SINAIS E SÍMBOLOS

Por Geraldo Barboza de Carvalho | 19/07/2009 | Filosofia

SINAIS E SÍMBOLOS

Segundo a epistemologia realista, obtém-se o conhecimento por abstração de idéias a partir das imagens impressas na memória sensível pela experiência das coisas do mundo material mediante a atividade cognitiva dos sentidos. A abstração enseja conhecimento de realidades transcendentais, por analogia com as realidades imanentes. Por esta metodologia, a ontologia, desde Aristóteles, provou dedutivamente a existência do Princípio primeiro do universo. Na trilha do Estagirita, centenas de filósofos até hoje concluíram também que o universo é um non-sense ontológico se não existir um Princípio ordenador universal. Sem ele, teremos um caos, não um cosmos. O caos é o ininteligível, o cosmos é inteligível. Nossa inteligência não funciona fora da lógica da unidade. A filosofia idealista segue a lógica dos sentimentos, do coração, que "tem razões que a razão desconhece" (B Pascal). O objeto material da filosofia idealista é o mundo das realidades não-sensíveis, dos valores, imperceptíveis sensorialmente, mas captáveis por percepção afetiva ou intuição emocional. A epistemologia axiológica segue a metodologia do conhecimento por símbolos, que se insere na epistemologia idealista. Todo símbolo é sinal, mas todo sinal não é símbolo. Sinais são representações plásticas de coisas sensíveis ou não. Há sinais comuns e especiais. Os sinais comuns representam realidades do mundo sensível. Os sinais especiais representam realidades ideais e teologais, não-sensíveis, não observáveis pelos sentidos nem representáveis por sinais comuns ou conceitos abstratos. São os símbolos. Semáforos, birutas de aeroportos são sinais comuns; o Hino e a Bandeira do Brasil são símbolos. Os sinais comuns, que representam e significam coisas sensíveis, não podem servir para representar realidades ideais, os valores. É tarefa dos sinais especiais, dos símbolos. Semáforos, nuvens escuras são sinais de coisas sensíveis. Semáforo verde significa 'permitido passar', nuvens escuras, 'vai chover'. As realidades sinalizadas por sinais comuns são percebidas pelos sentidos: posso ver carros passando no sinal verde, molhar-me na chuva. Não acontece o mesmo com os símbolos, que representam e substituem realidades teologais e ideais, não perceptíveis pelos sentidos, como as coisas sensíveis o são. A Pátria é valor ideal, não exis­te no mundo sensível nem pode ser percebida sensorialmente, mas é simbolizada pela Bandeira e o Hino Nacionais. Como ideal cívico, ela só existe no imaginário, no coração do povo. Daí, para torná-la palpável, a representamos por realidades sensíveis, como a Bandeira eo Hino Nacionais, que são mediadores entre o ideal pátrio e a realidade da Nação; são, pois, símbolos nacionais, não sinais comuns. Quer dizer, não obstante pertencerem ao mundo ideal dos valores, os símbolos não são de todo alheios ao mundo sensível. Ao contrário, dependem dele, pois o usam como suporte histórico na representação e sinalização das realidades ideais e teologais. Assim, o valor ideal e transcendental "Belo" torna-se palpável quando alguém com sensibilidade artística pinta telas faz poemas, compõe músicas, pinta telas. Tela virgem, papel, partitura serviram de suporte material para o valor "Belo" expressar-se historicamente. As realidades teologais vividas na fé necessitam expressar-se historicamente em atos de amor fraterno, na vida ética, social e política, como atestado da autenticidade da fé teologal. "A fé sem as obras é morta. Se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, o que lhe aproveitará isto? Mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras. Foi pelas obras que nosso pai Abraão foi justificado ao oferecer seu filho único Isaac sobre o altar. A fé concorreu para as suas obras e pelas obras é que a fé se realizou plenamente" Tg 2,14-26.A plástica dos sinais litúrgicos, que usa coisas do mundo material – água, fogo, óleo, vinho, pão – é fundamental para a percepção afetiva dos mistérios que são celebrados.

