Simplício e a miopia moral: crítica ao pensamento neoconstitucional de Miguel Carbonell

Por Sérgio Ricardo de Freitas Cruz | 13/09/2017 | Direito

SÉRGIO RICARDO DE FREITAS CRUZ[1]

Simplício e a miopia moral: crítica ao pensamento neoconstitucional de

 Miguel Carbonell

Simplício[2] e a miopia moral: crítica ao pensamento neoconstitucional de

 Miguel Carbonell

Introdução:

Miguel Carbonell[3], ilustre e renomado jurista mexicano, que é um divulgador do que se chama neoconstitucionalismo e que se apresenta como uma via alternativa, uma terceira via, diz ele pro persona , frente ao arcabouço jurídico e dogmático que o Direito alcançou nesse início de século XXI.

Carbonell se assemelha a Ferdinand Lassale (1825-1864) em um ponto: sua análise da mobilidade social[4] e das questões do homem inserido em uma comunidade, sejam assistidos por uma constituição que a práxis seja o agente propulsor das normas constitucionais, apenas nesse ponto.

Distante no tempo e na ideologia, uma vez que Lassale flertou com o marxismo, Carbonell propõe uma nova análise da constituição, especialmente no tocante aos chamados “direitos fundamentais”.

O campo de pesquisa visual, Weltanschauung de Carbonell é a América Latina e a chamada redemocratização que vários países passaram na década de 1990, entre eles, Argentina, Brasil, Chile, ainda países da América central.  Sua consideração ou ponto de análise é basicamente o que nós no Brasil vislumbramos no artigo 5º da Norma Maior de 1988.

  1. Teoria

O autor mexicano vislumbra uma nova visão constitucional quando por exemplo, o sistema de distribuição de medicamentos realizado no Brasil e preceituado na Constituição brasileira. Aliás, pouco fala no artigo analisado, o autor sobre o Brasil.

Uma tomada de consciência pelo povo latino-americano é elogiada à página 156 do artigo de Carbonell. Certa transposição de idéias, digamos melhor, uma força teórica, é utilizada para sustentar tal argumento.  Robert Alexy, Ronald Dworkin, Luis Roberto Barroso, Gustavo Zagrebelsky, Paolo Comanducci entre outros, fazem uma miscelânea de matizes e pensamentos distantes no espaço e realidades sociais.

O caso alemão não parece possível de aplicação em termos de doutrina que ficou alicerçada no pós-guerra. Alemanha, Itália e França representam no Direito, países de uma tradição política e jurídica inigualáveis. Aqui não citamos a Inglaterra em decorrência do seu sistema jurídico diferenciado dos mencionados.

Falar em efetividade dos direitos humanos e sua aplicação por via constitucional parece revestir a constituição de uma medida de força e não de consciência amadurecida. Pensadores como Bobbio, Häberle, Gadamer, mesmo Gustav Radbruch pensaram suas realidades e as contradições que seus países sofreram, caso concreto. Daí uma escola hermenêutica filosófica crítica do Direito na qual se inserem por exemplo, os franceses Emmanuel Lévinas e Jacques Derrida.

A teoria de um neoconstitucionalismo de Carbonell se aproxima àquilo que Konrad Hesse chama de “Vontade de constituição” e que campeou pela América do Sul e América Central nos de 1980 e 1990. O Brasil, chegou à sua 8ª constituição e Carbonell mesmo, não a cita como modelo, cita antes a do México, Colômbia, Costa Rica entre outras.  Em dados momentos o texto critica a sua própria essência, a saber, os direitos humanos, caso complexo que na pós-ditadura brasileira, deixou marcas indeléveis com a Lei 6.683/79 e os casos de desaparecimentos forçados.

Uma centralização do pensamento teórico em conquistas sociais que nos foram tiradas pelo arbítrio, se aproxima do eterno dilema do Legislador transformar direitos básicos e fundamentais em “Standards” de políticas públicas, é o que se depreende do texto em seu teor.

  1. Utopia    

A sociedade hodierna é marcada pela celeridade, moderno hoje, clássico amanhã. Ao falarmos de constituição e direitos fundamentais é sempre cabível uma boa prudência sobre o que realmente utilizaremos como suporte teórico. Immanuel Kant surge com seu princípio da “dignidade da pessoa humana”, sendo princípio, há o aspecto axiológico e deontológico que em política se resolve melhor que em Direito.

Ao pensarmos Kant lembramo-nos de Hans Kelsen, mutatis mutandis, esse elabora uma teoria jurídica que se aproxima do “imperativo categórico” kantiano. Há questões de valor e moral que estão presentes no pensamento de Kant e que repercutem em Kelsen e Carl Schmitt, por exemplo.

