras religiões. Tudo isso para garantir a máxima representatividade, com membros de todos os continentes. Mas, claro, a dimensão episcopal continua sendo central, mantendo a natureza do evento como um Sínodo dos bispos, visto que os bispos têm um ministério fundador, ou seja, eles são os guias, os pastores do povo de Deus a eles confiado.

De fato, dentro da Igreja há vários processos e estruturas sinodais, sendo a Assembleia do Sínodo dos Bispos apenas um exemplo disso. Mas esses processos são geralmente caracterizados como sinodais, representando momentos nos quais os bispos expressam sua responsabilidade dentro da comunidade. A Assembleia Sinodal não é o único momento em que a sinodalidade da Igreja é manifestada; existem diversas outras formas e instâncias que também refletem esse princípio.

Da Assembleia do Sínodo, publicou-se o relatório “Uma Igreja sinodal em missão”, que oferece reflexões e propostas sobre temáticas como o papel das mulheres e dos leigos, o ministério dos bispos, o sacerdócio e o diaconato, a importância dos pobres e migrantes, a missão digital, o ecumenismo e os abusos.

 

3. CAMINHAR JUNTOS

 

Somos comunidade de discípulos que caminham juntos. “Qualquer que seja o ponto a que chegamos, caminhamos na mesma direção” (Fl 3,16). Na diversidade dos membros do Corpo de Cristo, que é a Igreja (cf. 1Cor 12,12-31), precisamos perceber a riqueza que reside na complementariedade de nossas diferenças. Somos convidados, assim, a compartilhar as experiências e perspectivas, tomando decisões de forma colegiada, na unidade e na comunhão, orientados e iluminados pelo Espírito Santo, que sopra onde quer (cf. Jo 3,8).

Somos orientados, conduzidos, governados pelos pastores que receberam de Cristo o múnus de sua missão: os bispos, sucessores dos apóstolos, que em torno do Sucessor de São Pedro, atuam de forma colegiada e sinodal; e os sacerdotes, nossos párocos, vigários e administradores, que atuam em comunhão na fraternidade sacerdotal e na colaboração aos bispos. Mas somos chamados, pelo sacerdócio comum dos fiéis, pela graça do Batismo, a sermos colaboradores de nossos pastores na própria ação pastoral e evangelizadora da Igreja de Cristo.

Escutar, discutir e discernir: são os passos desta caminhada sinodal, são elementos fundamentais para uma participação ativa e consciente de todos os fiéis na vida e missão da Igreja, de modo que, a hierarquia eclesial, em comunhão com o clero, os religiosos e religiosas, os consagrados e consagradas, e os leigos e leigas, percorram um caminho de unidade na diversidade, ouvindo as vozes da comunidade, refletindo sobre suas necessidades e discernindo os caminhos que Deus os chama a trilhar.

Este princípio reconhece a contribuição de cada indivíduo para a vida da Igreja, independentemente de sua posição ou função. É como a administração desta grande barca, a Igreja de Cristo, é exercida na própria estrutura e na pastoral orgânica, destacando a importância da participação ativa de todos os membros em um processo coletivo de tomada de decisões, avaliação, planejamento e ação pastoral e evangelizadora.

O percurso sinodal é crucial para a Igreja, enfatizando participação e colaboração como elementos centrais na construção do Reino de Deus. Essa abordagem promove transparência, abertura e responsabilidade entre os membros, refletindo os princípios evangélicos e a identidade das primeiras comunidades. Os cristãos tinham tudo em comum! (cf. At 2,42-47; 4,32-35).

Representa uma expressão prática desses princípios, convocando à união na construção de uma comunidade eclesial fiel à mensagem de Jesus, que pediu ao Pai que todos fôssemos um (cf. Jo 17,21). Este caminho oferece uma oportunidade de renovação para a Igreja; não busca uma democracia eclesiástica, mas um discernimento espiritual, ouvindo atentamente o Espírito Santo para discernir a vontade de Deus.

A compreensão do processo sinodal de caminho, de tomada de decisões e de exercício do serviço pastoral, que não se dá na verticalidade de cargos ou hierarquias, mas se manifesta na horizontalidade da unidade e da pertença ao povo de Deus, requer abertura, acolhimento, discernimento, escuta, diálogo e colaboração para promover a comunhão na diversidade, superando barreiras culturais e geográficas.

A Sinodalidade convida à conversão pessoal e comunitária, promovendo a participação de todos no presente e futuro da Igreja, promovendo a unidade, inspirando um testemunho autêntico do Evangelho e irradiando a luz de Cristo para o mundo. É, portanto, a prática do caminho que devemos seguir comunitariamente e colegialmente, na comunhão, participação e missão. Antes de tão somente um conceito, uma novidade ou, no caso, um retorno às nossas fontes, Sinodalidade é a nossa identidade. Não é o que fazemos, mas quem somos, é este caminhar juntos. Nós, Igreja de Cristo, todos nós, caminhando juntos nas estradas do mundo rumo ao Céu, construindo o Reino de Deus, já presente na História. Não há, enfim, outra compreensão para Sinodalidade senão o reconhecimento de que é ela é quem nós somos!

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[1] Douglas Palmeira é professor, escritor e compositor. Atualmente coordenador Arquidiocesano da Pastoral da Educação e Ensino Religioso da Arquidiocese de Campinas; Membro da Comissão Estadual da Pastoral da Educação e Ensino Religioso do Regional Sul 1 da CNBB; Escritor da Editora Santuário (Aparecida - SP); Compositor da letra do Hino da Campanha da Fraternidade 2024.

[2] Constituição Dogmática Lumen Gentium 1; 4; 10; 37.

[3] Decreto Christus Dominus, n. 5.

[4] Cf. Oração Eucarística V.