Como os símbolos medeiam as realidades não-sensíveis? De que maneira as representam e substituem? A realidade simbolizada deixa de existir quando nasce seu símbolo, assim como posso substituir um sinal comum por outro, dando fim ao primeiro, sem prejuízo para ambos? O que diferencia um símbolo de um sinal comum? O que significa simbolizar? Simbolizar significa representar e substituir realidades ideais ou teologais por sinais sensíveis eficazes do mesmo valor que elas, que continuam a existir para darem legitimidade aos seus símbolos. Ocorre com o símbolo algo parecido com alguém que devesse comparecer a uma cerimônia, mas está impossibilitado de fazê-lo. Enviaria um substituto e representante seu, autorizado a fazer as vezes e a realizar os atos que o titular realizaria, sem tomar o lugar dele. O substituto representa legitimamente, faz e diz com autoridade as coisas que o titular diria e faria, mas o titular continua a existir, para dar legitimidade às palavras e atos do seu representante. Sem a existência efetiva do titular, as ações e palavras do substituto não teriam validade. A efetiva permanência do titular valida a sua representação. Para a Bandeira e o Hino simbolizarem o Brasil para todos os efeitos, é preciso que o Brasil exista. Não pode haver símbolos de coisas inexistentes: faltaria suporte ontológico para eles. Não ocorre o mesmo com o sinal comum: nunca poderá representar nem substituir a realidade da qual é sinal; pois, tanto ele quanto ela podem desaparecer e reaparecer, sem que aconteça nada com a realidade ou sinal. Poder-se mudar o sinal de uma coisa sensível sem conseqüência para ele ou para ela. Poderei substituir luz por som num semáforo e regular o trânsito do mesmo jeito. Poderei substituir semáforos americanos por chineses, sem prejuízo pra fluidez do trânsito. Impossível com os símbolos: jamais po­deria trocar símbolos de valores por outros, sem prejuízo para a legitimidade deles. Símbolos e valores não poderão ser alterados arbitrariamente, sob pena de anulação dos dois. Tendo significado idêntico, símbolo e valor co-existem simultaneamente, sem mudar símbolo ou valor, sob pena de alterá-los substancialmente. Jamais poderíamos conceber o Brasil sem a Bandeira e Hino Nacionais. Tão pouco podemos conceber o Hino ou a Bandeira sem o Brasil. Um símbolo verdadeiro não pode desaparecer, ser substituído arbitrariamente por outro. Seria ofensa à Nação Brasileira substituir nossa Bandeira pela japonesa. Seria grave ofensa ao povo de uma nação substituir seus símbolos pelos de outra. Os símbolos representam e substituem, pois, realidades ideais e teologais, que continuam a existir simultaneamente com os símbolos. Sem a permanência das realidades teologais e ideais, os símbolos não valeriam, pois faltar-lhes-ia suporte ontológico. São os valores e realidades teologais que garantem a validade dos símbolos. Se Jesus não estivesse na assembléia do início ao fim da celebração, as palavras e gestos da comunidade com o celebrante não valeriam. Mas, como ele autorizou fazermos seus gestos e dizermos suas palavras nas celebrações no seu Nome, temos certeza que acontece na liturgia eucarística, sob os sinais sensíveis do pão e vinho, a mesma coisa que aconteceu na cruz e na Quinta-Feira Santa, por vontade de Jesus: "Fazei isto em minha memória. Todas as vezes que comeis deste pão e bebeis deste cálice, anunciais a morte de Jesus até sua volta" 1 Cor 11,25-25. O símbolo significa a mesma coisa que a realidade simbolizada. Pão e vinho consagrados são, ontologicamente, o corpo e o sangue, a Pessoa viva Jesus.