Necessário se faz uma análise hermenêutica abalizada sem uma nova hermenêutica, sem recorrermos a uma nova doutrina constitucional. Ora, colocamos no capítulo 5º e inciso XXIII a questão da função social da propriedade. Eros Grau chama esse inciso de “inciso Léon Duguit”, todavia, lá insculpido, nada sabemos sobre a extensão do sentido dessa função social da propriedade. Teremos nós, 200 milhões de brasileiros, direito à casa própria?  A Carta Maior reza em seu artigo 197 o seguinte:

  Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.   http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm (08/08/2017-21h23).

 

A questão é delgada, pois a “vontade de constituição”, torna inviável aquilo que de fato é direito, todavia, uma vez positivado, depõe contra o próprio judiciário que ficou em um limbo aberto pelo Poder Constituinte, é preciso buscar esse direito. Teremos que positivar todos os direitos? Essa é uma questão a se pensar.

 

CONCLUSÃO

 

Torna-se óbvio que os direitos fundamentais precisam e devem ser respeitados e de fato não serem “uma folha de papel”. A questão da América Latina é ímpar frente ao pensamento eurocêntrico, somos colônias livres do domínio político, todavia, nos aguilhoamos às idéias que nos chegam da Europa com muita facilidade.

O trabalho de Miguel Carbonell é um ponto para reflexão das condições que vivemos, desde o México até o Uruguai. O constitucionalismo parece, reafirmo, parece que se assentou muito bem no Estados Unidos da América que passa pela fragrância do Common Law, não é um sistema perfeito, todavia.

O México e sua emblemática Constituição de 05 de fevereiro de 1917, parece-me um pouco com o personagem de Manuel de Macedo, esquece-se de que seu vizinho rico lhe impõe fronteiras que “El Pueblo” não quer enxergar. Há problemas pontuais sérios como o tráfico de drogas e a economia. Ser míope fisicamente não é um pecado, moralmente, se aplicarmos Carbonell, caberá o juízo de ponderação e se assim o fizermos, as críticas sob o neoconstitucionalismo podem ser desproporcionais.

Sérgio Ricardo de Freitas Cruz.    

 

[1] Graduado, mestre e doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. UniCEUB.

[2] MACEDO, Joaquim Manuel de. A Luneta mágica. Martin Claret, São Paulo 2002. Simplício é o personagem central dessa obra de 1869 que passa como crítica política e social. Simplício é um homem rico, que se define logo na abertura da obra: “Chamo-me Simplício e tenho condições naturais ainda mais tristes do que meu nome. Nasci sob a influência de uma estrela maligna, nasci marcado com o selo do infortúnio. Sou míope; pior que isso, duplamente míope, míope física e moralmente. Miopia física: --a duas polegadas de distância dos olhos não distingo um girassol de uma violeta. E por isso ando na cidade e não vejo as casas. Miopia moral—sou sempre escravo das idéias dos outros; por isso que nunca pude ajustar duas idéias minhas”. (Grifamos) 

[3] Licenciado en Derecho por la Facultad de Derecho de la UNAM. Doctor en Derecho por la Universidad Complutense de Madrid, España. Investigador del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM.  Coordinador del Área de Derecho Constitucional y de la Unidad de Extensión Académica y proyectos Editoriales del mismo Instituto. Investigador Nacional nivel III del Sistema Nacional de Investigadores desde enero de 2005, siendo el más jóven científico del país en alcanzar ese nivel.   Autor de 44 libros y coordinador o compilador de otras 49 obras.Ha publicado más de 400 artículos en revistas especializadas y obras colectivas de México, España, Italia, Inglaterra, Argentina, Brasil, Colombia, Ecuador, Perú, Chile, República Dominicana y Uruguay. Sus textos se han publicado en cinco diferentes idiomas. Ha dictado más de 900 cursos y conferencias en México y otros países.Ha cordinado las obras colectivas más importantes de México en materia jurídica, tales como la "Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos comentada y concordada" (5 tomos), la "Enciclopedia Jurídica Mexicana" (15 tomos), la "Enciclopedia Jurídica Latinoamericana" (10 tomos) y "Los derechos del pueblo mexicano. México a través de sus constituciones" (25 tomos). Ha sido miembro del Consejo Consultivo de la Comisión Nacional de los Derechos Humanos y de la Junta de Gobierno del Consejo Nacional para Prevenir la Discriminación. Actualmente es miembro del Consejo de la Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal.            Le han otorgado varios premios y reconocimientos, como por ejemplo el Premio Anual de Investigación Jurídica Ignacio Manuel Altamirano y el Premio Universidad Nacional para Jóvenes Académicos. Es articulista en el periódico "El Universal". In: http://www.miguelcarbonell.com/curriculum.htm (08/03/2016- 19h30).

[4] LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. Lumen Juris. 1998.