Sendo assim, para que servem os símbolos se as realidades teologais e ideais são idênticas ontologicamente a eles? Não bastaria nos comunicarmos com as realidades teologais e ideais, prescindindo de representá-la por símbolos? Para que serve a duplicidade da realidade ideal e o seu símbolo? Quem pergunta assim não entende o que são símbolos, nem sua função diante da realidade ideal e teologal. Primeiro, símbolos não são duplicatas das realidades teologais e ideais, mas seus sinais sensíveis eficazes, com valor e efeito idêntico a elas. Os símbolos das realidades ideais e teologais não são substancialmente diferentes delas: são essas realidades na forma de sinais, que as representam e substituem. Então, por que substituir e representar as realidades ideais e teologais por seus símbolos? Por um lado, porque a presença 'pessoal' da realidade ideal ou teologal é inviável; por outro, tornando-se símbolo, ela pode ser partilhada, participada por maior número de pesso­as. O símbolo universaliza a realidade ideal e teologal, pondo-a ao alcan­ce de todos. Ele agiliza e funcionaliza a vivência da realidade simbolizada. E quem entende o que são símbolos, terá com eles a mesma relação que tem com a realidade simbolizada. Pois, o símbolo tem o mesmo alcance e significado da realidade que representa e substitui, e faz absolutamente o mesmo efeito que ela. O símbolo não caricatura, miniatura, cópia ruim da realidade ideal e teologal. Ao contrário, representa e substitui eficazmente, e produz absolutamente os mesmos efeitos que ela. Porque, o símbolo é a própria realidade sob forma de sinais eficazes: é substituto e representante autorizados da realidade que simboliza. Quando Jesus instituiu a eucaristia, tomou um pedaço de pão e um pouco de vinho e disse: Estes alimentos comuns são o meu corpo e meu sangue: doravante, pão e vinho simbolizarão, isto é, representarão e substituirão minha Pessoa. Significam, portanto, exatamente a mesma coisa que Eu sou para vocês: o Salvador. "EU sou o pão vivo descido do céu; quem come a minha carne e bebe o meu sangue come a carne e bebe o sangue do Filho de Deus para a vida eterna'. Jesus tem autoridade pra dizer: "Este pão e vinho são meu corpo e sangue", porque, por causa da sua palavra autoritativa, o pão e o vinho simbolizam, representam e substituem, fazem as vezes do corpo e do sangue d e Jesus: são realmente Jesus. Sendo Jesus na forma de sinais, o pão e o vinho que comungamos têm o mesmo valor que a Pessoa de Jesus. Desde o momento que Jesus pronunciou as palavras autoritativas sobre o pão e vinho, eles passaram a simbolizar, isto é, a representar e substituir, ter os mesmos efeitos que a Pessoa do Verbo de Deus: São realmente o corpo e o sangue de Jesus, que comunica a vida da SS Trindade. É por isso que Jesus identifica aqueles humildes alimentos com seu corpo e seu sangue, com a sua Pessoa viva, que encerra na sua corporeidade toda a plenitude da divindade, a substância do Deus uno e trino: "Este pão é verdadeiramente a minha carne, este vinho é verdadeiramente o meu sangue. Tomai e comei, tomai e bebei. Quem comer deste pão e beber deste vinho, terá a vida eterna. Fazei isto em memória de mim", doravante. O pão e vinho abençoados, por causa do mandato de Jesus, desde então até hoje são realmente o corpo e sangue do Filho de Deus, sem nada tirar nem pôr nada. Por isso, toda vez que a comunidade celebrante pronunciar as palavras autoritativas de Jesus sobre um pedaço de pão e um pouco de vinho, automática e imediatamente eles passarão a simbolizar, com plenos e idênticos efeitos, o corpo e o sangue do Primogênito das criaturas, a própria vida de Deus, para quem comungar na santa eucaristia com fé. Simbolizando o corpo e sangue de Jesus, o vinho e o pão consagrados na última ceia e reatualiza­dos simbolicamente nas celebrações eucarísticas por ordem dele, são realmente o corpo e o sangue de Jesus, que vive entre nós na eucaristia e por Deus Mãe. Por isto, quem comer do pão e beber do vinho santos estará em comunhão plena de vida com o Filho de Mãe Maria e a humanidade inteira, representada misticamente no Corpo sofrido e ressuscitado do Redentor. Não só a eucaristia, mas os outros sacramentos e símbolos sem excreção fazem as vezes da reali­dade que simbolizam, merecendo o mesmo respeito que ela. A Ban­deira e Hino do Brasil são símbolos nacionais porque significam e substituem o Brasil, e como tais devem ser respeitados. Respeitar ou desrespeitar a Bandeira e o Hino brasileiros é respeitar ou não o próprio Brasil.

Sendo assim, os símbolos são entidades híbridas, situados entre o real e o ideal, legitimados por palavras autoritativas. Não são, pois, só reais ou só ideais, mas sinteticamente ambos. Antes de ser carta, a folha de papel era só folha de papel, as emoções e idéias de alguém eram só emoções e idéias. Mas, quando estas são transcritas no papel, este é transubstanciado e se torna carta. Emoções, pa­lavras e papel deixaram de ter significado individual, para formarem, juntos, a entidade nova chamada 'carta' que representa e substitui pensamentos e emoções de alguém, que são realidades não-sensíveis. Portanto, a carta simboliza, representa, substitui alguém. Tem, pois, o mesmo valor que ele e desrespeitar a carta é o mesmo que desrespeitar seu autor – é crime. Depreende-se daí que, da realidade teologal ou ideal o símbolo re­cebe o status ontológico, pois a representa; da realidade sensível recebe o su­porte histórico; das palavras, recebe o significado não-sensível das coisas sensíveis; das três juntas, recebe status de substituto autorizado da realidade ideal ou teologal. Símbolos são como palavras-coisas ou coisas-palavras. Neles, as coisas parecem palavras e as palavras parecem coisas. Têm por função representar alguma coisa (daí seu status ontológico), dizer algo sobre ela (significarem a realidade), e substituí-la (sinais eficazes). Para representarem realidades ideais, os símbolos usam coisas sensíveis; para significá-las, usam palavras; para substituí-las, tornam-se sinais eficazes das mesmas. Por isso, quando o símbolo aparece, as realidades ideais e teologais, as coisas sensí­veis e as palavras continuam individualmente sendo o que são. Mas, ganham, juntas, significado novo ao formarem a entidade nova e híbrida chamada sinal sensível eficaz ou símbolo de alguma rea­lidade ideal ou teologal. As coisas sensíveis usadas como suportes dos símbolos conservam suas características físicas; mas, ao mesmo tempo, não são mais só coisas espaço-temporais: tornadas símbolos, repre­sentam alguma realidade ideal ou teologal e dizem alguma palavra, embora cifrada, sobre ela, além de substituí-la com idênticos e plenos efeitos. Daí, sendo os símbo­los entidades híbridas (meio palavras, meio coisas), pertencem a dois mundos, antagônicos, mas complementares: o mundo espaço–temporal ou sensível, e o mundo não-sensível, ideal e teologal. Eles apontam pra dois mundos: o das realidades ideais e o das realidades sensíveis e, sinte­tizando os dois enquanto sinais sensíveis eficazes, com os mesmos efeitos e valor que a realidade simbolizada. Apontam para o mundo sensível, do qual usam as coisas físicas; para o mundo não-sensível, que representam, significam, substituem. Esta hibridez dos símbolos vem da origem da sua formação: usamos realidades do mundo sensível para formá-los, as quais, quando incorporadas ao símbolo, juntamente com a palavra autoritativa, passam a significar realidades não existentes no mundo espaço-temporal. Assim, um pedaço de pano branco, pintado com as cores do Brasil e por força da palavra autoritativa legitimadora da lei, deixa de ser apenas pano e se torna a Bandeira do Brasil, que simboliza, isto é, significa, representa e substitui a Nação Brasileira. Um pedaço de pão e um pouco de vinho consagrados continuam pão e vinho; mas, ao mesmo tempo, não o são mais, em virtude da palavra autoritativa de Jesus, que os faz representar, significar, substituir, isto é, simbolizar seu corpo e sangue. Por causa disto, onde a Bandeira Nacional for hasteada, todos nós temos obrigação de lhe pres­tar respeito e homenagem, como à Pátria mesma. A Bandeira é feita de um pedaço de pano. Mas, por causa da lei (palavra autoritativa) que a definiu como símbolo nacional, aquele pedaço de pano representa, significa e substitui o Brasil: vale tanto quanto o Brasil. Por isto, desrespeitar a Bandeira é desrespeitar o Brasil. Simbolicamente, a Bandeira do Brasil é o Brasil. Semelhantemente, pão e vinho consagrados simbolizam, representam, significam e substituem o corpo e o sangue de Jesus, que nasceu, viveu, morreu e ressuscitou para nos salvar. Nem mais nem menos. Dá para entender que, sem a existência da realidade, os símbolos não teriam valor algum. O valor dos símbolos está, pois, no fato de expressarem de maneira plástica, sensível, realidades ideais e teologais. Apesar da aparência, são a mesma coisa, produzem efeitos idênticos aos da realidades não-sensíveis que simbolizam. Por causa da identidade ontológica entre símbolos e realidades simbolizadas, um bom símbolo precisa ter alguma semelhança com a realidade do mundo usada como suporte natural e histórico do mesmo, para permitir-nos imaginar como é a realidade ideal simbolizada e melhor captá-la pela percepção afetiva. Pra nos fazer entender que a vida divina nos comunica pela fé, Jesus usa alimentos comuns, pão e vinho, que dão e conservam a vida natural de quem os consome. Por transferência comparativa de significado, por força do símbolo eucarístico, dizemos: "assim como o pão alimenta meu corpo material, assim também o pão eucarístico alimenta meu corpo destinado à vida eterna". A analogia é perfeita. Igualmente, para fazer a Bandeira do Brasil, usamos as cores das riquezas nacionais: o azul do céu, o amarelo do ouro, o verde das florestas. A semelhança entre o símbolo e seu suporte material facilita a transferência de significado para a vivência da realidade ideal e teologal simbolizada. De modo que, captando afetiva e imaginativamente, vivendo corretamente o significado dos símbolos, imediatamente estaremos em contato existencial com a realidade que ele representa e significa. Pelo contato vivido com a realidade ideal e teologal mediante seu símbolo, conhecemos melhor aquela realidade. Conhecimento verdadeiro, pois é vivi­do, simbólico, substitutivo e representativo daquela realidade. Conhecimento por sinais, indireto, mas verdadeiro, pois é experimentado existencialmente, vivido e captado por percepção afetiva, intuição emocional. Não se trata da experiência direta da realidade ideal e teologal, mas da sua vivência mediante a 'visualização' plástica do seu símbolo. De fato, os símbolos dão a conhecer realidades teologais e valores, não no sentido de captá-las sensorial e intelectual­mente – por conceitos abstratos – , mas no sentido de apreendê-las afetivamente e presentificá-las existencialmente.

Geraldo Barboza de Carvalho